Nos últimos dias, surgiram no Facebook dezenas de publicações de utilizadores indignados com uma alegada alteração da legislação francesa que alargaria o prazo para interrupção da gravidez até aos nove meses. Mas não é verdade. Houve, de facto, uma alteração à lei, em vigor desde 1975, mas ela foi mal interpretada pelos utilizadores.

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Em França, é permitida a realização de uma interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas de gestação — em Portugal o limite são as 10 semanas. No entanto, se o feto tiver algum problema de saúde particularmente grave e incurável, ou se a gravidez representar um perigo grave para a saúde da mãe, a lei permite fazer uma interrupção médica da gravidez até ao final dos nove meses. Nestes casos, a mãe tem de fazer um pedido para interromper a gravidez. Depois, segundo explica a AFP, a decisão é tomada por uma equipa multidisciplinar que analisa a situação caso a caso: se pelo menos dois médicos, depois de realizados exames e avaliada a situação, considerarem que existe um risco sério para a saúde da mãe ou do filho, é aprovada a interrupção médica da gravidez.

Na noite de 31 de julho para 1 de agosto, a Assembleia Nacional francesa aprovou uma emenda a esta legislação, no âmbito de uma revisão da lei da bioética. O que mudou? É simples: os motivos válidos para se poder abortar até aos nove meses. Antes, só acontecia se o feto tivesse uma doença grave e incurável ou se a saúde da mãe estivesse em sério risco. Agora, o sofrimento psicossocialpassou também a integrar a lista dos critérios elegíveis.

E o que é o sofrimento psicossocial? Como explica, em comunicado, o presidente da Ordem dos Médicos Ginecologistas e Obstetras de França, os motivos psicossociais “dizem respeito a mulheres em situação de perigo pessoal, violência, grandes dificuldades psicológicas ou de extrema precariedade”, que tenham “excedido o prazo legal para a interrupção voluntária da gravidez. Podem ser mulheres com “transtornos psiquiátricos graves, casos de incesto ou violação, casos de deficiência intelectual ou casos de grave insegurança social”, segundo explicou também à AFP a psicóloga clínica que integra as equipas multidisciplinares que avaliam os pedidos de interrupção médica da gravidez.

Não é que estas situações não fossem já suficientes para alguns médicos concordarem com a interrupção médica da gravidez para estes casos. Um artigo do jornal francês Libération, adiantava, já em abril, que das cerca de sete mil interrupções médicas da gravidez praticadas a cada ano, cerca de 250 eram devido a sofrimento psicossocial da mulher. Mas essa decisão ia variando de médico para médico, consoante o que cada um defendia, considerando dando maior ou menos peso ao fator do sofrimento psicossocial, uma vez que este não estava definido na lei. “Antes, era uma lotaria: havia sítios onde era levada em conta essa questão psicossocial e outros não. Nem todos os médicos concordavam”, explica Véronica Noseda, ex-coordenadora nacional do movimento Planning Familial, detalhando: “Isso gerou uma injustiça e uma desigualdade de acesso em todo o território francês“.

Assim, o que foi alterado na lei diz respeito aos critérios para uma interrupção médica da gravidez e não às condições para a interrupção voluntária da gravidez. Ou seja, em França, a mulher continua a só poder abortar por sua decisão até às 12 semanas. E mesmo nos casos em que a lei prevê a interrupção até aos nove meses, a decisão final será sempre tomada de acordo com a avaliação de uma equipa médica multidisciplinar.

É certo que esta alteração foi alvo de muitas críticas. Mas o que aconteceu nas redes sociais foi que os utilizadores fizeram interpretações erradas da lei — o que despoletou uma onda de indignação e revolta no Facebook. Até porque, ainda antes da aprovação desta emenda legislativa, a interrupção médica da gravidez até ao fim do tempo de gestação, mediante determinados critérios,  já se encontrava contemplada na lei. O que aconteceu com esta alteração, foi que aos critérios definidos anteriormente e em vigor, foi acrescentado mais um: o sofrimento psicossocial .

Conclusão

Nos últimos dias surgiram no Facebook dezenas de publicações sobre uma alegada alteração da legislação francesa que alargava o prazo para realização da interrupção da gravidez até aos nove meses. Foi, de facto, aprovada uma emenda à lei em vigor, que acrescentou mais um critério para a interrupção médica da gravidez, que já podia ser realizada anteriormente até ao final da gestação, sujeita à avaliação de uma equipa médica multidisciplinar e apenas sob determinadas condições. Não houve, no entanto, qualquer alteração na lei com respeito à interrupção voluntária da gravidez, que, em França,  se mantém nas 12 semanas. As publicações que circulam no Facebook, não distinguindo interrupção voluntária da gravidez da interrupção médica da gravidez, induzem os utilizadores em erro, levando-os a acreditar que a recente alteração à lei alarga o prazo da interrupção voluntária da gravidez até aos nove meses. Não é verdade.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR 

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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