A 29 de dezembro de 2019, a página “Ideias e Receitas”, com mais de 700 mil gostos, publicou uma fotografia em que afirma que o Aspartame é um “veneno livremente comercializado”. Juntamente com a imagem, há uma longa descrição sobre o que é o Aspartame, que problemas diz causar (desde “diversos tipos de cancro” a “leucemia”) e uma lista com produtos que contêm Aspartame. A publicação foi partilhada mais de 400 vezes, mas desde logo teve comentários que colocavam em causa a veracidade das informações que estavam a ser dadas.

A publicação é alarmista e contém várias informações incorretas, especialmente no que refere aos problemas que podem ser causados pelo Aspartame. Não é citada qualquer fonte científica que prove que, de facto, o Aspartame é “um veneno” que está a ser comercializado. Além disso, as principais entidades oficiais, que continuam a realizar estudos ao Aspartame, também não consideram que este aditivo seja inseguro para consumo.

Afinal, o que é o Aspartame?

A Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) fez uma avaliação à segurança do Aspartame em 2013 e publicou um folheto com todas as explicações sobre este aditivo. O Aspartame, de acordo com a EFSA, “é um adoçante artificial de baixas calorias, aproximadamente 200 vezes mais doce do que o açúcar”. Este tipo de produto está autorizado mundialmente, incluindo na União Europeia, e é utilizado em bebidas, sobremesas, doces, laticínios, chicletes, produtos de baixo consumo de energia e de controlo de peso e também como adoçante.

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A publicação do Facebook começa por referir, corretamente, que o Aspartame existe “na maioria dos refrigerantes, adoçantes, chicletes e muitos outros produtos”. A mesma mensagem acrescenta que este aditivo “também é conhecido como Nutrasweet, Zerocal, Finn e Equal”. Estes nomes referem-se a marcas que vendem este tipo de aditivo, tal como indica a American Cancer Society.

A EFSA explica que o Aspartame “é gerado a partir de dois aminoácidos que ocorrem naturalmente — a fenilalanina e o ácido aspártico –, que são também componentes de proteínas no corpo e na comida”. No caso da fenilalanina, a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar refere que este aminoácido “tem sido ligeiramente modificado com a adição de um grupo metil que dá ao Aspartame o gosto doce”. Já o ácido aspártico é um dos vários aminoácidos que existem nas proteínas que o corpo consome e pode ser encontrado noutros alimentos como a beterraba ou o abacate.

As proteínas na nossa comida são digeridas quando chegam ao nosso intestino. As enzimas dividem as proteínas ingeridas em moléculas mais pequenas e os aminoácidos individuais que as compõe. Estes aminoácidos são depois absorvidos pelo corpo. Podem voltar a ser juntados para produzir novas proteínas no nosso corpo ou usados para gerar energia para o corpo. O mesmo processo ocorre com o Aspartame“, refere ainda a EFSA no folheto informativo.

Já a publicação em análise diz que este aditivo “é gerado em laboratórios, a partir da bactéria E. Coli” e que a bactéria é alimentada “com lixo tóxico e depois essa bactéria defeca o Aspartame”. No entanto, esta informação é simplista em relação a todo o processo e até incorreta.

Em primeiro lugar, porque as bactérias não produzem excrementos tal como os conhecemos. O que acontece é que as bactérias “expulsam” nutrientes e proteínas que permitem produzir outros produtos, como é o caso do Aspartame.  Além disso, a informação da presença da bactéria E.Coli refere-se a uma patente deste produto de 1981, não tendo em conta que o processo sofreu alterações desde essa altura.

O Aspartame causa doenças?

Outra informação presente nesta publicação da página “Ideias e Receitas” diz respeito aos problemas que o Aspartame poderá causar: “Diversos tipos de cancro, mal de Alzheimer, nascimentos prematuros, o bebé pode nascer com deformações, epilepsia, leucemia e muitas outras não comprovadas”. No entanto, esta é também uma informação alarmista.

Apesar de o uso do Aspartame continuar a gerar dúvidas quanto aos efeitos que pode ter na saúde, as entidades oficiais têm feito vários testes a este aditivo e concluíram que não há evidências suficientes que sustentem que o Aspartame não é seguro quando utilizado nas devidas proporções.

A EFSA, por exemplo, indica que “a segurança do Aspartame tem vindo a ser testada em centenas de estudos diferentes” e que vários cientistas em toda a Europa fizeram uma análise a estes estudos, “que olhavam para os efeitos do Aspartame a curto e a longo prazo”, incluindo uma análise à possibilidade de o Aspartame provocar cancro ou afetar o sistema reprodutor feminino, o desenvolvimento do feto ou causar algum tipo de dano nos genes.

No que diz respeito ao perigo de provocar cancro, os investigadores da EFSA concluíram que nenhum dos estudos recentes “produziu qualquer evidência científica que sustente um efeito cancerígeno do Aspartame”. O mesmo defende a American Cancer Society, que argumenta que estes rumores “existem há anos”, mas que, tendo em conta a informação de várias organizações, “embora a pesquisa sobre uma possível ligação entre o Aspartame e o cancro continue, estas agências concordam que os estudos realizados até hoje não encontram nenhuma ligação”.

Os rumores e preocupações sobre o Aspartame causar vários problemas de saúde, incluindo cancro, existem há muitos anos. Algumas das preocupações com a questão do cancro decorrem dos resultados de estudos em ratos publicados por um grupo de investigadores italianos, que sugeriram que o Aspartame pode aumentar o risco de alguns tipos de cancro no sangue (leucemia e linfomas). No entanto, uma revisão posterior dos dados desses estudos veio questionar os resultados. Os resultados de estudos epidemiológicos sobre possíveis ligações entre o Aspartame e o cancro não foram consistentes”, argumenta a American Cancer Society.

Quanto a outros efeitos que este aditivo pode ter, a EFSA sublinha que os estudos indicam que uma dose demasiado elevada de Aspartame pode causar problemas, mas esta questão é colocada quase exclusivamente a quem tem uma condição genética rara chamada “fenilcetonúria” — que afeta aproximadamente uma em cada dez mil pessoas e consiste no acumular de fenilalanina no organismo até níveis tóxicos. Nestes casos, refere a Food and Drugd Administration (FDA), “devem controlar a ingestão de fenilalanina de todas as fontes, incluindo do Aspartame”.

post da página “Ideias e Receitas” afirma ainda que “o Aspartame é mortal para os diabéticos” e que “todos os médicos sabem o que o metanol causaria num diabéticos”. “Os médicos acreditam que seus pacientes têm retinopatia, quando de facto o mal é causado pelo Aspartame. O Aspartame mantém o açúcar sanguíneo fora de controle, fazendo com que muitos pacientes entrem em coma. Infelizmente, muitos morrem. Esta droga muda os níveis de dopamina no cérebro”, refere ainda a mesma página.

No que diz respeito ao metanol, embora exista a preocupação sobre os efeitos desta substância no organismo, a quantidade de metanol que é libertada com a ingestão do Aspartame é muito pequena e, muitas vezes, inferior ao metanol presente noutros alimentos, como o tomate e os citrinos. Além disso, o Aspartame é usado em substituição do açúcar por muitos diabéticos, uma vez que em menos quantidades e menos calorias consegue ser igualmente doce — levando à necessidade de uma ingestão menor.

David G.Hattan, antigo diretor da divisão de saúde da FDA, afirmou num fact check a uma informação sobre o Aspartame que “as tentativas que têm sido feitas para confirmar alegações de reações adversas pela ingestão de Aspartame não foram bem sucedidas e a FDA continua a considerar que as informações deste aditivo, um dos mais testados, continuam a confirmar a segurança do Aspartame”. Além disso, assegura a American Cancer Society, “nos Estados Unidos os adoçantes artificiais tal como o Aspartame são regulados pela FDA”.

Conclusão

O Aspartame é uma das substâncias mais estudadas e os seus possíveis efeitos — se o consumo é ou não seguro — ainda hoje são alvo de estudo da comunidade científica. No entanto, é incorreto e alarmista afirmar que o Aspartame é um veneno que está na base de doenças como cancro ou leucemia e que se trata de “excrementos” de uma bactéria, uma vez que os vários estudos realizados não encontraram qualquer prova que sustente estas afirmações.

As próprias entidades oficiais, como a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar ou a Food and Drug Administration, nos Estados Unidos, determinaram, após várias análises, que o consumo de Aspartame é seguro quando utilizado nas quantidades recomendadas. Além disso, ainda hoje são realizados testes contínuos à segurança deste aditivo.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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