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Como começou todo este escândalo?

O escândalo rebentou na sexta-feira, 18 de setembro, quando a agência Environmental Protection Agency (EPA) largou uma bomba ao acusar a Volkswagen de, pelo menos desde 2009, ter introduzido na programação informática (software) de vários modelos com motorização diesel um algoritmo que detetava quando o carro estava a ser submetido a testes em laboratório e, nessas alturas, reduzia a quantidade de emissões poluentes para passar nos testes.

Na realidade, quando iam para a estrada, estes carros emitiam até 40 vezes mais do que os limites que são permitidos nos EUA (que são, porém, mais baixos do que na Europa).

O mecanismo, que António Pires de Lima chamou de kit fraudulento, tinha a designação de defeat device. Ainda não há informação sobre se já foram vendidos os direitos cinematográficos para a produção de um filme com o nome do dispositivo, que conte como se montou esta fraude que ficará para a História da indústria automóvel mundial.

O que é certo é que este escândalo começou nos EUA mas rapidamente se percebeu que iria ter implicações diretas para o resto do mundo. Já veremos porquê – avance para a próxima pergunta.

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Como é que se descobriu o que estava a acontecer?

Foi por acaso, como lhe contámos neste texto publicado na segunda-feira, dia 21.

A investigação pelas autoridades dos EUA às emissões poluentes começou há cerca de ano e meio, em maio de 2014. Segundo a Bloomberg, alguns meses antes, uma equipa de investigadores independentes quis usar os modelos da Volkswagen para provar que os carros movidos a gasóleo podiam ser pouco poluentes. Mas estes investigadores acabaram “chocados” quando viram a discrepância entre as medições feitas no laboratório e as que foram realizadas em estrada.

Em vez dos níveis esperados, que no limite seriam 31 miligramas por quilómetro, os investigadores encontraram valores 15 a 35 vezes superiores no caso do Volkswagen Jetta e cinco a 20 vezes superiores no caso do Volkswagen Passat (dependendo da estrada e da condução), conforme cita a Nature. Já o BMW X5 cumpriu, de forma geral, os níveis recomendados.

A Volkswagen e a norte-americana Environmental Protection Agency (EPA) estão, assim, em contacto há vários meses, como se percebeu esta semana. Depois de a empresa ter chamado à oficina os quase 500 mil veículos em causa (o número inicialmente estimado) para fazer uma atualização de software, a Volkswagen foi informada a 8 de julho dos resultados finais da investigação levada a cabo pelas autoridades.

E só mais recentemente, quando os reguladores estavam a avaliar se certificavam ou não os modelos da Volkswagen que irão para o mercado em 2016, é que a empresa admitiu, segundo a EPA, ter “concebido e instalado um defeat device em vários veículos que detetava, através de um algoritmo informático sofisticado, que o carro estava a ser submetido a testes em laboratório”.

Um dos investigadores envolvidos na pesquisa original contou, com maior pormenor, como tudo se passou. Leia mais aqui.

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De que carros estamos a falar? E quantos?

Inicialmente, estavam identificados não mais do que 482 mil veículos nos EUA. Mas a Volkswagen já veio admitir que até 11 milhões de carros, em todo o mundo, poderão ter recebido a instalação destes defeat devices. Esse parece ser o número total que carros que foram equipados com este kit e que poderão ser chamados à oficina nas próximas semanas.

Nos EUA, o defeat device foi instalado em modelos como os JettaPassatBeetle entre os anos 2009 e 2015. Na Europa, o mesmo mecanismo poderá ter sido aplicado em vários milhões de carros com motorização de 1.600 e 2.000 de cilindrada. Mas na sexta-feira, 25, um responsável do governo alemão admitiu que também pode ter existido manipulação das emissões nos carros a 1.200, de três cilindros.

Na verdade, o problema poderá não se limitar a carros de passageiros mas, também, a carrinhas de transporte e a carros comerciais.

Além da marca VW, a Seat Portugal suspendeu esta terça-feira a venda de alguns carros que tem em Portugal, em stock. A marca espanhola admitiu na terça-feira, 29 de setembro, que foram vendidos 700 mil carros da Seat, a nível global, com o kit fraudulento. Os clientes da Seat em Portugal que tiverem comprado estes carros serão contactados em breve pela Seat Portugal.

Já a SIVA, que representa em Portugal as marcas Volkswagen, Audi e Skoda, não dá quaisquer números sobre quantos carros em Portugal poderão estar afetados. A SIVA estará, ainda, a aguardar por uma indicação da marca alemã. Enquanto isso, a empresa disse no sábado, 26, em comunicado o seguinte: “Em relação aos veículos da Volkswagen abrangidos pelas discrepâncias de emissões, reafirmamos que todos os motores diesel que cumpram a norma Euro6 respondem aos requisitos legais e aos padrões ambientais podendo ser vendidos sem qualquer limitação”.

Esta terça-feira, 29 de setembro, foi emitido um novo comunicado. “O Grupo Volkswagen anunciou que os veículos afetados foram identificados. Assim que soubermos que modelos/motorizações estão abrangidos, entraremos imediatamente em contacto os clientes em causa”, garante a SIVA. São mais de 94 mil carros.

A nível global continua, porém, a haver pouco mais do que informação dispersa. Com a nomeação do novo presidente executivo (CEO) para o grupo alemão, o próximo passo será identificar com exatidão quais são e onde estão os veículos que estão a poluir mais do que o permitido e mais do que o admitido pelo construtor. A empresa tem até 7 de outubro para apresentar um plano abrangente para resolver o problema.

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Quem esteve por trás deste esquema?

Isso é o que terá se ser apurado pela investigação que se seguirá e que se prevê longa. O que é conhecido é que Martin Winterkorn, o presidente executivo demissionário da VW, assumiu a responsabilidade enquanto líder último da empresa mas rejeita qualquer conhecimento de como “uma conduta imprópria desta dimensão terá sido possível no Grupo Volkswagen”.

A decisão de Winterkorn foi tomada “para defender os interesses da empresa, ainda que eu próprio não tenha qualquer conhecimento acerca da conduta imprópria” em causa, garante o responsável que saiu dizendo que “a Volkswagen necessita de um novo começo”. O alemão tinha assumido a liderança da Volkswagen em 2007.

Na sexta-feira, 25, surgiu a informação de que o grupo concentra-se num “pequeno grupo” de técnicos e que já suspendeu alguns técnicos das suas funções. Os técnicos responsáveis serão os responsáveis pela área de Pesquisa & Desenvolvimento de cada uma das três grandes marcas – VW, Audi e Porsche.

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O que vai acontecer a Martin Winterkorn?

Martin Winterkorn, terá direito a uma pensão de 28,57 milhões de euros após a sua saída do grupo na sequência do escândalo de manipulação dos dados sobre as emissões poluentes nos carros com motor diesel. Winterkorn poderá, ainda, receber um pagamento único por indemnização na ordem dos 3,2 milhões de euros, mas aí a empresa poderá tentar evitar o pagamento.

De acordo com o Financial Times e a agência Bloomberg, que citam o último relatório anual do Grupo, Winterkorn teve um salário anual fixo de 1,617 milhões de euros no ano passado. Esse ordenado anual dá-lhe, segundo as regras estabelecidas no grupo, o direito a receber uma pensão no valor de 70% do salário anual na reforma. Na estimativa feita pelo grupo no final do ano, Winterkorn tinha, assim, acumulado o direito a receber do grupo um valor de 28,57 milhões por pensão.

Segundo os dois meios de comunicação, não existe qualquer condição prevista nas regras do grupo que lhe permita evitar o pagamento da totalidade ou, pelo menos, de parte deste valor. As regras da Volkswagen preveem, além do valor da reforma, que o visado poderá utilizar até ao fim da sua vida um carro da marca, gratuitamente.

O que não pode ser descartado, contudo, é claro, é que possam vir a ser apuradas responsabilidades criminais, algo muito provável pelo menos nos EUA. O Departamento de Justiça dos EUA confirmou sexta-feira a abertura de um processo. Já esta terça-feira, 29 de setembro, a Procuradoria-geral alemã abriu uma investigação sobre o agora ex-CEO do grupo VW.

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Quanto é que isto irá custar à Volkswagen?

Já está a custar. Muito. As ações da Volkswagen já perderam mais de um terço do seu valor em pouco mais de uma semana de negociação bolsista, algo como 23 mil milhões de euros. Várias agências de rating lançaram comentários desfavoráveis para a Volkswagen, o que também poderá aumentar os seus custos de financiamento no futuro.

Quanto a custos adicionais, estes poderão ser “enormes“, assumiu a EPA na sexta-feira, 25. As multas poderão ser à escala da penalização que foi aplicada à petrolífera BP pelo derrame no Deepwater Horizon.

Um responsável da EPA relembrou que o organismo tem poder para multar a Volkswagen em até 37.500 dólares por cada veículo que tivesse o mecanismo que a empresa “enterrou no fundo de 100 milhões de linhas de código do software dos carros”. Era essa instrução no código do software dos carros que, segundo a acusação, mascarava as verdadeiras emissões poluentes quando o carro estava a ser testado.

Se multiplicarmos 37.500 dólares por 482 mil carros, chegamos à quantia impressionante de 18 mil milhões de dólares, só em coimas.

A juntar a isso, um analista do Bernstein Research anticipou que a empresa possa gastar mais de seis mil milhões de dólares só a recomprar os carros nos EUA com motorização diesel e que se provar terem sido equipados com o mecanismo fraudulento.

Incógnita Que impacto terá este caso na Europa e quanto custará a solução do problema no resto do mundo?

Certeza O governo de Angela Merkel já veio dizer que, apesar de considerar esta fraude “inaceitável”, está pronta a prestar “apoio total” ao setor automóvel.

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Outras marcas podem estar envolvidas?

As autoridades europeias estão a fazer uma investigação alargada aos veículos produzidos e vendidos na Europa. Uma investigação que, garantem as autoridades, não está a limitar-se aos veículos da marca ou, mesmo, do grupo Volkswagen.

Para já, não há, porém, qualquer indicação de que outras marcas terão estado envolvidas na instalação deste kit fraudulento.

A BMW caiu fortemente em bolsa na quinta-feira, 24, porque uma revista alemã avançou com testes às emissões poluentes e apurou que modelos da BMW também estão acima dos limites em vigor na Europa. Mas é importante sublinhar que, ao contrário do que alguns jornais escreveram, ultrapassar os limites é diferente de usar mecanismos fraudulentos para disfarçar a quantidade de emissões quando o carro está em laboratório. Aliás, os investigadores americanos que estiveram na origem do estudo original não detetaram qualquer irregularidade no modelo da BMW testado.

O que pode ser um dado preocupante, contudo, é que na sexta-feira o Financial Times noticiou que um grupo interno de investigação da Comissão Europeia considerou, em 2013, que a manipulação dos dados das emissões poluentes era uma prática corrente na Europa. Não se sabe se está em causa o mesmo grau de fraude, mas este aviso pode indicar que há outras marcas que possam ter tido comportamentos impróprios nesta matéria.

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Que efeitos terá esta fraude para Portugal?

Ainda é cedo para responder a esta questão. Mas tentemos dividir a resposta em três aspetos diferentes que poderão, cada um por sua via, afetar Portugal:

Há carros a circular no país que tenham o defeat device?

Existem em Portugal 94 mil carros do grupo Volkswagen com este kit fraudulento, segundo a SIVA. Da marca Volkswagen serão 53.761 carros, mais 31.839 Audi e 8.800 Skoda.

O grupo lembra que o impacto destas “irregularidades” dizem respeito “exclusivamente aos poluentes emitidos” e que “não afetam a segurança dos veículos em causa nem representam qualquer perigo para a circulação automóvel”. Em outubro, a SIVA apresentará “às autoridades competentes, a solução técnica assim como as medidas a aplicar”.

O ministro da Economia, António Pires de Lima, tinha afirmado na quinta-feira que o governo estava a trabalhar em conjunto com o IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes) para apurar se haveria ou não carros a circular em Portugal que poluéssem mais do que o permitido. Além disso, a Seat Portugal não excluiu, esta terça-feira, 29, que estes motores estejam a circular em Portugal. Se assim for, os clientes serão contactados.

A AutoEuropa poderá ser implicada?

Pires de Lima disse, numa primeira fase, ter recebido a garantia, por parte da administração da AutoEuropa, de que nenhum carro produzido na AutoEuropa recebeu este mecanismo. Refira-se que a maioria dos veículos produzidos na AutoEuropa são exportados.

Mas, a 30 de setembro, enquanto anunciava a criação de um grupo de trabalho para acompanhar esta questão, Pires de Lima disse: “Houve evoluções entretanto. E para surpresa de muitos, a fraude teve extensões bastante relevantes também ao mercado europeu. E por isso, todas as fábricas que produziram para o mercado europeu não estão livres de terem produzido automóveis com a incorporação desse kit fraudulento, incluindo a Autoeuropa. Deve ser a Autoeuropa a dar explicações, não eu como ministro da Economia”.

Os planos de expansão da fábrica de Palmela e os investimentos alemães na AutoEuropa podem estar em risco?

A AutoEuropa é uma empresa muito importante para a economia portuguesa, pelo que talvez esta seja a questão mais importante a responder.

Em Espanha, o ministro da Administração Interna, José Manuel Soria, está a acompanhar de perto a situação da Volkswagen, garante a primeira-ministra adjunta Soraya Saenz de Santamaria. Estão garantidos os investimentos e os empregos ligados à presença da Volkswagen em Espanha, assegura o governo espanhol, que tem tido contactos de alto nível com a administração do grupo alemão.

Já em Portugal, António Pires de Lima diz que o governo português está a limitar-se a contactos com responsáveis da AutoEuropa e que não está a tentar “obter sinais de tranquilidade” junto da Volkswagen neste momento. Porquê? “Porque era estar a enganar-me a mim próprio”, afirmou o ministro da Economia.

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Quais os riscos para a saúde dos fumos dos veículos?

As partículas, designadas também como PM (sigla em inglês para particulate matter), “são um dos maiores problemas em muitas cidades europeias”, refere ao Observador Francisco Ferreira, professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. E a principal fonte deste poluente é o tráfego rodoviário, nomeadamente os veículos a gasóleo.

Este poluente é “indiscutivelmente o mais grave”, diz ao Observador Teles de Araújo, médico pneumologista. Em particular porque a sua concentração é muito grande. “E quanto maior a concentração de partículas na atmosfera, maior o risco para a saúde.” Francisco Ferreira lembra que Lisboa e Porto já ultrapassaram, em alguns momentos, os limites recomendados.

Quando inaladas, as partículas tem consequências nos pulmões, como a doença pulmonar obstrutiva crónica (antigamente chamada de bronquite asmática) e com ligações ao cancro do pulmão. Mas também representam um risco para o sistema cardiovascular.

Além das partículas, os óxidos de azoto (representados de forma genérica com a fórmula química NOx) “também tem algum impacto na asma e hipersensibilidade bronquica”, que se reflete em mais alergias e maior propensão para infeções respiratórias, refere o pneumologista.

Em Londres, refere a Nature, o tráfego de veículos a gasóleo é responsável por 40% das emissões de NOx. A revista acrescenta ainda que 20% da população urbana na União Europeia vive em áreas onde o dióxido de azoto é superior aos limites recomendados.

O ozono, produzido a partir dos NOx, tem efeitos equivalentes aos dos óxidos de azoto. E o dióxido de carbono não é só “um fator nocivo para o sistema respiratório”, como também “aumenta as doenças cardiovasculares”, reforça Teles de Araújo. Além disso, os poluentes que entram na circulação sanguínea e que, consequentemente, podem chegar a outras partes do corpo podem afetar o funcionamento de outras células do corpo e ter implicações na gestação.

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Que impactos têm os poluentes dos automóveis no ambiente?

As partículas são o poluente que maior impacto direto tem na saúde humana, mas os efeitos que tanto os óxidos de azoto como o dióxido de carbono têm no ambiente acabam por afetar também a nossa saúde.

Os óxidos de azoto são responsáveis pela acidificação da atmosfera, podendo provocar chuvas ácidas, e pela produção de ozono troposférico (ozono resultante da ação humana e acumulado nas camadas mais baixas da atmosfera). Estes poluentes também têm um papel na eutrofização (excesso de nutrientes) nas águas, que pode levar a diminuição do oxigénio na água e à morte de peixes e outros seres vivos.

Tanto o ozono troposférico como o dióxido de carbono (que resulta do monóxido de carbono produzido pelos combustíveis) são gases com efeito de estufa – ficam acumulados nas camadas da atmosfera mais próximas da crosta terrestre e não deixam que o calor se escape, aumentando a temperatura à superfície.

O ozono troposférico, que nada tem a ver com a camada de ozono (estratosférico) que nos protege das radiações ultravioletas vindas do exterior, provoca no homem irritação na garganta e olhos, dificuldades respiratórias ou um mal estar geral. Mas também impacto nas plantas, incluindo naquelas que têm interesse económico, podendo produzir danos em poucas horas e levar mesmo à morte da planta.