Assim que António Costa apresentou o pacote de medidas “Mais Habitação” surgiram várias publicações nas redes sociais a sugerir que o primeiro-ministro estava a ser incoerente ao defender o arrendamento coercivo, já que ele próprio era proprietário de cinco habitações e estas não estariam no mercado. Um dos utilizadores chega a utilizar expressões como “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”, questionando: “Quantas vai [o primeiro-ministro] ceder para aluguer?”. Ora, estas publicações são enganadoras: se é verdade que Costa é co-proprietário de cinco casas, também é verdade que arrenda as duas habitações que podiam estar sujeitas ao arrendamento coercivo por parte do Estado.

Uma das publicações que sugere que o primeiro-ministro não tem intenção de colocar o património que tem no mercado

Além de vários utilizadores do Facebook, também a página “Europa às Direitas” — que antes se chamava “PSD Europa” e que é coordenada pelo militante do PSD/Bruxelas Jorge Afonso — fez a mesma sugestão: Costa vai colocar as casas no mercado? (neste caso não especificando se eram 5 ou 6). O sentido era o mesmo: explorar uma eventual incoerência do proprietário Costa.

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O próprio líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, também levou o debate para a mesma linha de argumentação quando partilhou uma notícia do Correio da Manhã que lembrava que António Costa tinha cinco casas (era arrendatário numa delas) e que ia comprar outra. Ao mesmo tempo, logo no dia seguinte à apresentação das medidas, o líder liberal questionava: “Bom dia. António Costa já tem todas as suas casas no mercado de arrendamento? Ou está à espera para vender ao Estado com isenção de mais valias?”. Mais uma vez, a sugestão de que António Costa não era coerente com o que estava a exigir agora aos outros proprietários do país.

É preciso, então, olhar para o património imobiliário de António Costa: o primeiro-ministro tem, de facto, cinco habitações. António Costa, como noticiou o Observador, entregou a primeira declaração de rendimentos do atual mandato no Tribunal Constitucional (TC) a 25 de maio de 2022, menos de dois meses depois de tomar posse. O TC considerou, no entanto, que o primeiro-ministro não tinha dado todos os esclarecimentos necessários e António Costa foi forçado a enviar um novo ofício onde explicava, entre outras coisas, que casas tinha arrendado e a relação dessas rendas com os rendimentos prediais anteriormente declarados.

Apesar de não ter respondido às questões que o Observador fez sobre o assunto, o ofício que António Costa enviou ao Tribunal Constitucional a 21 de novembro de 2022 é claro: “Os rendimentos prediais provêm do arrendamento das frações autónomas sitas na freguesia de Santa Clara e na freguesia de Penha de França.”

António Costa é então co-proprietário de duas casas em Lisboa — uma na freguesia de Santa Clara, outra na freguesia de Penha de França –, mas não vive em nenhuma delas. Os rendimentos prediais que o primeiro-ministro aufere são, no entanto, escassos para os valores de mercado: em 2021, último ano disponível na declaração que entregou, António Costa teve rendimentos prediais de 7.300,80 euros — o que dá pouco mais de 600 euros mensais de rendas auferidas pelos dois imóveis. O Observador questionou o primeiro-ministro se este valor era apenas metade do total, mas não obteve resposta.

O primeiro-ministro não vive assim numa casa da qual é proprietário, preferindo arrendar uma casa em Benfica, por 1.200 euros, depois de ter vendido uma outra casa ali bem perto. Mas há uma razão para isso: António Costa está à espera de que fique concluída a construção de um T1 num condomínio de luxo em Benfica, para o qual já pagou 243.445 euros, num total de 276.050 euros. Será essa a terceira casa de Costa em Lisboa e também a sua futura habitação própria permanente.

O primeiro-ministro é ainda proprietário de mais duas casas, mas também elas estão fora da esfera do arrendamento coercivo — por diferentes razões. António Costa tem no seu património uma moradia em Lagoa, no Algarve, que corresponde a uma casa de férias, logo, não seria forçado a arrendá-la ao abrigo da proposta que já defendeu publicamente.

A outra casa (nesta enumeração que aqui fazemos, a quinta casa), que Costa também recebeu por via de uma herança, é em Margão, na Índia, e não é afetada pelo plano “Mais Habitação” por uma razão óbvia: é no estrangeiro. O próprio António Costa confessou ao Tribunal Constitucional que tem pouca informação e dificuldade a chegar a documentação sobre este imóvel na segunda maior cidade do Estado de Goa, na antiga Índia Portuguesa.

Pode recordar aqui a infografia que o Observador publicou sobre o assunto e que mostra o uso e detalhes sobre os imóveis de António Costa:

Conclusão

Ao contrário do que sugerem as publicações nas redes sociais, António Costa não tem cinco habitações em condição de serem arrendadas, mantendo-as devolutas ou sem uso. Dos cinco imóveis de que é proprietário, o primeiro-ministro tem três casas que não estariam na mira do arrendamento coercivo proposto no pacote “Mais Habitação”: uma delas é uma casa de férias (em Lagoa), outra está em construção (em Benfica, mas irá para lá morar quando estiver concluído); e outra é fora do País (em Margão, na Índia). Restam assim duas casas que o primeiro-ministro podia arrendar (ambas em Lisboa). E estão ambas arrendadas, por valores que não se podem considerar elevados e são, até, abaixo do mercado. É, por isso, enganador sugerir que o primeiro-ministro, no uso/destino que deu aos seus cinco imóveis aplicou uma bitola diferente da que quer impor aos restantes proprietários.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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