O secretário de Estado da Educação chumbou ou não chumbou dois alunos? Esta acusação corre nas redes sociais e está relacionada com o caso de dois irmãos de uma escola de Vila Nova de Famalicão, mediatizado em julho passado. Numa publicação que tem estado a circular, junta-se um parecer da DGEstE a um despacho de João Costa, fazendo crer que se trata de um único documento — o que não corresponde à realidade — e que a assinatura do governante consta do mesmo — quando apenas se encontra num parecer que não determina o chumbo dos alunos. É, por isso, falsa a imputação feita ao secretário de Estado da Educação.

Por objeção de consciência dos pais, os alunos do 6.º e do 8.º ano faltaram às aulas da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Por ser de frequência obrigatória, e não tendo a escola aceite a justificação dos pais (objeção de consciência aos conteúdos lecionados), acabariam por chumbar por excesso de faltas através de um processo administrativo, sendo obrigados a recuar dois anos. No entanto, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga admitiu uma providência cautelar da família e suspendeu a eficácia dos atos administrativos. Atualmente, estão provisoriamente inscritos no 7.º e 9.º ano, até que a decisão final do tribunal seja conhecida.

Qual o papel de João Costa em todo o processo? Segundo a publicação que é objeto deste factcheck, terá sido o próprio governante a dar ordem à escola para chumbar os dois alunos, através de um despacho por si assinado. No entanto, um secretário de Estado, ou até um ministro de Educação, não tem poder para mandar chumbar um aluno, como o próprio João Costa disse no Parlamento: “O Ministério da Educação não tem competência para chumbar alunos”, disse aos deputados, em julho passado. Essa competência é do conselho de turma.

Secretário de Estado nega ter mandado chumbar dois alunos do quadro de honra de Famalicão

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Aliás, o mais recente documento sobre todo este processo, um ofício da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), esclarece a escola que a decisão do tribunal é para cumprir. “Em resposta ao solicitado, considerando que as decisões dos conselhos de turma que retêm os alunos em causa estão suspensas, afigura-se que deverão os mesmos ser admitidos provisoriamente – apenas até decisão de providência cautelar, sendo a situação revista em conformidade com a sentença – no ano de escolaridade em que estariam sem que tivessem sido tomadas aquelas decisões dos conselhos de turma”, lê-se no documento, datado de 9 de setembro. As decisões suspensas pelo tribunal são as do conselho de turma, não havendo qualquer menção a uma ordem do secretário de Estado nesse sentido.

Vamos então ver como é que a publicação, com mais de meio milhar de partilhas, relaciona o governante com o chumbo dos dois irmãos.

“Sr. Secretário de Estado da Educação, João Costa, esta assinatura é ou não é a sua?” É com esta frase que começa a publicação de Facebook. Uma das duas imagens que acompanha a acusação é, de facto, da assinatura de João Costa, o que levaria a crer que a publicação é verdadeira. Mas, logo a seguir, está anexada outra imagem, de um documento da DGEstE, e esse não está assinado por João Costa, como o Observador comprovou depois de ter acesso ao documento na íntegra.

É na segunda imagem do post verificado pelo Observador que está a frase que se tenta imputar ao secretário de Estado, fazendo crer que, por baixo dela, virá a sua assinatura. A sublinhado, pode ler-se: “Na prática, tal anulação significa que, encontrando-se os dois alunos, atualmente, no 6.º e 8.º anos de escolaridade, cumprindo os respetivos planos de estudo, terão de regressar, ao 5.º e 7.º anos, respetivamente.”

A publicação foi partilhada mais de 500 vezes

As duas imagens que acompanham a publicação

A associação entre as duas imagens, como se pertencessem ao mesmo documento, é feita no texto da publicação. “O Sr. chumbou os alunos dois anos, depois disse que não os chumbou, perdeu em Tribunal na 1.ª instância, mas agora diz que eles vão passar por ‘vontade do Ministério da Educação’. O Sr. é simplesmente um tirano e um mentiroso.”

Por objeção de consciência dos pais, dois irmãos faltaram às aulas da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Por ser de frequência obrigatória, e não tendo a escola aceite a justificação dos pais para as faltas (que passava pela objeção de consciência a alguns dos conteúdos lecionados), os alunos acabariam por chumbar por excesso de faltas através de um processo administrativo. No entanto, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga admitiu uma providência cautelar da família e suspendeu a eficácia dos atos administrativos.

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Voltando ao início, no primeiro ano letivo em que os irmãos faltaram às aulas de Cidadania (2018/2019), ambos puderam transitar para o ano seguinte, apesar das faltas, por decisão do conselho de turma, decisão essa que está agora a ser investigada.

No ano letivo seguinte, 2019/2020, a objeção de consciência dos pais manteve-se e o diretor da escola pediu a intervenção da DGEstE. A 27 de fevereiro de 2020, o diretor entregou aos encarregados de educação a notificação dos ofícios da DGEstE (o documento na segunda imagem), da Direção de Serviços da Região Norte e respetivos anexos. Entre eles está o parecer da Inspeção Geral da Educação e da Ciência e um despacho do secretário de Estado, datado de 16 de janeiro de 2020 — é este o documento que aparece na primeira imagem da publicação.

Nesse parecer, João Costa dava seguimento ao parecer da IGEC, que considerava que a passagem de ano decidida pelo conselho de turma no ano anterior era ilegal e que, para resolver o problema, os alunos tinham de cumprir o Plano de Recuperação das Aprendizagens, conforme previsto na lei. Caso não o fizessem, teriam de regressar ao 5.º e 7.º ano.

No despacho assinado pelo secretário de Estado nunca aparece a frase da segunda imagem. Sobre a reposição da legalidade pode ler-se o seguinte:

“Sem prejuízo do supra expendido e da necessidade/obrigatoriedade de reposição da legalidade, importa referir que será sobre os alunos menores de idade e, portanto, com pouca capacidade reativa a conduta que lhes foi (e é) imposta pelos pais que irão recair e sofrer as consequências da prática de um ato administrativo que reponha da legalidade, os quais, de acordo com o conselho de turma, têm um percurso escolar exemplar e digno de nota.

Por outro lado, não se encontra na disponibilidade dos pais a decisão sobre quais as disciplinas que os filhos/educandos poderão assistir ao que acresce que a aceitação / passividade perante tal atitude poderá legitimar condutas semelhantes. Nessa medida, entende-se que a situação deve ser globalmente aferida e tratada pela escola, dando cumprimento ao estipulado no EAEE, designadamente, através da preparação de um plano de recuperação das aprendizagens pelos alunos em causa, relativamente a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, nos termos legais.”

Excerto do despacho assinado por João Costa

O documento é datado de 16 janeiro

Quanto ao documento que aparece na segunda imagem, o ofício que a DGEstE remeteu à direção do agrupamento de escolas frequentado pelos dois irmãos, a possibilidade do chumbo é assumida, caso falhem outras tentativas de reposição da legalidade. Sobre esse ponto concreto, o que se pode ler no documento é:

“Considerando que a decisão do Conselho de Turma, tomada no final do ano letivo 2018/2019, que determinou a transição de ano dos dois alunos em causa, do 5.º para o 6.º ano de escolaridade e do 7.º para o 8.º ano de escolaridade, é ilegal por violação do disposto na alínea b) do n.° 4. do artigo 21. do EAEE, e para se proceder a reposição da legalidade, deverão, no prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 168.º do CPA (um ano a contar da emissão do ato ilegal), ser cumpridas as seguintes diligências, de forma cumulativa:

  • (1) preparação de um plano de recuperação das aprendizagens para os alunos em causa, relativamente à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento pela Escola, nos termos do estipulado do EAEE;
  • (2) cumprimento do referido plano pelos alunos visados;
  • (3) preenchidos que estejam os requisitos antecedentes, aferir se a situação dos alunos se poderá enquadrar numa das hipóteses previstas na Portaria n. 273-A/2018, de 3 de agosto, em particular no artigo 33.º, que regula os casos especiais de progressão.

Caso tais diligências não sejam cumpridas, o Conselho de Turma ou o respetivo superior hierárquico deverá anular a mencionada decisão de transição, no prazo de um ano a contar da respetiva emissão, que ocorrerá no final do presente ano letivo 2019/2020, nos termos do n.o 2 do artigo 168.° e n.º 3 do artigo 169.º do CPA, devendo ser dado conhecimento dessa decisão a esta Direção de Serviços da Região Norte, da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares.

Na prática, tal anulação significa que, encontrando-se os dois alunos, atualmente, no 6.º e 8.º anos de escolaridade, cumprindo os respetivos planos de estudo, terão de regressar, ao 5.º e 7.º anos, respetivamente.”

A decisão dos pais dos alunos foi a de recusar por diversas vezes os planos de recuperação apresentados pela escola, sempre por objeção de consciência à frequência da disciplina.

Conclusão:

Falso. As duas imagens partilhadas na publicação são de dois documentos diferentes e apenas o primeiro tem a assinatura de João Costa, não sendo verdade que o secretário de Estado tenha assinado um despacho a chumbar os dois alunos.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

ERRADO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

Nota 2: o Observador recebeu um direito de resposta a este artigo.

Nota 3: o Observador republicou o direito de resposta acima referido por deliberação do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

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