Uma publicação no Facebook mostra um vídeo, que originalmente foi partilhado no Tik Tok, onde um médico afirma que o consumo de leite está diretamente ligado ao aparecimento de diabetes tipo 1. Mas não há evidências científicas que confirmem estas afirmações.

O excerto mostrado na publicação teve origem no programa “Maluco Beleza”, que pode ser visto no Youtube e onde Rui Unas entrevista personalidades todas as semanas. Neste caso, trata-se de uma entrevista ao médico cardiologista Lair Ribeiro que foi para o ar em março de 2019.

Lair Ribeiro é especialista em cardiologia e nutrição e com opiniões muitas vezes contrárias à comunidade cientifica. O próprio não se considera um “médico comum” e não se coíbe de o dizer: “Eu sempre andei fora da curva e acho que a unanimidade é burra.” Segundo a revista Sábado, o mesmo já foi “acusado de ser um perigo para a saúde pública”.

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“Quem toma muito leite pode ter inclusive diabetes tipo 1”, começa por afirmar Lair Ribeiro durante a entrevista. Mas qual é a explicação para isto? Segundo o médico brasileiro, “existe um parasita que tem no leite que se chama Eurytrema pancreaticum que se alimenta de insulina” e que acaba por atacar os ilhéus de Langerhans e “espalha proteína para tudo quanto é lado e aquela proteína cai no sangue e vira um anticorpo”.

Mas estas afirmações carecem de sustentação científica. Lèlita Santos, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e também especialista em nutrição e doenças autoimunes, explicou ao Observador que não existem parasitas no leite que bebemos, uma vez que o mesmo é “pasteurizado ou ultrapasteurizado, ou seja, sofre um efeito térmico que elimina eventuais gérmenes ou parasitas que pudesse ter presentes e provenientes dos próprios animais que o produzem“.

Além disso, o Eurytrema pancreaticum — o parasita que refere Lair Ribeiro na entrevista a Rui Unas — é “um parasita dos canais pancreáticos de animais como a vaca e que é endémico em certos países, mas não em Portugal”. A médica do Centro Hospitalar de Coimbra sublinha ainda que os controlos sanitários “permitem a segurança e higiene do leite” e, caso se detetasse a presença de parasitas, isso seria tratado nos próprios animais.

“Não conheço estudos científicos que fundamentem as afirmações veiculadas pelo médico presente na entrevista, nem me parece que elas possam ter fundamentos científicos de trabalhos credíveis”, esclarece Lèlita Santos.

Na entrevista, Lair Ribeiro faz várias afirmações que foram consideradas controversas pelos próprios espectadores do programa. Por exemplo, o médico brasileiro revela que “nunca tomou remédios, nunca recomendou, nem receitou” e afirma também que há tipos de manteiga que “causam cancro da mama e cancro de próstata”. Sobre a questão dos diabetes, ainda acrescenta: “Se falar com um médico comum, ele vai dizer que a doença auto-imune não tem solução. Não é verdade.”

Segundo Lèlita Santos, a razão dos diabetes constituírem uma doença auto-imune “relaciona-se com fatores genéticos e pode ser desencadeado por fatores ambientais infeciosos, nomeadamente, virusais ou outros”. A especialista explica, de uma forma simples, que no caso desta doença as células deixam de produzir insulina suficiente para o equilíbrio e controlo do metabolismo. “O que acontece é que há um processo inflamatório dos ilhéus por agressão auto-imune e daí a impossibilidade de ser produzida a insulina”, acrescenta.

Já no caso da diabetes tipo 2, existe “uma resistência periférica à insulina produzida”, que gradualmente se vai tornando uma “incapacidade de produção de insulina”.

Conclusão

A origem do boato começou em 2019, quando Lair Ribeiro — médico cardiologista e especialista em nutrição — deu uma entrevista para o programa Maluco Beleza, o talkshow da autoria de Rui Unas. Nessa entrevista, entre várias declarações polémicas, o médico brasileiro afirmou que “quem bebe leite pode ter diabetes tipo 1”. Segundo Ribeiro, “existe um parasita que tem no leite que se chama Eurytrema pancreaticum que se alimenta de insulina” que é responsável por atacar os ilhéus de Langerhans e, consequentemente, espalhar anticorpos.

Ao Observador, Lèlita Santos explica que o leite próprio para consumo é pasteurizado ou ultrapasteurizado, um processo que “garante a segurança e higiene do leite”, e cujo o efeito térmico “elimina eventuais gérmenes ou parasitas”. Sobre a ligação entre o consumo de leite e a manifestação dos diabetes tipo 1, a especialista diz que desconhece “estudos científicos que fundamentem as afirmações veiculadas pelo médico presente na entrevista”, e ainda acrescenta que essas afirmações “não parecem ter fundamentos científicos de trabalhos credíveis”.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

De acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.

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