Investimento, confiança dos agentes económicos e crescimento. Estes são três dos “bons resultados” económicos que António Costa levou no bolso para a abertura do debate sobre o Estado da Nação — são dados que, na ótica do primeiro-ministro, estão a originar uma “decisiva criação de confiança nos agentes económicos“.
O que está em causa?
António Costa disse no Parlamento que a “confiança dos consumidores está nos máximos de sempre” e o “clima económico está em máximos dos últimos 15 anos”. Este é, para o primeiro-ministro, um dos sinais mais claros de que “havia, afinal, uma alternativa” para, com uma “política diferente”, estimular a economia no pós-troika.
O primeiro-ministro destacou, também, que o “investimento em volume teve no primeiro trimestre o maior crescimento homólogo dos últimos 18 anos”. E, além disso, “os indicadores avançados mostram a manutenção ou a aceleração deste ritmo de aumento do investimento”.
Estes são fatores que, diz António Costa, ajudaram a economia a ter “o maior crescimento desde o início do século, retomando a convergência com o resto da Europa”.
Quais são os factos?
Esta quarta-feira, mesmo, houve mais um organismo a falar de “sinais inequívocos de uma recuperação cíclica” na economia portuguesa. Foi a Universidade Católica, pelo seu laboratório de previsões económicas, o NECEP, que apontou para um crescimento de 2,7% para a economia portuguesa em 2017.
A confiança dos consumidores é, de facto, um dos indicadores mencionados pelos economistas para enquadrar os indicadores económicos mais saudáveis. Eis o que diz o Instituto Nacional de Estatística (INE) num destaque publicado no final de junho:
O indicador de confiança dos Consumidores aumentou em junho, prolongando a trajetória positiva observada desde o início de 2013 e renovando o valor máximo da série iniciada em novembro de 1997.”
Existe, porém, uma ressalva metodológica importante a fazer: o indicador de confiança do consumidor ilustrado acima é um indicador qualitativo, resultante de saldos de respostas. E não é indicativo de níveis absolutos de bem-estar mas, sim, de uma apreciação qualitativa face à tendência de determinada situação. O que significa que não se pode dizer que as pessoas estão a ver a economia tão bem quanto viam em 2000 (em “economês”, o stock) mas, sim, que desde 2000 que não era tão predominante a opinião de que as coisas irão melhorar face à situação atual (o fluxo, ou seja, a variação).
O mesmo relatório também salienta que o “indicador de clima económico aumentou entre janeiro e junho, atingindo o máximo desde junho de 2002″, em linha, também, com o relato feito por António Costa.
O primeiro-ministro fala, também, de um aumento do investimento que foi o maior crescimento homólogo dos últimos 18 anos. Antes de mais, há que lembrar que a comparação na rubrica do investimento é homóloga, ou seja, compara com o início de 2016 — um momento que ficou marcado por uma grande incerteza política, sobretudo com a negociação turbulenta com a Comissão Europeia a colocar em risco o rating de Portugal, o único acima de lixo, atribuído pela DBRS.
Por outras palavras, é impossível dizer se o investimento teria estagnado tanto quanto estagnou caso não tivesse havido mudança de governo. Mas o comentário que existiu na altura, por parte de economistas e outros analistas, leva a crer que não teria havido uma quebra, pelo menos tão súbita.
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Assim, qualquer comparação do investimento nos primeiros meses de 2017 beneficia sempre de um efeito base favorável que foi a péssima conjuntura que existiu nos primeiros meses de 2016.
Os números confirmam, no entanto, que o crescimento do investimento em formação bruta de capital fixo, sem inventários, o crescimento homólogo de 8,9% foi o maior desde o último trimestre de 1998. Porém, em termos absolutos (em preços constantes), o investimento no primeiro trimestre de 2017 (7,34 mil milhões) continua abaixo, por exemplo, do registado no primeiro trimestre de 2012 (7,41 mil milhões).
A questão, aqui, é se será ou não possível manter este ritmo de crescimento até ao final do ano. Os indicadores avançados que existem confirmam que é possível que assim seja. O indicador de formação bruta de capital fixo na última síntese de conjuntura registou 13,7 pontos em Abril, acima dos valores de janeiro (9,9), fevereiro (10,5) e março (10,7), sobretudo graças ao investimento em materiais de transportes.
Num relatório publicado pelo INE no último dia 7 de julho, que se baseia em inquéritos feitos em abril, o investimento empresarial em termos nominais deverá melhorar 5,1% em 2017, que compara com a previsão de 3,8% obtida pelo inquérito de outubro de 2016.
Finalmente, António Costa tem razão quando diz que o crescimento económico está, “finalmente”, a convergir com o crescimento no resto da Europa? Portugal teve no primeiro trimestre de 2017 o seu terceiro mês a crescer acima da média europeia.
O gráfico seguinte mostra a evolução da taxa de crescimento homólogo de Portugal, em comparação com a média da zona euro.
O gráfico ilustra como, depois da forte divergência que marcou, sobretudo, os anos de 2012 e início de 2013, a economia portuguesa (linha branca) chegou a ter taxas de crescimento homólogo superiores à média da zona euro (linha amarela) na viragem de 2013 para 2014. O crescimento voltou em 2015 e 2016 a ficar abaixo da média europeia, o que terá leituras diferentes conforme o prisma político — a esquerda diz que 2016 foi o ano do início da reviravolta, a direita diz que foi um “ano perdido” (Maria Luís Albuquerque dixit).
Conclusão
Praticamente certo. Os números avançados por António Costa estão globalmente corretos, ainda que o primeiro-ministro não tenha feito uma análise aprofundada que revelaria que nem todos os indicadores são do seu exclusivo mérito e, além disso, alguns indicadores económicos podem ser tão expressivos não por serem progressos mas por serem, em alguns casos, recuperações de retrocessos. Exemplo: a recuperação homóloga do investimento pode só ser tão expressiva porque o início de 2016 foi tão difícil.
O aumento da confiança é inequívoco, mas a questão é saber com que momento é que estamos a comparar — com o início de 2015, altura do governo de Passos Coelho, com o início de 2016 (os primeiros meses da maioria de esquerda) ou, claro, com um hipotético contrafactual que seria a continuação do governo PSD-CDS e a ausência da turbulência que marcou os meses com os quais alguns indicadores económicos homólogos estão, agora, a comparar-se.