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Como é composto o sistema remuneratório da administração pública?

O regime laboral dos trabalhadores em funções públicas é regido pela Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações (LVCR) – lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro. Nesse diploma estabelece-se um regime remuneratório que passou a ser composto por:
• Remuneração base (integra a remuneração de categoria e a de exercício);
• Suplementos remuneratórios;
• Prémios de desempenho.

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O que são os suplementos remuneratórios?

É tudo o que acresce à base do salário de cada trabalhador e é atribuído em função de particularidades específicas do seu trabalho.

Esta definição de suplementos salariais já aparece legislada desde 1989 (Decreto-Lei n.º 353-A/89), tendo sido reforçada em 2008 (Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro), com a aprovação dos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.

Os suplementos remuneratórios acrescem assim à remuneração base quando os trabalhadores sofram, no exercício das suas funções, condições de trabalho consideradas mais exigentes. Podem ser transitórios, se essas condições anormais surgirem excecionalmente (como os suplementos relativos ao trabalho extraordinário, trabalho noturno, trabalho aos domingos e feriados e trabalho fora do local habitual); ou permanentes, se as condições anómalas forem sistemáticas (como os trabalhos arriscados, por turnos ou em zonas periféricas).

São aplicados durante o período em que decorram essas condições de trabalho e enquanto o trabalhador estiver no exercício de funções.

Segundo um relatório do Ministério das Finanças com o levantamento de todos os suplementos na função pública, datado de dezembro de 2013, do total de 15 mil milhões de euros gastos anualmente em salários da administração pública, cerca de 5% – aproximadamente 700 milhões de euros – são relativos a suplementos remuneratórios. Registe-se que neste valor não estão contabilizados encargos de despesa de natureza diferente, como os relativos ao subsídio de refeição, que vale mais 520 milhões de euros por ano, ou às ajudas de custo.

De uma forma geral, os vários tipos de suplementos são criados e regulamentados por lei ou por acordo coletivo de trabalho e são, regra geral, atribuídos em montantes pecuniários (apesar de poderem excecionalmente ser fixados em percentagem da remuneração base mensal). Mas a existência de muitas carreiras não revistas ou com regimes especiais faz com que exista atualmente um elevado número de suplementos distintos.

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Quantos suplementos existem e de que tipo são?

Há 280 suplementos distintos, que se distribuem de forma variável consoante as 328 carreiras da administração pública, e consoante os ministérios – há ministérios com mais de 50 tipos de suplementos diferentes e há pelo menos 52 suplementos que foram criados para beneficiar apenas um a cinco trabalhadores.

Para as carreiras gerais, estão regulamentados suplementos que se enquadram em cinco tipos: trabalho noturno (trabalho que é realizado entre as 22h e as 7h do dia seguinte); trabalho por turnos (cujo montante varia em função do número de turnos, bem como do carácter permanente ou não do funcionamento do serviço); subsídio de transporte (quando o trabalho ocorre fora do local estipulado); suplemento de secretariado de direção (em 2011, o montante estabelecido para este suplemento era de 116,63€); e o suplemento de abono para falhas (para todos os trabalhadores que trabalham nas áreas de tesouraria ou cobrança, ou seja, que tenham responsabilidades no manuseamento e guarda de valores, títulos ou documentos – em 2011, o valor fixava-se nos 86,29€).

Para além disso, fora das carreiras gerais, nas carreiras especiais ou nas subcategorias do regime geral, multiplicam-se os tipos de suplementos. O relatório de dezembro da DGAEP, onde se fez o levantamento desses 280 suplementos diferentes, as forças armadas e as forças de segurança aparecem como as entidades do Estado com mais gastos neste tipo de subsídios, e o Ministério da Administração Interna como o ministério que tem o maior número de suplementos diferentes.

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Como surgiram tantos suplementos diferentes?

Pelo facto de haver muitas carreiras que não se enquadram nas carreiras gerais ou que não foram revistas ao abrigo da Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações (Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro), e que por isso não foram harmonizadas com o regime remuneratório da Administração Pública que entrou em vigor em 2009.

Além das carreiras gerais, há na Administração Pública as carreiras especiais, os corpos especiais, as subcategorias de regime geral, as subcategorias de regime especial, as subcategorias de corpos especiais e as carreiras não revistas, que estão de fora daquela regulamentação.

É precisamente nas carreiras especiais, assim como nas carreiras não revistas e nos cargos dirigentes, que se concentra a maior parte (61%) da despesa do Estado com suplementos remuneratórios.

Além disto, apesar de o decreto-lei n.º 353-A/89 indicar que o regime e as condições de atribuição dos suplementos são fixados mediante decreto-lei, ao longo dos anos foram criados suplementos e outros abonos através de regulamentos internos ou no âmbito da contratação coletiva, o que fez com que aumentassem os tipos de complementos remuneratórios.

Isto aconteceu por exemplo em 2004, nos institutos públicos, graças à própria lei (lei nº. 3/2004, de 15 de janeiro) originária da lei-quadro dos institutos, que não estabelecia limites nem regulava o conteúdo da matéria relativa aos suplementos salariais. Ou seja, a criação de suplementos não tinha de passar pelo crivo das Finanças.

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Quais são os suplementos onde o Estado gasta mais dinheiro?

Dos 700 milhões de euros anuais gastos pelo Estado em suplementos salariais, metade é gasto em apenas cinco suplementos (de um total de 280):

– Condição militar: o Ministério da Defesa gasta com este suplemento 120 milhões de euros anuais, ou seja, 17% da despesa do Estado;

– Suplemento especial de serviços das forças de segurança: o Ministério da Administração Interna gasta com este suplemento um total de 76 milhões de euros por ano (11% da despesa da administração pública);

– Fundo de Estabilização Tributária: Finanças gastam 58 milhões de euros anuais (8% do total gasto pelo Estado em suplementos);

– Subsídio de turno: é um suplemento transversal aos vários ministérios, que concentra uma despesa de 50 milhões de euros (7% dos gastos com suplementos);

– Abono de representação: um suplemento salarial recorrente no Ministério da Administração Interna, no Ministério da Defesa e no dos Negócios Estrangeiros, que reúne 6% do total gasto pelo Estado com complementos remuneratórios (40 milhões de euros).

Juntos, estes cinco suplementos concentram em si 49% da despesa com suplementos. Os restantes 275 subsídios salariais representam 51% da despesa e um gasto aproximado de 352 milhões de euros por ano.

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Quais são os ministérios que têm mais suplementos salariais?

O Ministério da Administração Interna (MAI) é o que tem mais suplementos diferentes: 53, sendo que 20 deles são exclusivos daquele ministério. É o que mais encargos tem com suplementos, representando 27% da despesa do Estado nesta rúbrica.

Segue-se o Ministério da Defesa Nacional (MDN), que é o que tem mais suplementos exclusivos: 22 de um total de 47 subsídios diferentes; e o segundo ministério que mais dinheiro gasta com estes complementos salariais.

O Ministério da Saúde reúne 49 tipos de suplementos diferentes (21 dos quais são exclusivos daquele ministério) e é o terceiro na lista dos ministérios que mais dinheiro gasta com suplementos, seguido das Finanças e da Justiça.

Juntos, estes cinco ministérios representam 86% da despesa da administração pública com suplementos, sendo que só MAI e o MDN já concentram mais de metade dessa despesa anual da administração central.

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Quais são as entidades e as carreiras da função pública que recebem mais suplementos?

As forças de segurança e as forças armadas são as entidades onde o Estado mais gasta em suplementos, seguidas da direção geral e dos institutos públicos – juntos, concentram 90% da despesa do Estado.

Dentro destas categorias, é a PSP quem reúne mais encargos com complementos salariais (representando 17% da despesa). Segue-se a Autoridade Tributária e Aduaneira, o Exército, a GNR e a Marinha. Juntas concentram mais de 54% dos encargos do Estado com subsídios salariais.

As carreiras que mais suplementos recebem, em termos de subsídio, são os oficiais e os sargentos das forças armadas, seguidos dos guardas da GNR, dos praças das forças armadas, dos médicos, dos diplomatas e dos guardas prisionais. Os oficiais e sargentos das forças armadas representam, em conjunto, mais de 15% da despesa total em suplementos. Os dados da secretaria de Estado da Administração Pública, no entanto, não discriminam em termos de número absoluto dos suplementos recebidos por cada ramo da função pública.

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Todos os funcionários públicos podem receber pelo menos um suplemento?

Sim. A função pública divide-se em 328 carreiras, e todas recebem no mínimo um suplemento.

Apenas 38% das carreiras recebem um, e só um, suplemento. Todas as outras recebem dois ou mais. 60% dos funcionários do Estado recebem mais do que um tipo de suplemento e quase um quarto (precisamente 77 carreiras) recebe cinco ou mais tipos de suplementos diferentes.

Isso não significa que todos os trabalhadores, individualmente considerados, recebam suplementos. Por exemplo, os docentes não recebem, por regra, qualquer suplemento, exceto se desempenharem funções de direção ou de coordenação.

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Por que é que o Governo quer criar uma Tabela Única de Suplementos?

O objetivo é “racionalizar” e extinguir os suplementos que são considerados desadequados da realidade, diz o Govern, que aprovou na quinta-feira, 19 de junho, em Conselho de Ministros, o diploma que estabelece as condições gerais para a criação desta tabela. Trata-se de uma tabela única onde os suplementos são estratificados em cinco níveis consoante o grau de importância, e expressos em euros (e não em percentagem face à remuneração base).

Segundo o Governo, o objetivo da criação de uma tabela única para os suplementos remuneratórios não é “assegurar poupanças orçamentais” – apesar de inicialmente ter surgido como uma forma de arrecadar dinheiro para fazer face a um chumbo do TC -, mas sim trazer “equidade, clareza e transparência” na atribuição dos mesmos.

Já no relatório de dezembro, que serviu de base ao diploma aprovado no Conselho de Ministros de 19 de junho, se lia que a criação a tabela única de suplementos devia permitir:

• A revisão pormenorizada dos fundamentos de cada suplemento;
• A revisão dos valores unitários por cada suplemento de forma a criar standards transversais a carreiras, entidades e ministérios;
• A limitação do número de suplementos ou percentagem do total de remuneração referente a suplementos por trabalhador;
• A fusão de suplementos com fundamento similar;
• A eliminação (e substituição, ou não, por outros) de suplementos com reduzido número de beneficiários (52 suplementos têm menos de 5 trabalhadores beneficiários).
• A conversão, como regra, em montante fixo de suplementos pagos em percentagem da remuneração base;
• A atribuição de suplementos estritamente durante o período de exercício das funções a que respeitam;
• A criação de limites temporais, cláusulas de repetição e condições de recurso para alguns suplementos;
• A incorporação na remuneração base (após revisão dos fundamentos e dos valores unitários) dos suplementos pagos com base em condição.”

Depois de aprovado em Conselho de Ministros o diploma segue para negociações com os sindicatos e deve ser apresentado ao primeiro-ministro no prazo de 60 dias, a contar a partir do dia 19 de junho.

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Por que é que ainda não criou?

A primeira vez que a tabela única de suplementos apareceu num documento oficial como promessa do Governo foi na sétima revisão do memorando de entendimento, em março de 2013. Era uma das medidas previstas para fazer face a mais um chumbo do Tribunal Constitucional, que obrigou o Executivo a repor salários e pensões do Estado.

Nessa altura, o Conselho de Ministros aprovou uma resolução que deu um prazo de 30 dias para as entidades públicas darem informações detalhadas sobre a remuneração, suplementos e outras componentes do ordenado dos trabalhadores do Estado. Janeiro de 2014 era a data limite para concluir o processo e implementar a medida.

Mas em dezembro o processo ainda não estava concluído – o relatório final de avaliação do universo de suplementos foi só entregue no final do ano a Hélder Rosalino, então secretário de Estado. A 30 de dezembro, pouco depois de uma remodelação, esta tarefa era apontada como prioritária pelo seu sucessor, José Leite Martins. Junho de 2014 passou a ser o novo prazo, firmado também ele com a troika.

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Todas as entidades públicas são abrangidas pela tabela?

Não. O Governo anunciou uma excepção para as Forças Armadas, GNR, PSP e magistrados, que por terem um estatuto próprio ficam de fora do mecanismo de revisão do suplementos.

O Governo diz assim que polícias e militares não são abrangidos pela Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, dando razão aos ministros da Defesa e da Administração Interna que tinham alegado que estas forças não podiam sujeitar-se às mesmas alterações ao sistema de suplementos que a generalidade dos funcionários públicos por serem corpos com estatutos especiais.

O mesmo acontece com os suplementos dos magistrados, que também não se inserem na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas e permanecem intocáveis.

De acordo com dados do Ministério das Finanças, existem atualmente 51.843 efetivos da GNR e PSP, 31.732 militares das Forças Armadas e 3.858 magistrados. Estes funcionários do Estado ficam assim de fora da tabela única, estando a revisão dos seus suplementos sujeita à revisão dos seus próprios estatutos.