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Onde fica, o que produz e para que serve a Central Nuclear de Almaraz?

É uma central nuclear em Almaraz (Cáceres, Espanha), a 100 quilómetros de Portugal, onde se produz eletricidade proveniente da energia libertada pelos processos de fissão nuclear (quando o núcleo de um átomo instável se quebra em dois átomos estáveis).

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A Central Nuclear de Almaraz, a 100 km da fronteira portuguesa, está assinalada a vermelho neste mapa do Google Maps.

Começou a ser construída em 1972 e tem dois reatores: um deles entrou em funcionamento a 1 de maio de 1981 e o segundo começou a funcionar dois anos mais tarde, a 8 de outubro de 1983. É gerida por três empresas: a Iberdrola (53 %), a Endesa (36 %) e a Unión Fenosa (11 %).

É a primeira central nuclear de segunda geração em Espanha, mas a quarta infraestrutura de energia nuclear no país. As outras três são José Cabrera (Zorita), Santa María de Garoña (Burgos) e Vandellos I (Tarragona). No entanto, só a Central Nuclear de Almaraz era responsável, em 2010, por 7,6% da energia elétrica produzida em Espanha e representava 25% de toda a energia nuclear criada no país.

O prazo de validade da Central Nuclear de Almaraz estava apontado para 2010, mas o seu funcionamento foi alargado por Espanha até 8 de junho de 2020.

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Como funciona esta central nuclear?

A Central Nuclear de Almaraz é do tipo “PWR”, ou seja, é um reator de água pressurizada. O seu funcionamento depende de três sistemas que, embora estanques, dependem uns dos outros para a produção de energia. Esses sistemas são o primário, o secundário e o da água de refrigeração. A água que circula neles nunca entra em contacto.

No circuito primário, a água é aquecida pela energia proveniente da fissão de átomos de urânio. O calor é depois transferido para a água num gerador de vapor que pertence ao circuito secundário. Essa água é aquecida até evaporar e movimentar uma turbina que produzirá energia elétrica. Depois, o vapor volta a ser arrefecido transferindo algum do seu calor para a água de refrigeração. De regresso ao estado líquido, através da condensação, a água volta ao gerador de vapor para criar mais eletricidade.

No caso particular desta central nuclear, a água vem do rio Tejo, que nasce na serra de Albarracín (Espanha) e desagua no Oceano Atlântico em Lisboa (Portugal).

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Quais são os planos de Espanha para a central nuclear? Para que serve a construção de um armazém?

O governo espanhol pretende construir e colocar em funcionamento um aterro de resíduos nucleares junto à central nuclear de Almaraz. O Armazém Temporário Individualizado de Resíduos Nucleares de Almaraz tem como objetivo depositar nele os resíduos altamente radioativos que vão ser gerados pelos reatores a partir de 2018.

De acordo com o Boletim Oficial do Estado espanhol, este aterro terá um muro de proteção e infraestruturas anti-sísmicas, prontas para receber vinte contentores com material radioativo gasto nos reatores, tudo de acordo com as diretivas do Conselho de Segurança Nuclear (CSN) de Espanha.

Mas Francisco Ferreira, presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável -, denuncia num comunicado enviado à imprensa que a construção de um aterro com estas características tem como real missão o prolongamento do funcionamento da central nuclear por mais 20 anos.

“A decisão de ter o ATI construído nessa data é apenas um esforço para permitir a extensão da vida da central além de 40 anos e a tentativa mesmo de a fazer chegar a 60 anos de funcionamento. Esta é a estratégia da indústria nuclear espanhola, uma vez que o verdadeiro negócio das centrais nucleares para o setor elétrico é mantê-las operacionais o maior tempo possível apesar de um crescente risco“, prossegue a ZERO.

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Os planos de construir um aterro nuclear em Espanha são antigos?

Sim. Esta é a terceira vez que Espanha considera a construção de um aterro de resíduos nucleares junto à fronteira com Portugal.

A primeira vez foi em 1986, quando os espanhóis anunciaram os planos de criar um aterro de resíduos nucleares altamente radioativos em Aldeiadávila da Ribera (Salamanca), junto ao rio Douro. Ainda nesse ano, uma contaminação radioativa do Tejo já tinha colocado o Ministério do Ambiente em alerta. As preocupações com o risco de contaminação das águas do rio Douro e a queixa apresentada por Portugal a Bruxelas travaram o governo espanhol, que tinha dito que os planos da infraestrutura eram para um laboratório e não um aterro.

A segunda vez foi em 2006. O assunto voltou a marcar a agenda política quando os espanhóis colocaram a hipótese de construir esse aterro em Peque (Zamora), a 90 quilómetros de Bragança. Pouco antes de uma visita de Cavaco Silva, então Presidente da República português, Espanha, liderada na altura por Rodrigo Zapatero, recuou, e o plano morreu por “respeito aos países limítrofes, para manter os critérios de boa vizinhança e por questões de segurança”.

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Porque é que a construção desse aterro desagrada ao governo português?

Porque a central nuclear de Almaraz já foi palco de vários acidentes e é considerada perigosa, como explica este artigo publicado no Observador em 2016.

De acordo com a Quercus, um dos acidentes mais graves aconteceu em 2008, quando o recinto de contenção da central nuclear de Almaraz teve de ser evacuado na sequência de uma contaminação de 30 mil litros de água com material radioativo. Essa água foi lançada ao Tejo e, portanto, foi posta no circuito do rio que atravessa Portugal, o que deixou o governo português preocupado com a possibilidade do sistema de fornecimento de água na Grande Lisboa estar comprometido.

Almaraz já sofreu pelo menos 69 incidentes desde o início da década. O mais recente foi a 22 de fevereiro de 2016, com a paragem automática do reator na unidade I, o mais antiga. No dia seguinte, a unidade II foi palco de um pequeno incêndio que, garante o CSN, não teve impacto na saúde dos trabalhadores nem da população. No entanto, o governo português tem razões para desconfiar: em 2015 foi revelada uma falsificação de dados de fiscalização ao sistema de segurança contra incêndios. Essas desconfianças foram ainda mais vincadas pelo facto de alguns inspetores do CSN dizerem que as garantias de que o sistema de refrigeração da Central Nuclear de Almaraz estava a funcionar com normalidade serem poucas.

Perante estas informações, o governo português teme que o material radioativo do aterro possa contaminar as águas da albufeira afluente do rio Tejo, que é usada para refrigerar a central nuclear. Há também o receio de contaminação atmosférica.

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O que foi decidido na reunião entre Portugal e Espanha?

João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente português, reuniu-se esta quinta-feira de manhã com o governo espanhol para chegar a um acordo sobre o destino projetado para Almaraz. Mas os dois países não chegaram a acordo: Espanha quer mesmo avançar com o plano de construir um aterro nuclear na central nuclear. Por isso, Portugal vai recorrer à Comissão Europeia para travar as ideias espanholas.

“No que diz respeito à avaliação de impacto transfronteiriço, não estamos de acordo”, disse o ministro, que exige a Espanha um estudo que avalie o impacto de um aterro nuclear tão próximo de Portugal: “Portugal vai solicitar a intervenção de Bruxelas neste caso. Havendo um diferendo, ele tem de ser resolvido pelas instâncias europeias”.

A queixa vai ser entregue à Comissão Europeia durante a próxima semana, abrindo uma tensão diplomática entre os países ibéricos. Entretanto, Bruxelas já disse estar disponível para ajudar nas negociações entre Portugal e Espanha. E admite investigar Espanha se houver suspeitas de crimes ambientais.

Segundo a lei europeia, os países ‘vizinhos’ tem direito a participar em decisões deste género.

Mas o caso já está a gerar um guerra política, com o CDS-PP a exigir ouvir o ministro no Parlamento sobre aquilo a que chama uma falta de liderança política. O PSD também acha que o Governo “acordou a más horas” para o caso.

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O que aconteceria se houvesse fuga de material radiativo num aterro nuclear em Almaraz?

Segundo a simulação feita com tecnologia da NATO pela Escola Prática de Engenharia do Exército, um acidente nuclear em Almaraz, com as mesmas características que o ocorrido em 2011, em Fukushima, lançaria uma nuvem radioativa para a atmosfera que, ao fim de 38 horas, já teria atravessado a fronteira e atingido a região centro de Portugal. As cidades mais afetadas seriam Castelo Branco e Portalegre, que ao fim de um mês já teriam acumulado na atmosfera 1 sievert (Sv) de radiação ionizante sobre os seres humanos.

Os riscos de um acidente nuclear em Almaraz são os mesmos que se verificam caso haja uma fuga de material radioativo do aterro que Espanha quer construir, diz o El País. Um deles é a poluição atmosférica porque o material radioativo atirado para o ar seria arrastado pelo vento para Portugal.

Outro risco, um dos mais imediatos e preocupantes, é a contaminação do rio Tejo: se as partículas radioativas não forem contidas na bacia da central, o rio que cruza Portugal seria inevitavelmente afetado.

A Proteção Civil diz que se houver um acidente desta natureza em Almaraz, o interior do país fica em “grau radiológico de risco moderado”. No entanto, a probabilidade de ocorrer esse acidente é baixa.

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O que deveríamos fazer caso houvesse fuga de material radioativo em Almaraz?

Em resposta ao Observador, a Proteção Civil diz que, em caso de emergência, Portugal tem três ferramentas preparadas: o Plano Nacional de Emergência de Proteção Civil (PNEPC), os Planos Distritais de Emergência de Proteção Civil (PDEPC) e os Planos Municipais de Emergência de Proteção Civil dos concelhos localizados nos distritos mais próximos da Central de Almaraz. Esses planos estão prontos para serem postos em ação em caso de risco tecnológico ou ambiental.

Além disso, Portugal segue ainda a Diretiva Operacional Nacional n.º 3 – Dispositivo Integrado de Operações Nuclear, Radiológico, Biológico e Químico (NRBQ), aprovada em outubro de 2010 pela Comissão Nacional de Proteção Civil (CNPC), próprio para incidentes radiológicos e nucleares.

A Agência Portuguesa do Ambiente é responsável pela gestão da Rede Macional de Alerta de Radioatividade do Ambiente.

Entretanto, a população é avisada do perigo pelas autoridades locais, direta e indiretamente, através dos órgãos de comunicação social e da Internet. A informação é disposta nesses meios pelo Centro de Coordenação Operacional Nacional (CCON) e pelos Centros de Coordenação Operacional Distrital (CCOD).

“Em caso de acidente na central nuclear de Almaraz, a Proteção Civil ativaria a Comissão Nacional para Emergências Radiológicas (CNER) para acompanhar e apoiar a avaliação da situação e a prestação de informação à população“, explica ao Observador Jorge Dias. De acordo com a gravidade do problema, a Proteção Civil pode ou não acionar ou aumentar o nível de estado de alerta especial para o Dispositivo Integrado de Operações de Proteção e Socorro e/ou para o Dispositivo Integrado de Operações Nuclear, Radiológico, Biológico e Químico.

Em termos políticos, caberia ao primeiro-ministro determinar a ativação do Plano Nacional de Emergência de Proteção Civil e estudar como seria possível minimizar a perda de vidas e bens e os danos ao ambiente. Ao mesmo tempo, o Conselho de Ministros analisaria a necessidade de declarar “situação de calamidade” nas áreas afetadas.

À TSF, o Governo diz que há um plano preparado para responder a um acidente nuclear, mas os bombeiros dizem exatamente o contrário. E exigem, aliás, formação por parte das autoridades espanholas, bem como a necessária informação às populações fronteiriças e ainda material de proteção.

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Há mais centrais nucleares próximas à fronteira entre dois países?

Sim, há mais centrais nucleares que despertam a apreensão dos países vizinhos. Eis alguns exemplos.

Bélgica vs. Alemanha, Holanda e Luxemburgo

A Alemanha, Holanda e Luxemburgo não estão confortáveis com o alargamento do prazo de funcionamento da central nuclear em Doel (Bélgica), que funciona desde 1974 e que devia ter fechado portas em 2015. No entanto, o governo belga decidiu utilizar a envelhecida infraestrutura até 2025 sob uma condição dos países vizinhos: informá-los sempre que houver problemas e permitir vistorias pelas autoridades alemãs, holandesas e luxemburguesas.

República Checa vs. Áustria

É uma luta ideológica. A República Checa construiu uma central nuclear a 50 quilómetros da fronteira com a Áustria, metade da distância que separa Almaraz da fronteira com Portugal. A construção começou em 1981, dois anos depois de os austríacos terem votado contra a utilização de energia nuclear no seu país. Foram precisos vinte anos para que os dois países chegassem a acordo e para a República Checa por o seu reator nuclear a funcionar. Mas agora os checos dispõem de seis reatores e a tensão regressou.

França vs. Alemanha, Suíça e Luxemburgo

A central nuclear de Fessenheim é o reator em funcionamento mais antigo em território francês. Construída em 1977, os reatores na fronteira com a Alemanha preocupam os vizinhos, porque fica mesmo por cima de uma falha sísmica. Um tremor de terra podia atirar a Europa para um acidente da mesma ordem que Fukushima, mas François Hollande falhou à promessa de encerrar esta central nuclear em 2016 e diz que só o fará quando uma mais moderna for construída. A paciência alemã tem-se esgotado por causa dos planos de França para Bure, onde está a ser construído um aterro nuclear a 120 quilómetros da fronteira com a Alemanha.

Outra angústia para os vizinhos dos franceses é a central nuclear de Cattenom, a apenas uma hora de carro da capital luxemburguesa. Em atividade desde 1986, ano do acidente nuclear de Chernobyl, esta central já foi palco de dois incêndios e põe as mãos do governo do Luxemburgo a tremer. Também a central nuclear de Bugey, a 70 quilómetros de Genebra, esteve no epicentro de uma polémica quando os ativistas da Greenpeace invadiram a infraestrutura e mostraram falhas de segurança comprometedoras.

Bielorrússia e Rússia vs. Lituânia

A central nuclear de Astravets fica a 23 quilómetros da fronteira com a Lituânia, que apelidou essa infraestrutura de “crematório” por não estar de acordo com as diretivas de proteção ambiental de Aarhus e Espoo. A Bielorrússia diz que a central nuclear tem o selo da Agência Internacional de Energia Atómica. E que os bielorrussos não iriam construir uma central que pudesse levar a um desastre como o de Chernobyl.

Ora, a central de Astravets dispõe de tecnologia desenvolvida na Rússia, outra preocupação da Lituânia. A central nuclear de Kaliningrado, em construção neste momento, desagradou aos lituanos, que dizem não ter sido abordados para estudar a localização das infraestruturas.