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O que são as eleições intercalares americanas?

Os norte-americanos decidem esta terça-feira a composição do 114º Congresso norte-americano. Os resultados ditarão o futuro das linhas orientadores da política dos Estados Unidos: caso o Partido Republicano consiga reforçar o seu poder na Câmara dos Representantes (neste momento tem uma maioria de 234 membros contra 199 do Partido Democrata) e caso conquistem o Senado, que os Democratas (ainda) dominam, vão garantir o apoio de todo o Capitólio e, assim, reforçar a sua oposição ao presidente Barack Obama, já algo desgastado pela luta permanente com a Câmara dos Representantes – basta recordar o quão difícil foi aprovar o plano de saúde conhecido como Obamacare.

É preciso lembrar que os Estados Unidos da América são uma República Federal de tipo presidencialista, o que significa que o poder executivo está nas mãos do Presidente norte-americano, Barack Obama, no cargo desde 2009. No entanto, o poder legislativo é exercido pelo Congresso, divido em duas Câmaras (modelo bicameral): a Câmara dos Representantes e o Senado.

A Câmara dos Representantes, a câmara baixa do Congresso, é composta por 435 membros eleitos de acordo com a densidade populacional de cada estado – cada representante tem um mandato de dois anos.

O Senado, por sua vez, tem 100 representantes, com cada estado norte-americano a ter direito à eleição de dois senadores, independentemente da sua dimensão ou número de habitantes. A cada dois anos, nas eleições intercalares, a totalidade da Câmara dos Representantes e um terço do Senado (36 senadores) são submetidos ao escrutínio eleitoral.

O Congresso norte-americano assume especial importância porque é o único órgão eleito diretamente pelos cidadãos – na verdade, o Presidente é nomeado por um colégio eleitoral composto por 538 delegados, cuja representação é definida de acordo com o voto popular nas eleições presidenciais. Concretamente, os delegados eleitorais são escolhidos pelo candidato a presidente que vencer num determinado Estado, com o compromisso de depois votarem no seu candidato. O estado californiano, por exemplo, é o estado com mais peso no Colégio Eleitoral, com direito a 55 delegados. Caso atinja a maioria de 270 votos no Colégio, o candidato é eleito Presidente dos Estados Unidos, ainda que possa não ter sido o mais votado a nível nacional – em 2000, o democrata Al Gore perdeu para George W. Bush, nomeado pelo colégio eleitoral, apesar de ter tido mais votos populares.

Regressando às competências próprias do Congresso, este órgão é responsável, entre outras coisas, pela aprovação de projetos de lei (desde que seja essa a decisão da maioria dos congressistas nas duas câmaras), por fiscalizar o poder executivo e tem também o poder de declarar guerra.

A Câmara dos Representantes e o Senado, apesar de partilharem várias funções, têm algumas competências exclusivas. Por exemplo, cabe à Câmara pronunciar-se sobre matérias e leis respeitantes à despesa pública, além de poder iniciar o processo impugnação de mandato (impeachment) de qualquer representante político, inclusivamente o presidente.

O Senado, por sua vez, é o único que pode aprovar ou rejeitar tratados internacionais – tem, por isso, um papel importante.  Pode, também, rejeitar nomeações presidenciais e decidir sobre os processos de impugnação iniciados pela câmara baixa.

O equilíbrio de poderes entre o Congresso e a Casa Branca é essencial para o sucesso de Barack Obama nos seus dois últimos anos de mandato, especialmente nos momentos de crise – como se verifica na guerra contra o Estado Islâmico e na ameaça do ébola.

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Quais são os estados mais importantes que estão em disputa? / Quem vai ganhar?

O site FiveThirtyEight, especializado na elaboração de probabilidades resultantes das sondagens feitas em todo o país, indica que os republicanos têm uma possibilidade de 76,2% de conquistar a maioria no senado e de elevar para 53 o número de representantes na câmara alta do Congresso. Todavia, de acordo com as últimas sondagens da CNN, em alguns estados, como a Carolina do Norte e o Iowa, a corrida para o Senado e para a Câmara dos Representantes, bem como a eleição de governadores destes estados, vai ser até ao último segundo. Os resultados serão decisivos para o controlo do Congresso norte-americano.

Nos últimos 30 anos os democratas têm conseguido eleger o seu senador por Iowa, um estado localizado no centro-oeste dos Estados Unidos e composto por uma grande maioria de cidadãos de etnia branca. Todavia, o candidato republicano, Joni Ernst, veterano de guerra no Iraque, está na frente com 49% das intenções de voto. Esta tendência pode dever-se a uma campanha algo conturbada do candidato democrata, Bruce Braley, que terá inclusivamente insultado o senador republicano Chuck Grassley, acusando-o de ser “um agricultor de Iowa que nunca frequentou uma faculdade de direito”. No estado que é o maior produtor de soja e etanol do país estas declarações podem ter sido um tiro no pé do democrata. Por outro lado, a postura ultra conservadora de Ernst pode custar-lhe alguns votos: o candidato republicano afirmou, durante a campanha, que a existência de um salário mínimo federal é “ridículo”.

Já na Carolina do Norte, na costa este do país, o senador democrata Kay Hagan está na frente nas sondagens, mas apenas por dois pontos percentuais. A campanha de Hagan foi marcada por uma atitude de afastamento em relação à política de Barack Obama, na expectativa de ganhar votos entre os mais conservadores. Thom Tillis, do Partido Republicano, é outro candidato.

No Kentucky a questão é de género: o senador republicano Mitch McConnell, no Senado há 30 anos, enfrenta a candidata democrata Alison Lundergan Grimes, apoiada por várias personalidades ligadas ao partido, como Bill Clinton. A democrata está a tentar conquistar votos entre as eleitoras, defendendo temas como a igualdade de salários entre homens e mulheres e patrocinando uma proposta de lei contra a violência dirigida ao género feminino (Violence Against Women Act).

No estado de Arkansasos democratas estão a tentar a todo custo reeleger o seu senador, Mark Pryor. Todavia, Pryor enfrentou grandes dificuldades para conter o republicano Tom Cotton que durante a campanha tentou capitalizar o profundo descontentamento do eleitorado em relação à prestação do executivo liderado por Barack Obama, nomeadamente em matérias como a saúde e a imigração.

Depois de ter liberalizado o uso recreativo e o comércio de marijuana, o Colorado vota a sua representação no Senado, numas eleições bastante divididas e marcadas, também, pelas críticas ao plano de saúde desenvolvido por Obama. A questão será perceber se o eleitorado vai valorizar a moderação do candidato democrata, o senador Mark Udall, que ao longo da campanha se tentou afastar da herança do presidente norte-americano, ou se vai castigar o Partido Democrata, elegendo o ultra conservador Cory Gardner, uma das “estrelas em ascensão” do Tea Party.

O estado de Virgínia está também debaixo do foco mediático depois de, pela primeira vez na história, o líder da maioria republicana na Casa dos Representantes, nomeadamente Eric Cantor, ter perdido as primárias do seu partido, impossibilitando-o de se recandidatar ao cargo. O candidato vencedor, David Brat, apoiado pela ala mais conservadora do Partido Republicano (o Tea Party), vai enfrentar o democrata Jack Trammell. O grande tema da campanha tem sido a questão da imigração, com Brat a assumir-se como um adepto fervoroso de políticas de controlo mais rígidas em relação à entrada de imigrantes no estado.

Alguns dos estados vão eleger, também, os seus governadores. O destaque vai para Wisconsin, o maior produtor nacional de queijo e manteiga do país, onde o cargo de governador pode mudar de mãos. O atual governador e candidato republicano, Scott Walker, assumido opositor do casamento entre pessoas do mesmo género, tem o seu lugar em risco, depois de, em 2011, ter retirado benefícios laborais aos sindicatos. Todavia, a candidata democrata Mary Burke, a primeira mulher a ser indicada para o cargo de governador naquele estado, não terá vida fácil num estado tradicionalmente conservador.

Poderão acontecer, também, algumas surpresas noutros estados como o Alaska, Louisiana, Georgia, Louisiana, Mississippi, Florida, Texas ou Arizona.

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Quais são os grandes temas em referendo hoje?

Para além das eleições para Governador e Senador, vários estados aproveitam para referendar algumas questões.

A legalização do consumo recreativo de marijuana vai ser referendada em três estados: Alaska, Oregon e Washington. Na Flórida os cidadãos vão votar se o uso medicinal da marijuana vai, ou não, ser permitido.

O caso do estado mais a norte dos Estados Unidos é o mais particular: através da decisão dos tribunais, o Alaska foi o primeiro estado a descriminalizar a marijuana (1975); depois, em 1998, os eleitores decidiram legalizar o consumo da marijuana para fins medicinais (1998). Todavia, os legisladores do estado, historicamente dominando pelo Partido Republicano, nunca criaram leis que enquadrassem as decisões do tribunal e dos eleitores e acabaram mesmo por proibir o consumo de marijuana em espaços públicos. A proposta que vai a referendo, além de legalizar a produção e a venda de marijuana, prevê que maiores de 21 possam ter até um grama de erva e criar até seis plantas em simultâneo. A nova lei prevê também uma taxa de 50 dólares (40 euros) por grama.

Os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) estarão também sob o olhar atento dos eleitores do Oregon e do Colorado: em causa está a necessidade de rotular de forma mais explícita os alimentos que contenham ingredientes geneticamente alterados.

No Oregon, por exemplo, uma das propostas referenciada prevê que cada alimento com ingredientes geneticamente alterados inclua as palavras “geneticamente modificado” na frente ou no verso do produto.

Nos estados do Colorado, Dakota do Norte e Tennessee vão ser votadas questões relacionadas com a interrupção voluntária da gravidez.

A proposta que vai ser discutida no estado da Dakota do Norte defende que a vida humana começa na altura da conceção. Caso a legislação seja aprovada nestes termos, o estado vai impor sérias restrições às mulheres que querem pôr termo à gravidez.

O salário mínimo será outro dos temas escrutinados. Os eleitores dos estados do Alaska, do Arkansas, do Nebraska e da Dakota do Sul vão decidir se o salário mínimo deve ou não ser aumentado para valores acima do mínimo definido pela lei federal.

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Qual é a candidata mais surpreendente destas eleições?

É a da ex-castradora de porcos Joni Ernst. Embora já tenha sido senadora, voltou a entrar na política quando o atual senador do Iowa anunciou em março que não se iria recandidatar. Desde aí tem sido imparável. A candidata tem feito questão de se valer do estatuto de pessoa simples para reforçar o apelo ao voto. Os vídeos de campanha têm-na apresentado como uma mulher dura, capaz de combater os políticos em Washington, conservadora e patriota quanto baste.

https://www.youtube.com/watch?v=p9Y24MFOfFU

Por ter combatido no Iraque, onde liderou um batalhão da Guarda Nacional, tem uma imagem forte que ajuda numa corrida para o senado. Muitos comentadores vêem-na como uma espécie de Sarah Palin do meio do país. E isso é um trunfo decisivo num Partido Republicano ainda à procura de rumo.

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De onde vêm os candidatos?

Um aspeto interessante desta corrida eleitoral é que vários dos nomes em disputa vêm de famílias com longa tradição na política americana. A senadora Landrieu, da Louisiana, teve um pai e um irmão como governadores de Nova Orleães. Mark Prior, que concorre no Arkansas, é filho de um senador. A família Udall concorre no Novo México e no Colorado. E ainda há um sobrinho de George W. Bush e um neto de Jimmy Carter.

Este é um fenómeno crescente na política americana. Aliás, entre 1980 e 2008 todas as eleições presidenciais tiveram como candidato um filho de senador ou de presidente.

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O que é a crise dos seis anos?

Existe uma ideia instalada na política americana relacionada com o segundo mandato presidencial. Essa ideia diz que as eleições intercalares do segundo mandato do presidente são, em regra, uma catástrofe eleitoral para o partido do Presidente eleito. De acordo com a PBS, os sete presidentes eleitos desde a Grande Depressão viram os seus partidos ser derrotados na eleição intercalar do segundo mandato. É este o cenário que Barak Obama enfrenta e que é confirmado por todas as sondagens.

 

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E será que esta eleição tem um efeito cascata?

A situação está de tal forma complicada para os democratas que vários analistas falam na possibilidade de um efeito cascata a nível nacional. Isto implicaria uma mudança muito determinada em favor dos republicanos, com fortes consequências para a representatividade dos democratas nas duas câmaras políticas dos Estados Unidos.

Os republicanos esperam ganhar pelo menos seis lugares no Senado de modo a tomar controlo da câmara, apostando depois em corridas a governadores em estados-chave como o Colorado, New Hampshire, Georgia e Florida. O Washington Post fez as contas e diz que basta aos republicanos ganhar New Hampshire para a noite entrar na lista das eleições com efeito cascata.

A esperança dos democratas é que a abstenção seja alta e permita manter as corridas mais dúbias do lado do partido do Presidente. As sondagens mostram um desinteresse ainda maior do que há quatro anos, pelo que este escrutínio pode mesmo bater um novo recorde abstencionista. E essa deverá ser a única variável que poderá salvar Obama da derrota.