Tudo começou quando o líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, quis lembrar a António Costa que a “fuga” de portugueses para o estrangeiro não acabou com a chegada do PS ao Governo. E que, em 2016, primeiro ano completo do Governo de António Costa, ainda saíram 100 mil pessoas. Anda perto dos factos: segundo o INE foram 97 151 os portugueses a ir viver para o estrangeiro.
Costa não negou esse número, mas justificou que 2016 foi “o ano em que pela primeira vez diminuiu o número de saídas em vários anos”. E até apontou qual foi essa redução entre 2015 (último ano do Governo de Passos Coelho) e 2016 (primeiro ano completo do Governo de António Costa): menos 10 mil pessoas terão saído do país.
O que está em causa?
A discussão em torno da saída de emigrantes do país para viverem no estrangeiro está carregada de simbolismo político. O PS e os seus parceiros de esquerda atacam várias vezes a oposição por, durante o Governo PSD/CDS milhares de portugueses terem abandonado o país à procura de melhores condições no estrangeiro. Mais: as palavras de Passos Coelho de incentivo à emigração dos jovens são também utilizadas como arremesso político. De tal forma que Costa até quer, no Orçamento para 2019, criar incentivos para que estes emigrantes regressem.
Apesar de ser consensual que atualmente saem menos jovens (isso tanto PSD como Governo reconhecem), o que é preciso verificar é se, de facto, como disse o primeiro-ministro essa queda só começou em 2016, o primeiro ano do seu Governo. E, num segundo momento, se essa quebra foi de menos 10 mil pessoas de 2015 para 2016.
Quais são os factos?
Os números mostram que António Costa errou em praticamente tudo o que disse. Fernando Negrão arredondou quando disse que saíram 100 mil portugueses em 2016. Foram 91.751, podendo considerar-se a premissa desta discussão correta.
Já António Costa começa por dizer que 2016 foi “o ano em que pela primeira vez diminuiu o número de saídas em vários anos”. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística e da PORDATA, o ano em que cai pela primeira vez, e de forma mais significativa, o número de portugueses que emigraram foi em 2015, último ano do Governo de Passos Coelho. Em 2014, último ano do programa de ajustamento, saíram do país 134.624 portugueses, mas em 2015 saíram menos 33.421 pessoas do país. Ou seja o ano em que pela primeira vez diminui não foi 2016, foi 2015. A queda registada no último ano de governo PSD/CDS é, aliás, em termos absolutos e em percentagem (perto dos 25%) superior a qualquer redução conseguida durante o Governo de Costa.
Olhando para os números, Costa volta a errar quando diz que em 2016 houve menos 10 mil portugueses a emigrar do que em 2015. Na verdade, olhando aos números a redução foi menos de metade disso: foram “apenas” menos 4.052 portugueses que emigraram em 2016 face a 2015.
Costa podia estar a referir-se, por exemplo, apenas ao emigrante permanente (que permanece por um ou mais anos no país estrangeiro), mas por esse critérios os números ainda estariam mais errados, como se pode verificar pelos dados do INE numa tabela (ver abaixo) da Pordata.
Só mesmo no fim da declaração sobre a saída de emigrantes é que António Costa disse algo que os factos comprovam. O primeiro-ministro disse que “em 2017, foi mesmo o primeiro ano desde o início da crise em que tivemos um saldo migratório positivo”. É verdade. O saldo migratório em 2017 (4,9) foi o primeiro positivo desde 2011, ano do início do resgate da troika. Segundo dados do INE, o saldo migratório foi sempre negativo desde então e até 2017: em 2011 foi de -24,3%, em 2012 de -37, 3%, em 2013 foi de 36,2%, em 2014 foi de -30%, em 2015 foi de -10,5%, em 2016 foi de -8,3%. No entanto, se for considerado que o início da crise foi em 2008/2009, é preciso referir que o saldo migratório foi positivo quer em 2008 (9,4%), quer em 2009 (15,4%), quer em 2010 (3,8%). Dessa forma, até nesta declaração Costa está errado.
Conclusão
Costa quis defender-se com números, dizendo que a saída de portugueses do país começou a cair no seu primeiro ano de Governo. Mas os factos dizem o contrário: a maior queda foi em 2015, último ano de Passos Coelho e o primeiro completo sem programa de ajustamento. Costa chega ao Governo nesse ano, mas só no final de novembro, não tendo as políticas do executivo socialista impacto nessa redução. É certo que o PS conseguiu que o número fosse descendo todos os anos e que até promete políticas para que os emigrantes regressem, mas não foi isso que Costa utilizou como argumento. Recorreu a números que estão errados.