Uma publicação no Facebook alega que a Universidade de Oxford, uma das mais prestigiadas universidades do mundo, está a ponderar retirar “partituras clássicas de Beethoven, Mozart e Bach dos cursos de música por serem ‘muito coloniais’”. De acordo com a publicação, datada do início de abril, os docentes querem “reformular” os programas curriculares das disciplinas evitando “repertórios que incluam compositores brancos” e procurando ampliar as “ofertas musicais com estudos como Músicas Africanas” ou “Músicas Globais”.

O argumento utilizado para a reformulação dos cursos será a da “ausência de diversidade” e o facto de o “repertório atual” ser “centrado na ‘música europeia branca’”, que causa “’grande sofrimento aos estudantes negros”, refere a mesma publicação, onde se pode ler que os professores de música terão também questionado se a oferta curricular atual não seria “cúmplice da ‘supremacia branca’”, sugerindo que “certas habilidades” como tocar piano não poderiam ser exigidas aos alunos, uma vez que estas “centralizam estruturalmente a música europeia branca”.

O post que alega que Bach, Beethoven e Mozart foram “cancelados” em Oxford

A proposta terá sido inspirada pelo movimento antirracismo Black Lives Mater que, segundo a imagem que acompanha o post, poderá levar a que Bach, Mozart e Beethoven sejam “cancelados”. Alguns docentes ter-se-ão mostrado contra a reformulação dos cursos, chamando a atenção para o “absurdo” de “achar que compositores clássicos criaram suas obras preocupados com a cor da pele”.

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A publicação em questão cita como fontes um artigo do jornal britânico The Telegraph, publicado no passado dia 27 de março, e um alegada produtora de conteúdos jornalísticos brasileira, a Brasil Paralelo.

Relativamente ao artigo do The Telegraph, trata-se de uma peça que noticia que os professores de Oxford gostariam de reformular os programas curriculares de modo a incluir menos música europeia. De acordo com documentos a que o jornal britânico teve acesso, alguns docentes consideraram que o repertório clássico ensinado em Oxford se foca demasiado em música europeia do período esclavagista e que, por isso, devia ser repensado.

A informação incluída no post é essencialmente a que é apresentada pelo diário britânico, à exceção da alegação de que a universidade pretende retirar dos seus programas Bach, Mozart ou Beethoven. Em parte alguma o artigo do The Telegraph refere que estes compositores foram “cancelados”.

Já a Brasil Paralelo trata-se de uma produtora brasileira que produz vídeos em formato de documentário sobre política, história e temas da atualidade que divulga através do Youtube. Apesar de se apresentar como uma plataforma de conteúdos noticiosos, a produtora tem sido acusada de criar notícias falsas e conteúdos negacionistas que procuram distorcer os factos históricos relacionados com temas como a escravatura, a colonização e a ditadura militar.

A Brasil Paralelo tem sido ligada a Jair Bolsonaro, que participou inclusivamente em várias das suas produções. Fernando Nicolazzi, professor de História na Universidade do Rio Grande do Sul e investigador do Laboratório de Estudos sobre os Usos Políticos do Passado, considerou em declarações ao TAB que a “Brasil Paralelo é uma engrenagem na máquina ideológica bolsonarista”, uma opinião partilhada por outros especialistas e jornalistas.

Contactada pela agência de notícias Associated Press, a Universidade de Oxford negou a existência de qualquer plano para retirar compositores clássicos europeus dos cursos, confirmando, no entanto, a intenção de alargar a oferta atualmente disponível, possibilitando aos alunos “estudar uma gama mais ampla de música não ocidental”. Stephen Rouse, responsável pelo departamento de comunicação da instituição, atribuiu muitas das posições citadas pelo The Telegraph a um único indivíduo, recusando que seja essa a opinião dos professores de música da instituição.

“Estamos a explorar novas formas de aumentar as oportunidades que damos aos nossos alunos de estudar uma gama mais ampla de música não ocidental e popular de vários pontos do mundo do que aquelas que são atualmente oferecidas, assim como de composição musical, psicologia e sociologia da música, educação musical, condução de orquestra e muito mais”, referiu a universidade num comunicado enviado à Associated Press.

Conclusão

A Universidade de Oxford não está a ponderar retirar dos seus programas compositores clássicos europeus como Bach, Mozart ou Beethoven por serem “muito coloniais”. A publicação, que tem origem numa notícia de março do The Telegraph, cita posições que, segundo a instituição, são defendidas por um único indivíduo e não pela grande maioria dos professores de música. O que Oxford pretende é alargar a oferta atualmente disponível, possibilitando aos alunos “estudar uma gama mais ampla de música não ocidental”, mantendo no entanto o estudo de obras europeias.  No Brasil, esta falsa informação terá, segundo refere a publicação em análise, sido veiculada pela Brasil Paralelo, uma produtora de conteúdos acusada de criar notícias falsas que procuram distorcer os factos históricos relacionados com temas como o colonialismo e a escravatura.

É verdade que o jornal britânico The Telegraph noticiou esta questão e que o assunto foi questionado por, no mínimo, um professor da Universidade de Oxford, que questionou se a oferta curricular não seria “cúmplice da ‘supremacia branca”. A situação é, no entanto, amplificada e adulterada pelo autor da publicação que toma a posição deste professor como uma posição da universidade. Diz ainda de forma abusiva em letras garrafais que os compositores foram “cancelados”, o que não corresponde à verdade.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

*Nota: A classificação do fact check foi alterada de “falso” para “enganador” porque embora enganadora a publicação não é completamente falsa, tendo elementos verdadeiros (nomeadamente quando cita o jornal The Telegraph)

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