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O que é o CERN?

CERN é o acrónimo francês para Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (Conselho Europeu de Pesquisa Nuclear) – agora também conhecido como Laboratório Europeu de Física de Partículas. Atualmente tem o maior acelerador de partículas do mundo, o Large Hadron Collider (LHC), uma estrutura circular com 27 quilómetros de perímetro.

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Na altura em que foi fundado, no início dos anos 1950, o objetivo era estudar a composição do átomo e respetivo núcleo, daí o nuclear. Pensava-se que o átomo era a unidade mais pequena da matéria, mas depois descobriu-se que este ainda se podia dividir em partes mais pequenas, as partículas fundamentais – os “tijolos” que compõem toda a matéria.

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Os protões, que estão nos núcleos dos átomos, são compostos por partículas fundamentais e o próprio eletrão, que orbita à volta do núcleo, é uma partícula fundamental. O estudo da colisão destas partículas, quando viajam com uma grande energia, pode ajudar a perceber o universo, a sua origem e que mudanças estão a acontecer no presente.

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Porque foi criada esta organização multinacional?

A Europa, nas suas várias componentes sociais e económicas, ficou fragilizada depois da II Guerra Mundial. A atividade científica, rica no período anterior à guerra, não foi exceção.

Em 1949, por iniciativa de alguns investigadores, incluindo Niels Bohr – prémio Nobel da Física 1922 -, foram lançadas as fundações daquilo que viria a ser o CERN. Em 1952 criou-se um conselho provisório, que decidiu que seria construído em Genebra (Suíça). E dois anos depois, a 29 de setembro de 1954, fundava-se o maior laboratório de física nuclear com 12 Estados-membros.

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A convenção para a criação do CERN foi assinada por 12 países na sexta reunião do conselho criado com esse objetivo – CERN (http://timeline.web.cern.ch/timelines/the-history-of-cern)

O objetivo era não só juntar os melhores cientistas de física nuclear da Europa, mas também partilhar os custos de uma investigação que se tornava cada vez mais dispendiosa. Neste momento, o CERN é muito mais do que um laboratório europeu: mais de 600 instituições e universidades de todo o mundo usam as instalações e a tecnologia de ponta desta organização.

E, entre os 21 membros atuais do CERN está Israel (desde 2014) – um desejo manifestado pelo anterior diretor geral, Rolf Heuer, como confirmou numa entrevista ao Observador. Portugal é membro desde 1985 e, como todos os restantes membros, contribui com uma cota anual baseada no produto interno bruto do país.

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Para ver a infografia interativa aqui.

Mais sobre a história do CERN aqui.

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O que é o LHC?

O LHC (Large Hadron Collider), com 27 quilómetros de perímetro, é o maior acelerador de partículas do mundo (neste caso hadrões). Pelo menos, por enquanto. A China planeia construir um acelerador de partículas com o dobro do tamanho até 2025. Ainda assim, o LHC é apenas um dos elementos da cadeia de máquinas que fazem as partículas acelerar com energias cada vez maiores.

Os hadrões, como os protões, neutrões ou iões, são partículas compostas por quarks. Por oposição, os leptões, como os eletrões e muões, não são compostos por quarks.

Este acelerador começou a ser pensado nos anos 1980, ainda antes do seu antecessor, o LEP (Large Electron Positron Collider), ter entrado em funcionamento. A sua construção foi aprovada em 1994 e o aparelho foi ligado pela primeira vez em 2008. O LHC ocupa o mesmo túnel onde outrora esteve o LEP, que cessou atividade no ano 2000. O LEP fazia colidir eletrões (uma partícula fundamental com carga negativa) e positrões (a antipartícula do eletrão, logo com carga positiva).

Quando em funcionamento, o LHC é percorrido por dois feixes de protões (ou de iões, se for esse o objetivo) em sentidos opostos. Na primeira temporada de experiências, que decorreu entre 2009 e 2013, cada feixe era acelerado a cerca de quatro teraeletrãovolt (TeV), mas a temporada iniciada em 2015 pretendia que as partículas fossem aceleradas com uma energia maior para se conseguirem novos resultados. A vantagem dos hadrões, em relação aos eletrões usados no LEP, é perderem muito menos energia a cada volta no acelerador.

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Os feixes de protões circulam, na segunda temporada, a cerca de 6,5 teraeletrãovolt (TeV) cada, logo, quando colidem, a energia resultante é a soma das duas: 13 TeV (no caso dos iões pode chegar aos 1.150 TeV, porque têm vários protões no núcleo). Mais, antes da colisão, as partículas viajam quase à velocidade da luz no vácuo. A aceleração resulta do forte campo magnético criado pelos supercondutores eletromagnéticos e mantém-se porque os feixes de partículas viajam num vácuo criado dentro dos tubos do acelerador. Depois de 10 horas a circular no LHC, o feixe percorre cerca de 10 mil milhões de quilómetros (como se fosse a Neptuno e voltasse) e é descartado.

Esta supercondutividade é conseguida pelas temperaturas extremamente baixas: ‑271.3°C. Ainda mais frio do que o espaço sideral.

O que é um eletrãovolt? É a energia de um eletrão acelerado por uma diferença de potencial de um volt (e um teraeletrãovolt corresponde a um bilião de vezes essa energia), mas também serve para definir a energia do protão. Vejamos um exemplo, uma pilha com uma diferença de potencial de 1,5 volt acelera um eletrão a 1,5 eletrãovolt. Logo, se comparássemos o LHC a uma pilha gigante com uma diferença de potencial de 6,5 teravolt, os eletrões seriam acelerados a 6,5 biliões de eletrãovolt (teraeletrãovolt).

Mas o caso do LHC é um pouco diferente: como é circular, é o equivalente a acelerar várias vezes com a mesma pilha. Os feixes entram no LHC com uma energia de 450 gigaeletrãovolt, mas quinze minutos depois, contando mais de 11 mil voltas em cada segundo – qualquer coisa como 9,9 milhões de voltas no total -, os protões chegam aos 6,5 TeV.

Um guia sobre o LHC diz que as energias no acelerador não são assim tão impressionantes: “Um TeV equivale à energia de um mosquito em voo”. Mas no LHC, essa energia, está confinada num “espaço que é um bilião de vezes mais pequeno que um mosquito”.

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O que são partículas fundamentais?

As partículas fundamentais são as unidades mais pequenas da matéria (e da antimatéria). Num átomo, o eletrão é uma partícula fundamental, porque não se conhece nenhuma parte mais pequena na qual se possa dividir, mas o protão existente no núcleo é uma partícula complexa composta por partículas elementares: três quarks e muitos gluões.

Representação de um átomo, com o núcleo composto de protões e neutrões e com os eletrões a orbitar o núcleo. Em pormenor: o protão composto por dois quark up (u), um quark (d) e gluões (que mantêm os quarks unidos) - Andreia Reisinho Costa/Observador

Representação de um átomo, com o núcleo composto de protões e neutrões e com os eletrões a orbitar o núcleo. Em pormenor: o protão composto por dois quark up (u), um quark (d) e gluões (que mantêm os quarks unidos) – Andreia Reisinho Costa/Observador

Se quer ter uma ideia dos tamanhos reais destas partícula, o CERN propõe uma comparação: se os protões e os neutrões tivessem dez centímetros de diâmetro, os quarks e eletrões teriam menos de 0,1 milímetros, mas o átomo chegaria aos dez quilómetros de diâmetro no total.

O conhecimento reunido até ao momento – a demonstração das partículas, das respetivas propriedades e das forças que se estabelecem entre elas – tem servido para confirmar o Modelo Padrão da Física. Um dos momentos-chave da demonstração deste modelo foi a confirmação da existência de uma partícula que correspondia à descrição do bosão de Higgs, em 2012, conforme havia sido proposto por vários físicos teóricos nos anos 1960, como Peter Higgs, Francois Englert e Robert Brout. Esta descoberta valeu aos dois primeiros (o terceiro tinha falecido) o prémio Nobel da Física em 2013.

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No Modelo Padrão podem ser incluídas como partículas fundamentais: quarks, leptões, partículas de força (force carriers) e o bosão de Higgs. Os protões são constituídos por dois quarks up e um quark down e os neutrões por dois quark down e um quark up. E são os gluões que os mantêm todos os quarks nestas partículas ligados. A força forte condicionada pelos gluões permite manter os quarks juntos dentro dos protões ou dos neutrões, mas também os protões e neutrões juntos no núcleo.

As partículas de força também são responsáveis pela força fraca (intermediada por bosões, como o bosão W e o bosão Z), pela força da gravidade (mediada por gravitões) e pela força eletromagnética (da responsabilidade dos fotões). É a força eletromagnética que segura os eletrões ao núcleo ou vários átomos na mesma molécula. É graças a esta força que sólidos, líquidos e gases têm as propriedades que lhe são características.

Outras teorias têm surgido para tentar explicar o universo e as interações entre as partículas que o compõem, mas o Modelo Padrão continua a ser a melhor explicação e os resultados reunidos até ao momento têm validado esta teoria. Os investigadores esperam que nesta segunda temporada do LHC, com energias mais altas, seja possível obter novas respostas, como encontrar as partículas responsáveis pela matéria escura e energia escura. Se não, vão ter de esperar por um acelerador maior, que leve os protões (ou outras partículas) a colidirem com energias mais altas.

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Porque é tão importante o bosão de Higgs?

Encontrar uma partícula que correspondesse à descrição do bosão de Higgs poderia demonstrar a existência do campo de Higgs e, esse sim, é o fenómeno que se pretendia confirmar experimentalmente desde os anos 1960.

https://twitter.com/senatormurray/status/220538245090508801

É tudo uma questão de massa. O eletrão é uma das partículas fundamentais com menor massa (cerca de 0,0000000000000000000000000009 gramas). No extremo oposto, com uma massa 350 mil vezes maior que a do eletrão, está o quark top. Se todas as partículas surgiram logo após o Big Bang porque é que têm massas tão diferentes? O responsável parece ser o campo de Higgs.

O campo de Higgs é um campo energético que enche todo o universo, como a água que enche todos os oceanos. Se não existisse, todas as partículas teriam a mesma massa. Ou melhor, massa nenhuma. E se as partículas não tivessem massa não conseguiam manter-se coesas, como num protão. Sem protões não existiriam átomos, logo não existiria matéria, nem planetas, nem nós.

Os fotões, por exemplo, não têm massa e não interagem com o campo de Higgs, mas as partículas que interagem com este campo têm massa, que será tanto maior quanto maiores as interações. Mas o campo de Higgs não se consegue ver nem medir, por isso os investigadores tiveram de procurar pelo bosão de Higgs, que é uma manifestação do campo com o mesmo nome.

Se o campo de Higgs fosse a água de um lago, uma excitação desse campo (vulgo uma pedra atirada ao lago), faria com que uma parte dessa água saltasse. Essa parte de água “entornada” é o bosão de Higgs.

Em 1964, François Englert e Robert Brout, Peter Higgs (a solo), mas também Gerald Guralnik, C. Richard Hagen e Tom Kibble, descreveram, em três artigos diferentes na mesma revista científica – Physical Review Letters -, o que mais tarde viria a ser a justificação para que as partículas tivessem massa – a existência do campo de Higgs. Mais de 50 anos depois, em 2012, duas equipas de cientistas do CERN anunciaram ter encontrado uma partícula que correspondia à descrição do bosão de Higgs. A descoberta só foi possível graças à existência do LHC. Quando foi criado, esperava-se que a energia alcançada nas colisões pudesse criar partículas deste tipo. E assim foi.

A espera foi tão longa que Leon Lederman, prémio Nobel da Física 1988, decidiu escrever sobre isso. O livro deveria ter-se chamado “The Goddamn Particle” (“A Maldita Partícula”), mas o editor não gostou da ideia e acabou por ficar “The God Particle” (“A Partícula de Deus”) – uma designação que cientistas e crentes desaprovam.

Em 2012, a equipa de ATLAS e de CMS juntaram-se para apresentar os resultados sobre o bosão de Higgs. Em 2015, a colaboração entre os investigadores de CMS e de LHCb permitiu fazer o maior anúncio a seguir à descoberta do bosão de Higgs: o decaimento do mesão Bs em dois muões (ver mais aqui). Com a segunda temporada, que se iniciou em 2015, os cientistas esperam encontrar mais dados que confirmem, refutem ou encontrem alternativas para o Modelo Padrão da Física.

Encontrar o bosão de Higgs foi um grande marco na Física de Partículas, mas não foi o fim de uma busca, foi apenas uma etapa. Para começar, vão continuar a recolher-se dados de partículas que se assemelhem ao bosão de Higgs para ter a certeza de que foi esta partícula que se encontrou e que motivou o anúncio de 2012. Depois é preciso confirmar se o bosão de Higgs encaixa realmente no Modelo Padrão da Física ou se ficaria melhor numa outra teoria. E até se existe apenas um bosão de Higgs ou vários.

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Como acontecem as colisões no LHC?

No LHC, um dos feixes viaja no sentido dos ponteiros do relógio, o outro no sentido oposto, e cruzam-se em quatro pontos específicos, onde se dão as colisões. À medida que o feixe viaja no acelerador, não só vai aumentando a energia como vai fazendo com que os protões que os compõe fiquem mais compactados – só assim haverá colisões interessantes.

Se atirasse um berlinde num jogo de bowling a probabilidade de acertar nos pinos (ou de derrubar algum) seria muito pequena. Mais sucesso haveria se muitos berlindes se juntassem numa espécie de bola de bowling. O protão é como o berlinde e a bola de bowling um dos “cachos de protões”.

A probabilidade de um protão isolado chocar com outro é mínima, mas se os protões estiverem agrupados num “cacho de protões” a probabilidade será maior. Estes “cachos de protões” fazem com que o feixe se assemelhe às contas de um rosário – um grande rosário com 2.808 contas. Quando os “cachos” se encontram e os protões colidem originam-se novas partículas, como fotões, eletrões ou muões, e liberta-se energia. Estes acontecimentos ficam registados nos detetores existentes nos pontos de colisão.

  • Cada “cacho de protões” mede cerca de um milímetro de largura e uns poucos centímetros de comprimentos, quando estão longe dos pontos de colisão;
  • Próximo dos pontos de colisão os “cachos” são ainda mais compactados: até aos 16 micrómetros, menos de um terço do tamanho de um cabelo (50 micrómetros);
  • Existem 110 mil milhões de protões em cada “cacho” que ainda não tenha sido sujeito a nenhuma colisão;
  • Quando os feixes se cruzam, só 20 em cada 200 mil milhões de partículas vão colidir;
  • Os pontos de colisão são atravessados por cada “cacho” 40 milhões de vezes por segundo;
  • Os “cachos” distam uns dos outros cerca de sete metros.

Em cada uma das 600 milhões de colisões por segundo pretende-se contar todas as partículas formadas, caracterizá-las (carga, massa, velocidade e energia) e identificar o percurso que fazem depois da colisão. Para registar estes dados existem sete experiências nos pontos onde os feixes se cruzam – ALICE, ATLAS, CMS, LHCb, LHCf, TOTEM e MoEDAL -, cada uma delas com um objetivo específico de investigação.

Estas experiências são compostas por equipas multinacionais, baseadas em parcerias entre instituições de várias partes do mundo. Portugal está representado em algumas destas experiências com investigadores do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) e de outras instituições internacionais.

 

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Qual o objetivo de cada uma das experiências do LHC?

São sete as principais experiências (ou colaborações) no LHC: ALICE, ATLAS, CMS, LHCb, LHCf, TOTEM e MoEDAL. Estas experiências têm como objetivo detetar, registar e analisar as partículas fundamentais formadas depois das colisões dos “cachos de protões”. Para isso, cada experiência tem um detetor (ou mais) especialmente desenhado para registar as características das partículas como carga, massa, velocidade ou energia.

ATLAS e CMS são as experiências maiores e com os objetivos mais genéricos, desde encontrar dimensões extra a procurar partículas, como o bosão de Higgs ou as partículas da matéria escura. Os detetores assemelham-se a barris fechados nos topos para evitar que alguma partícula se escape sem ser detetada.

Modelo do detetor de ATLAS em Lego, criado por Sascha Mehlhase. O formato em cilindro é partilhado com o detetor de CMS - ATLAS/CERN

Modelo do detetor de ATLAS em Lego, criado por Sascha Mehlhase. O formato em cilindro é partilhado com o detetor de CMS – ATLAS/CERN

ALICE tem um detetor especializado nas colisões de iões de chumbo, que podem circular no LHC em vez dos protões de hidrogénio. O objetivo é estudar plasmas de quarks e gluões, um estado da matéria que provavelmente só existiu depois do Big Bang, antes de se formarem os primeiros protões e neutrões. Com os resultados destas experiências, os cientistas esperam poder explicar, por exemplo, porque é que os protões – constituídos por três quarks e gluões – têm 100 vezes mais massa que os quarks.

LHCb dedica-se especificamente a estudar a assimetria entre a quantidade de matéria e de antimatéria. Como? Estudando os milhares de milhões de quarks beauty e anti-quarks beauty (partículas e antipartículas que já não existem no universo), que se formam no interior no LHCb [ver mais: O que é a antimatéria?]. Como as partículas de interesse viajam próximo dos feixes de protões, o detetor não precisa de ser um cilindro fechado como o de ATLAS ou CMS.

O detetor de LHCb não precisa de ter o formato de um barril, como o de ATLAS e CMS, porque as partículas (e antipartículas) que estuda viajam próximas dos feixes originais - Richard Jacobsson/CERN

O detetor de LHCb não precisa de ter o formato de um barril, como o de ATLAS e CMS, porque as partículas (e antipartículas) que estuda viajam próximas dos feixes originais – Richard Jacobsson/CERN

TOTEM e LHCf são as experiências mais pequenas e estudam os protões e iões pesados que “raspam” uns nos outros, em vez de colidirem de frente. O TOTEM encontra-se antes e depois de CMS e LHCf a 140 metros de cada lado de ATLAS.

MoEDAL está localizado próximo de LHCb à procura de uma partícula que ainda não se tem a certeza que exista: o monopolo magnético.

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O que se faz com uma quantidade tão grande de dados?

Os feixes de protões (ou iões pesados) circulam em direções opostas para que, quando colocados frente-a-frente, possam ocorrer as colisões. Estas colisões acontecem nos locais onde possam ser registadas: dentro dos detetores das experiências ALICE, ATLAS, CMS, LHCb. As experiências podem ter objetivos específicos, mas o objetivo geral é detetar e caracterizar as partículas formadas durante as colisões.

As partículas formadas durante as colisões seguiriam, normalmente, linhas retas à medida que se afastam do ponto de colisão, mas a presença de um campo eletromagnético, provocado por magnetos colocados à volta do detetor, faz com que as partículas desviem a trajetória consoante a carga que possuam – positiva ou negativa. As partículas que não tenham carga não vão ser afetadas por este campo.

Sectional view of the CMS detector. The LHC beams travel in opposite directions along the central axis of the CMS cylinder colliding in the middle of the CMS detector.

Ilustração do detetor de CMS com os vários subdetetores (trackers, calorímetros e câmaras de muões) – CMS/CERN

Do ponto de colisão ao ponto do detetor onde ficam retiradas, as partículas definem uma determinada rota que fica registada nos dados recolhidos pelas experiências. A forma como a partícula curva nessa trajetória permite determinar a velocidade da partícula (sabendo a massa da partícula). Para a mesma massa, as partículas com maior velocidade viajam quase em linha reta, as que têm um valor muito baixo descrevem espirais apertadas, refere o CERN.

O percurso da partícula, ou pelo menos os impulsos elétricos que permitem reconstruir o percurso, ficam registados no subdetetor mais interno – tracker. Depois vem o calorímetro, um subdetetor com capacidade para parar completamente as partículas ou absorver a energia que tenham. Os calorímetros são capazes de bloquear quase todas as partículas com exceção dos muões e neutrinos – os calorímetros eletromagnéticos para eletrões e fotões, os calorímetros hadrónicos para detetar as partículas compostas de quarks [Veja como as diferentes partículas são repartidas pelos diferentes subdetetores aqui].

A viagem dos muões é captada em subdetetores específicos e mais exteriores no detetor. Estas câmaras de muões são tubos cheios de gás com o qual os muões interagem. Já os neutrinos não ficam retidos, nem registados. A sua presença só é identificada porque é a única forma de justificar a aparente falta de uma parcela de energia.

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Que viagem fazem os dados desde a colisão aos centros de computação em todo o mundo (15/04/2013) – © 2013-2016 CERN

Com cerca de 600 milhões de colisões por segundo, os detetores não conseguem guardar todos os registos. Um sistema chamado trigger permite escolher apenas os eventos mais interessantes – neste caso, cerca de 100 mil eventos por segundo. Também se escolhem alguns eventos ao acaso, para precaver que não se perde informação que possa ser interessante. Com cada “cacho de protões” a uma distância de 25 nanosegundos do “cacho” seguinte, o trigger tem de conseguir fazer um trabalho rápido e preciso para não misturar colisões diferentes. Numa segunda fase, são selecionados apenas 100 ou 200 eventos por segundo.

  • Com a tecnologia dos anos 1960, para processar os dados do LHC que existem hoje em dia, seriam precisos de 13 mil milhões de anos – a idade do universo;
  • Com a tecnologia dos anos 1970, para processar um ano de dados, seriam precisos 65 milhões de anos. “Devíamos ter começado na altura da extinção dos dinossauros.”;
  • Com a tecnologia dos anos 1980, só precisávamos de uns milhões de anos, mais ou menos desde o princípio da humanidade. Com a dos anos 1990, uns milhares de anos, e com a dos anos 2000, umas dezenas de anos;
  • Atualmente, para processar um ano de dados é preciso um ano.

O número de colisões por segundo foi uma grande mudança em relação à primeira temporada do LHC. O detetor LHCb, por exemplo, em 20 milhões de colisões de protões por segundo, registava apenas duas mil. O trigger analisava as colisões e fazia a seleção em quatro milionésimos de segundo e mesmo assim eram armazenados dados suficientes para encher 300 CD em cada hora. E isto só num detetor. Os dados recolhidos pelo CERN, na primeira temporada, se tivessem sido guardados em CD, fariam uma pilha de 20 quilómetros de altura todos os anos.

Durante a primeira temporada, armazenava-se um gigabyte de dados por segundo, com picos ocasionais de seis gigabytes por segundo, refere o CERN. Na segunda temporada, o normal é armazenar seis gigabytes por segundo com picos que podem chegar aos 10 gigabytes por segundo (o equivalente a dois DVD cheios num segundo).

Tipos de cassetes onde os dados eram armazenados (imagem recolhida numa exposição no CERN Data Centre) - Observador

Tipos de cassetes onde os dados eram armazenados (imagem recolhida numa exposição no CERN Data Centre) – Observador

Para a segunda temporada, o Centro de Dados no CERN, em Meyrin (Suíça), tem uma capacidade de armazenamento de 100 petabytes, só em “cassetes”. Este suporte é mais robusto e permite preservar a informação durante mais tempo. Ainda assim, todos os dados existem em duplicado.

Não existem infraestruturas no CERN que permitam analisar todos os dados que são produzidos, por isso foi criada uma rede mundial que permite distribuir os dados por muitas instituições e investigadores – a Worldwide LHC Computing Grid. O Centro de Dados do CERN (CERN Data Centre) continua a ser o nível zero (Tier 0) – com uma extensão em Budapest -, mas representa menos de 20% da capacidade total de computação. No nível seguinte, Tier 1, existem 15 centros de computação e é suficientemente grande para armazenar todos os dados do LHC. No Tier 2 estão cerca de 155 universidades e instituições científicas. E, no último nível – o Tier 3 -, estão os computadores dos cientistas que vão analisar esses dados.

Esta rede de computadores, que começou a ser criada em 2002, só foi possível graças à invenção da World Wide Web (WWW), em 1989, por Tim Berners-Lee. Uma invenção nascida no próprio CERN com o objetivo de que os cientistas em todo o mundo pudessem facilmente trocar informação entre eles.

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O que é matéria escura e energia escura?

A primeira pista de que poderia existir matéria escura no universo terá surgido em 1933, era a única forma de justificar determinados cálculos e observações astronómicas. A matéria que se conseguia ver e medir nas galáxias não era suficiente para justificar que as galáxias conseguissem girar com tanta velocidade ou mesmo assim manterem-se coesas. Assim, previu-se que existisse matéria não-visível – a matéria escura – que desse à galáxia uma massa adicional e justificasse a força gravitacional observada.

É difícil descobrir onde possa estar a matéria escura porque esta não interage com a força eletromagnética, ou seja, não absorve, reflete ou emite luz. Na verdade, os cientistas só conseguem perceber que pode existir pela força gravitacional que exerce sobre a matéria (visível).

Outro fenómeno difícil de explicar é a velocidade de expansão do universo. Desde o Big Bang que o universo se tem expandido, mas os cientistas verificaram que está a fazê-lo a uma velocidade maior do que seria expectável. Uma das teorias é que esteja a ser “puxado” por uma energia que o faça acelerar – a energia escura.

Os investigadores calculam que cerca de 27% do universo seja composto por matéria escura e 68% seja energia escura. A pequena percentagem que sobra é aquilo que conseguimos ver ou explicar. Mas até ao momento os cientistas ainda não conseguiram descobrir do que é feita a matéria escura ou a energia escura.

Descobrir novas partículas que façam parte da constituição da matéria escura é um dos grandes desafios da nova temporada do LHC. Ou de um acelerador ainda mais potente que se venha a construir no futuro.

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O que é a antimatéria?

Outro dos assuntos em que os cientistas do CERN trabalham é a antimatéria. Sobretudo, tentam perceber o que terá acontecido à antimatéria depois da formação do universo.

Depois do Big Bang, quando nasceram as partículas de matéria, também nasceram as antipartículas – partículas equivalentes, com a mesma massa, mas de carga oposta. Nos primeiros momentos depois da formação do universo a quantidade de matéria e antimatéria (formada pelas antipartículas) estava equilibrada, mas um segundo depois do Big Bang a antimatéria tinha praticamente desaparecido e grande parte da matéria também – sobrou apenas o suficiente para criar as estrelas, planetas e restantes astros do universo.

Como cada partícula tem uma antipartícula, as antipartículas poderiam formar antimatéria, que formaria antiplanetas e antiestrelas. Teoricamente é possível, mas ainda ninguém encontrou estes “mundos paralelos”. Aliás, é até difícil perceber como existe a matéria de que somos feitos. Se toda a partícula tem uma antipartícula e se a partícula e antipartículas juntas se aniquilam mutuamente, que fenómeno de “favoritismo” terá acontecido para que exista muito mais matéria do que antimatéria hoje em dia.

  • Seria possível usar antimatéria como combustível? Não. Não existe na natureza e os processos para a criar requerem mais energia do que aquela que poderia ser aproveitada.
  • Seria possível criar uma bomba de antimatéria como no livro “Anjos e Demónios”, de Dan Brown? Não. Ao ritmo atual seriam precisos dois mil milhões de anos para produzir antimatéria suficiente (um grama), que tivesse um poder destrutivo tão grande como o de uma bomba atómica.
  • Seria possível roubar antimatéria do CERN? Não. É muito difícil manter a antimatéria estável. Para roubar a antimatéria era preciso roubar as várias toneladas de equipamentos onde estava armazenada.

Durante as colisões no LHC pode haver formação de antipartículas e todos os detetores poderão registá-las, mas é a colaboração LHCb que está realmente focada neste tema: perceber a assimetria entre a formação (e manutenção) de matéria e antimatéria. Alguns cientistas no CERN conseguiram mesmo criar e aprisionar positrões e antiprotões, que combinaram para criar átomos de antihidrogénio e depois um feixe (ou será antifeixe?).

Quanto tempo demora a construir um detetor AMS?

Outra possibilidade é estudar as antipartículas no espaço, antes de entrarem na atmosfera terrestre, onde seriam aniquiladas. Para isso existe AMS (Alpha Magnetic Spectrometer), um detetor montado na Estação Espacial Internacional (e cuja sala de controlo está no CERN), que procura não só antimatéria, mas também matéria escura.

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O que é o LIP?

O Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) é um laboratório português dedicado ao estudo da física de partículas e de astropartículas, ao estudo de detetores gasosos de radiação, assim como à computação avançada da quantidade de dados que recebe das experiências em que colabora.

O LIP tem três delegações – Coimbra, Lisboa e Minho – e colabora, por exemplo, com instituições internacionais como o CERN, Agência Espacial Europeia (ESA) ou agência espacial norte-americana (NASA).

O CERN foi a primeira organização científica internacional de que Portugal se tornou membro. Um ano depois, em 1986, nascia o LIP, para “congregar e potenciar os esforços da então embrionária comunidade de físicos experimentais de partículas”, lê-se na página do instituto.

No CERN, os investigadores do LIP colaboram nas experiências ALTAS e CMS, ligadas ao LHC, mas também na experiência COMPASS.

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Para celebrar o 30º aniversário o LIP criou uma exposição sobre partículas fundamentais