- O que descobriu o CERN?
- O que é a antimatéria?
- Como é que os cientistas conseguiram fazer esta experiência?
- Como sabemos que a antimatéria existe?
- Que papel está a ter o CERN no estudo da antimatéria?
- Como é que a antimatéria pode ser usada a nosso favor?
- Porque é que há mais matéria do que antimatéria no espaço?
- É verdade que estes conceitos rivalizam com a hipótese da existência de Deus?
Explicador
- O que descobriu o CERN?
- O que é a antimatéria?
- Como é que os cientistas conseguiram fazer esta experiência?
- Como sabemos que a antimatéria existe?
- Que papel está a ter o CERN no estudo da antimatéria?
- Como é que a antimatéria pode ser usada a nosso favor?
- Porque é que há mais matéria do que antimatéria no espaço?
- É verdade que estes conceitos rivalizam com a hipótese da existência de Deus?
Explicador
O que descobriu o CERN?
Pela primeira vez, e ao fim de vinte anos de experiências, os físicos do CERN conseguiram observar o espectro luminoso emitido por um átomo de anti-hidrogénio (elemento da antimatéria) em estado excitado (ou seja, num nível de energia não estável). Quando o compararam com o emitido por um átomo de hidrogénio em condições iguais, confirmaram aquilo que já tinha sido previsto pelas leis da física: ambos os espectros luminosos são precisamente iguais.
Foi também a primeira vez que mantivemos átomos de anti-hidrogénio durante o tempo suficiente para serem alvos de estudo. Até há bem pouco tempo, quando os conseguíamos criar em laboratório, eles destruíam-se em bilionésimos de segundo. Como os átomos de antimatéria são extremamente raros na natureza – só os podemos encontrar quando ocorre decaimento radioativo -, todas as esperanças de estudar melhor a antimatéria estavam depositadas no projeto ALPHA do CERN, que agora deu frutos.
De acordo com o relatório publicado na Nature, a equipa do projeto ALPHA conseguiu formar 25 mil átomos de anti-hidrogénio e conservar catorze deles para estudo. É um número quase doze vezes maior do que as experiências passadas. Foi assim que o CERN chegou a mais uma evidência de que “a antimatéria é um reflexo completo da matéria”, conforme explica Tim Tharp, membro da equipa.
O que é a antimatéria?
Da mesma maneira que a matéria é feita de partículas, a antimatéria é feita de antipartículas. Se a matéria e a antimatéria se reunirem, elas aniquilam-se originando fotões (partículas elementares que compõem a luz) dotados de níveis altíssimos de energia, pares de partículas e pares de antipartículas.
A matéria é feita de eletrões (carga negativa), protões (carga positiva) e neutrões (carga nula). A antimatéria é feita de positrões (ou antieletrões, com carga positiva), antiprotões (com carga negativa) e antineutrões (também eles com carga nula). Enquanto os iões da matéria formam átomos de matéria, os iões da antimatéria formam anti-átomos.
As partículas de antimatéria têm precisamente a mesma massa que as partículas de matéria, mas há certas características – como a carga elétrica – em que são opostas. Sabemos hoje que certas leis da física não se aplicam à antimatéria. O objetivo dos cientistas é descobrir porquê.
Como é que os cientistas conseguiram fazer esta experiência?
O que os cientistas do CERN fizeram foi direcionar um laser para o átomo de anti-hidrogénio e observar a sua transição. Para entender a experiência em si é preciso entender a arquitetura do átomo, que é composto por um núcleo de neutrões e protões (antineutrões e antiprotões no caso da antimatéria) em redor do qual giram os eletrões (positrões na antimatéria) como se fosse uma nuvem atraída para o núcleo. O que acontece dentro dessa nuvem é a resposta para a nossa pergunta.
Ora, a nuvem de eletrões – assim como as nuvens de positrões – são feitas por níveis de energia: os eletrões giram em torno do núcleo em níveis bem definidos, como se o átomo fosse uma casa e cada eletrão estivesse num andar dessa casa. No entanto, quando atingido por um feixe de energia eletromagnética, um átomo pode mudar de nível se a energia desse feixe for exatamente igual à diferença entre o nível de energia do seu lugar em estado estacionário e outro qualquer. Quando um eletrão vai de um nível de energia mais alto para um mais baixo ocorre emissão de um fotão e, portanto, de luz. Quando um eletrão vai de um nível de energia mais baixo para um mais alto ocorre absorção de um fotão e não é emitida luz.
A regra é exatamente igual para a antimatéria. Por isso, os cientistas fizeram incidir um laser num átomo de anti-hidrogénio com a quantidade necessária para que o positrão fosse de um nível de energia mais alto para um mais baixo (neste caso do nível 1s para o 2s) emitindo radiação eletromagnética. Foi então possível estudar o espetro luminoso do anti-hidrogénio e compará-lo ao espetro que resulta do mesmo processo num átomo de hidrogénio.
E isso coloca-nos outra pergunta: se a luz emitida pela matéria é igual à emitida pela antimatéria, será que toda a luz que recebemos na Terra é feita das mesmas partículas que nós?
Como sabemos que a antimatéria existe?
É preciso recuarmos até 30 de junho de 1905 para respondermos a esta pergunta, conta-nos Duarte Maia, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro com investigações em desenvolvimento no CERN. Foi nesse dia que Albert Einstein publicou no jornal Annalen der Physik um estudo intitulado “Sobre a Eletrodinâmica de Corpos em Movimento”. Estava apresentada pela primeira vez a Teoria da Relatividade Restrita, que explica a relação entre espaço e tempo, assim como entre massa e energia. Einstein estudou o conceito de energia quântica proposto por Max Planck e descreveu como é que a luz viaja pelo espaço através da famosa equação E = mc² , em que “c” é a velocidade da luz, uma constante no vácuo; “E” significa energia e “m” a massa.
O físico austríaco Victor Hess também entra na história. Entre 1911 e 1912 subiu várias vezes num balão de ar quente para medir os níveis de radiação na atmosfera e, assim, tentar descobrir se o Sol era a origem da radiação ionizante (aquela que tem capacidade para fazer com que os átomos ou moléculas ganhem ou percam eletrões, transformando-os em iões). Não estava a chegar a nenhuma conclusão até que, no dia 7 de abril de 1912, houve novidades: quando subiu aos 5300 metros de altitude num dia de eclipse total do Sol, Victor Hess registou finalmente uma diferença relativamente aos níveis de radiação sentidos em terra. Como o planeta não estava a receber raios solares, Victor Hess percebeu que a ionização registada na atmosfera só podia vir de um lugar muito mais longínquo que a nossa estrela. Estavam descobertos os raios cósmicos.
14 anos depois, mais notícias. A 27 de janeiro de 1926, Erwin Schrödinger e Werner Heisenberg propõem a Teoria Quântica, numa época em que os cientistas tentavam entender as aplicações dos conceitos de Planck nos átomos e seus constituintes. Os dois cientistas explicam assim, num estudo publicado na Wave Mechanics, como se movimentam as partículas. No entanto, a teoria não explica esses mesmos movimentos em partículas que se movem a uma velocidade semelhante à da luz.
É então que Paul Dirac, físico britânico, entra na História. A 2 de janeiro de 1928, o cientista apresentou uma equação que exprimia a relação entre a Teoria Quântica e a Teoria da Relatividade Restrita. Essa equação descrevia o movimento de um eletrão movendo-se a uma velocidade relativística (aquela que se verifica nas partículas cujos efeitos provocados pelo movimento resultam numa discrepância nos valores calculados, tendo e não tendo em conta a relatividade de Einstein).
Que discrepância era essa? O CERN explica: “Assim como a equação x² = 4 pode ter duas soluções possíveis [x = 2 ou x = -2], a equação apresentada por Dirac também tinha duas soluções”. O resultado da equação de Dirac pressupunha que uma das soluções era válida para um eletrão com carga positiva e a outra verificava-se nos eletrões com carga negativa.
Isto era novidade porque até este momento julgava-se que a energia de uma partícula devia sempre ser positiva. Paul Dirac vem contrariar a física tradicional, dizendo que para cada partícula há uma correspondente chamada antipartícula, que é exatamente igual mas com cargas elétricas contrárias. É então que surge o conceito de antimatéria e a possibilidade de haver estruturas espaciais feitas inteiramente de antipartículas.
Que papel está a ter o CERN no estudo da antimatéria?
A Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) é o maior laboratório de física de partículas do mundo e fica na fronteira entre França e Suíça.
Pé no acelerador de partículas! O que fazer com 600 milhões de colisões por segundo?
Em 1995, quarenta e um anos depois de ter nascido, foram criados os primeiros nove átomos de anti-hidrogénio. Os átomos de anti-hidrogénio são, na antimatéria, os correspondentes aos átomos de hidrogénio na matéria. Foram os primeiros (e únicos até agora) a serem criados porque são os átomos e anti-átomos mais simples da Natureza. O átomo de anti-hidrogénio é composto por um antiprotão no núcleo e por um positrão que gira em torno dele (nuvem eletrónica).
Parece uma tarefa simples para uma instituição com a dimensão do CERN, mas é uma experiência bastante complicada. Para encontrarem a “receita” de um átomo de anti-hidrogénio, os cientistas colocaram antiprotões a circular dentro do Low Energy Anti-Proton Ring (LEAR) para colidirem com átomos de um elemento pesado. Quando passa na vizinhança de um átomo com núcleo pesado, qualquer antiprotão pode formar um par eletrão-positrão. Se o acaso estiver a favor dos cientistas, o antiprotão pode unir-se ao positrão e criar assim um átomo de anti-hidrogénio.
O facto de o CERN ter criado átomos de anti-hidrogénio em laboratório poderia não significar muito: cada um deles existiu apenas durante 60 bilionésimos de segundo e viajou à velocidade da luz ao longo de dez metros antes de ser aniquilado. Os cientistas não tinham tempo de estudar as suas propriedades. Em 2011, o projeto ALPHA – criado em 2o05 para capturar os átomos de anti-hidrogénio com recurso a campos magnéticos durante o tempo suficiente para os estudar – deu finalmente frutos: foi possível manter os átomos de anti-hidrogénio durante mil segundos (quase 17 minutos).
Após ter sido possível controlar os átomos de anti-hidrogénio, foram postas duas análises em andamento: estudar a constante de aceleração gravítica dos átomos de anti-hidrogénio, e comparar o espetro eletromagnético desses átomos com os de hidrogénio.
Como é que a antimatéria pode ser usada a nosso favor?
Uma das aplicações mais interessantes da antimatéria é no campo da saúde, com a tomografia por emissão de positrões (PET scan). É uma técnica usada na medicina nuclear em exames que permitem criar imagens do interior do corpo humano. Essas imagens conseguem-se usando isótopos radioativos, ou seja, núcleos atómicos instáveis que se desintegram através de emissão de energia. A este fenómeno é dado o nome decaimento radioativo por desintegração positiva beta. Essa energia é emitida sob a forma de um positrão, o equivalente do eletrão mas com carga elétrica positiva.
Como a quantidade de energia resultante do aniquilamento da matéria e da antimatéria é estrondosa, os cientistas acreditam também que pode um dia ser usada como combustível em veículos espaciais. A energia libertada durante o aniquilamento pode chegar a ser dez vezes maior que a gerada nas reações químicas, três vezes superior à energia libertada durante os processos de fissão nuclear e duas vezes maior que a libertada durante os processos de fusão nuclear. Juntar 1 kg de matéria com 1 kg de antimatéria resultaria numa libertação de energia equivalente à explosão de 43 megatoneladas de TNT. Só que ainda não temos a tecnologia suficiente para controlar esta quantidade abismal de energia.
Esta ordem de energia podia ser usada para substituir os combustíveis tradicionais, mas ainda não conseguimos produzir antimatéria em quantidades suficientes para que este plano se torne viável. Além disso, há o outro lado da moeda: se usada de modo perverso, a energia pode ser usada para criar armas de destruição em massa.
Porque é que há mais matéria do que antimatéria no espaço?
Esta é uma pergunta ainda sem resposta.
A Teoria do Big Bang, segundo a qual o Universo nasceu a partir da expansão de um ponto muito quente e denso há quase 14 mil milhões de anos, postulava que a quantidade de matéria devia ser igual à quantidade de antimatéria. Mas algo parece contrariar as estatísticas: tudo o que já observámos, desde pequenos micróbios a estrelas gigantes, é composto por matéria. A antimatéria que conhecemos é rara quando comparada com a matéria.
Os cientistas não sabem explicar o que aconteceu para travar esse equilíbrio e gerar mais matéria que antimatéria. Em laboratório, os investigadores já conseguiram observar milhões de transformações espontâneas por segundo entre as partículas e as antipartículas correspondentes antes de se deteriorarem. Algo deve ter intervindo nesse processo pouco depois do Big Bang, permitindo que houvesse mais antimatéria a ser transformada em matéria do que o contrário.
A única certeza que temos é que só graças a esta assimetria é que o Universo existe. Durante as primeiras frações de segundo do Big Bang, o Universo era basicamente feito de pares de partículas e antipartículas que se formavam e destruíam constantemente. Caso houvesse a mesma quantidade de matéria e antimatéria, elas aniquilavam-se e o Universo seria feito apenas de energia.
É verdade que estes conceitos rivalizam com a hipótese da existência de Deus?
Alguns meios de comunicação social escreveram que as últimas notícias sobre a antimatéria contrariam a existência de Deus. Para Carlos Fiolhais, físico teórico, essa é uma afirmação que não pode ser feita.
Já lá vai o tempo em que ciência e religião eram interpretadas como rivais. Isso aconteceu nos tempos de Galileu Galilei, o cientista católico que contrariou a Igreja dizendo quer era o Sol e não a Terra que ocupava o centro do Universo. Embora estivesse errado (mas mais perto da realidade), a Igreja Católica interpretou esta teoria como uma afronta: como podia alguém desviar a obra do Senhor do centro do mundo? Galileu foi obrigado a retirar as suas palavras após uma pesada perseguição da Igreja a que ele próprio pertencia. Numa carta a uma nobre de Florença, escreveu que “o Espírito Santo não ensina como é o céu, mas sim como chegar ao céu”. São precisos 400 anos para que um papa, João Paulo II, admita o erro cometido à época.
Mais recentemente, Gianfranco Ravasi escreveu que “Galileu cientista estava tão certo como Galileu teólogo”, cuja fé não foi abalada nem pelas descobertas científicas, nem pelo sofrimento de que foi alvo.
Na atualidade, ciência e religião estão perfeitamente separadas, por isso as descobertas científicas não contrariam nem validam a fé e vice-versa. Prova disso está em Georges-Henri Édouard Lemaître, o padre que propôs a Teoria do Big Bang para explicar a formação do Universo. Dizia ele que o facto de ser um homem da Igreja “não prejudica nem favorece” o seu trabalho enquanto cientista: “Quando estou na Igreja não me pronuncio sobre assuntos da ciência e quando estou no laboratório não me pronuncio sobre assuntos da religião”, explicou ele quando o Papa XI comentou que o Big Bang confirmava a Criação do Mundo contada pela Igreja. Georges Lemaître foi mais cuidadoso: uma coisa não invalida nem confirma a outra, porque ciência e religião são mundos separados. Por isso é que há cientistas crentes – Albert Einstein considerava que Deus era a “harmonia do universo”, outros sem uma opinião formada, alguns descrentes – Hawing recusa veementemente a existência de Deus – ou padres cientistas.