Anda a circular pelas redes sociais uma tese que garante que no estado norte-americano da Califórnia os furtos passaram a ser “permitidos”. A ideia, defendem partilhas como a que está aqui em análise, é que isso passou a acontecer quando estão em causa objetos com um valor de mercado inferior a mil dólares, e que isso motivou situações de roubos como o que se mostra no vídeo que acompanha a partilha, neste caso numa loja da marca desportiva Nike.

A base desta tese assenta na aprovação da chamada Proposta 47, ou Proposition 47, uma alteração legislativa aprovada na Califórnia a 5 de novembro de 2014. Esta mudança trouxe uma reclassificação de alguns crimes não-violentos, que passaram a ser considerados contraordenações. A decisão também trouxe efeitos retroativos, permitindo que sentenças anteriores por delitos deste género fossem revistas.

A alteração aplicou-se a furtos no valor de menos de 950 dólares, ou 874 euros, e significa que quem cometer estes atos será acusado de uma contraordenação, mas poderá ainda assim ver ser-lhe aplicada a uma pena de prisão de um ano, a uma multa de mil dólares (919 euros) ou ambas. Se a sentença fosse de crime, a punição poderia ir até três anos de prisão e uma multa de até 10 mil dólares (9.190 euros).

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Mas a reclassificação destes delitos também se aplica a outras situações, como forjar um cheque até esse valor, receber um bem que tenha sido roubado até esse valor, ou posse de droga.

À Associated Press, Alex Bastian, um dos autores da lei e conselheiro especial do procurador de Los Angeles George Gascón, explicou que, na prática, esta alteração veio apenas aumentar o valor a partir do qual o furto passa a ser considerado crime, “ajustando o valor à inflação e ao custo de vida”. Ainda assim, explicou, a maior parte dos casos continua a ser de objetos inferiores a 400 dólares (368 euros), pelo que já seriam considerados contraordenações pelos critérios que vigoravam antes de 2014, e que estabeleciam essa fasquia.

O especialista acrescenta que a alteração foi pensada para obedecer a uma ordem datada de 2011 do Supremo Tribunal da Califórnia, que defendia que a sobrepopulação nas prisões da Califórnia violava o direito constitucional que garante que ninguém deve ser submetido a um castigo “cruel”. Nessa altura, o Supremo Tribunal estimava que a Califórnia deveria reduzir a lotação das suas prisões em 33 mil pessoas.

A ideia era, por isso, reduzir a quantidade de presos por delitos menores, libertando espaço nas prisões para melhorar as condições dessas instalações. Ainda assim, multiplicaram-se queixas de lojistas que garantiam estar a sofrer mais roubos por causa de grupos de crime organizado, que estariam a par das condições previstas na lei para terem uma punição reduzida.

Em 2018, um estudo do Public Policy Institute of California sobre os impactos da alteração à lei concluía que há, de facto, “algumas provas” de que a aprovação da Proposta 47 provocou um aumento dos delitos de propriedade, com os furtos a aumentarem cerca de 9% em relação a outros estados. O que não existe é um aumento do crime violento, em relação ao qual já se verificava uma tendência crescente antes desta reforma. As estatísticas relativas à criminalidade continuavam, ainda assim, “comparáveis às taxas baixas vistas nos anos 1960” e eram acompanhadas por uma redução “dramática” no número de sentenças de prisão. A taxa de reincidência também diminuiu.

Conclusão

Os furtos até mil dólares não passaram a ser permitidos. O que acontece é que uma alteração à lei passou a classificar este tipo de delitos como contraordenações e não como crimes, prevendo-se assim penas de prisão e multas mais leves, de forma a tentar combater a sobrepopulação nas prisões.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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