No início desta semana surgiu uma campanha de crowdfunding da autoria de António Rolo Duarte, ex-comentador da TVI24 e filho do jornalista Pedro Rolo Duarte, que alegava, entre outras coisas, o seguinte: “O governo português pregou-me uma partida. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) adiou a atribuição das bolsas de doutoramento”. Rolo Duarte pedia então, a quem quisesse, “que lhe pagassem um café (um euro)” para que conseguisse reunir 25 mil euros, o necessário para “viabilizar o doutoramento na Universidade de Cambridge” (Reino Unido), propinas que teria de pagar até final de agosto. Essa campanha, que inclui um site e um vídeo, foi partilhada pelo próprio nas redes sociais, tendo chegado à comunicação social depois de criar polémica na comunidade científica. A campanha foi interrompida e depois retomada, tendo ultrapassado a barreira dos sete mil euros (no dia 6 de agosto, à tarde), terminando as doações a 28 de agosto. Trata-se, no entanto, de uma campanha baseada em premissas enganadoras e pouco rigorosas que não correspondem à verdade.
“Pagar um café a António Rolo Duarte”. Este é o nome da campanha de crowdfunding lançada por António Rolo Duarte no início desta semana, que pretende realizar um doutoramento em História de Portugal na Universidade de Cambridge – onde já fez o mestrado – e que se candidatou a uma bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) para esse efeito. Rolo Duarte apontou o adiamento da atribuição das bolsas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia como o pressuposto do problema. Acontece que, ao contrário do que António Rolo Duarte alega, não houve qualquer atraso na atribuição das bolsas de doutoramento este ano, segundo apurou o Observador junto da FCT, a entidade responsável por atribuir financiamento à ciência em Portugal. “Não existe nenhum adiamento para a atribuição das bolsas de doutoramento no concurso de 2020. O único adiamento que ocorreu, para benefício dos candidatos, foi a prorrogação do período de candidaturas em um mês, que terminou a 28 de abril, devido às dificuldades causadas pela pandemia da Covid-19. Todo o processo está a decorrer com normalidade”, garante a FCT ao Observador.
Em entrevista ao jornal Público, já depois de a FCT ter desmentido a afirmação de Rolo Duarte, o próprio explicou que contactou a instituição e que teria sido informado de que antes de novembro não seriam atribuídas as bolsas. A instituição não conseguiu apurar o que lhe teria sido dito, mas garantiu que a mesma informação foi passada, via email, a várias pessoas. Umas horas depois, Rolo Duarte voltaria a defender-se na sua página pessoal de Facebook, afirmando que tinha sido informado que as bolsas não seriam atribuídas antes de novembro..
Ora, para esclarecer esta situação, é necessário, mais uma vez, perceber o que está no regulamento, como funciona e de que bolsa estamos a falar. Este concurso de Bolsas de Investigação para Doutoramento “recebeu, este ano, 3797 candidaturas e prevê a atribuição de 1350 bolsas, como consta do aviso de abertura do concurso”, afirma a FCT. Também depois de verificação, a FCT garantiu que António Rolo Duarte apresentou a sua candidatura, estando agora a ser avaliada por um painel de personalidades independentes ligadas à área científica, como acontece com as restantes candidaturas, procedimento que é habitual.
Também, como confirmado pela instituição, feita a tal prorrogação dos prazos admitida pela FCT, e olhando para o prazo legal do anúncio dos resultados provisórios, que é de 90 dias úteis, a data final seria a 3 de setembro. Ou seja, antes dessa data, António Rolo Duarte não poderá saber se lhe será atribuída a bolsa. E mesmo então, os resultados poderão não ser definitivos, tendo os candidatos ainda 10 dias úteis para reclamar da decisão, se assim o entenderem, e a instituição mais 60 dias úteis para voltar a avaliar os processos em questão.
Prevê-se, por isso, que os resultados definitivos saiam entre final de outubro e início de novembro – algo que também aconteceu no ano passado, como confirmado pela instituição ao Observador. Por isso, mesmo que Rolo Duarte tenha de pagar propinas a Cambridge em agosto, nunca poderá ser através do montante da bolsa à qual é candidato porque não será possível saber o resultado da sua candidatura até final de agosto. Poderia dar-se o caso de o autor já ser bolseiro e de estar à espera de receber algum tipo de comparticipação por parte da FCT, mas tal também não se confirma. “Ele deduziu que não havia uma data fixa. Sim, não há, mas será a contar dentro dos prazos”, comentou fonte ligada à instituição.
Além disso, como confirmado ao Observador por uma bolseira da Associação de Bolseiros de Investigação Científica, que quis manter o anonimato, é preciso esclarecer o seguinte: mesmo depois de saber os resultados definitivos, o bolseiro tem de receber os contratos para assinatura. Aí sim, costuma haver atrasos, o que faz com que os pagamentos por parte da FCT também tardem em chegar – o que leva a que algumas universidades aceitem o pagamento das propinas mais tarde, sob prova de o aluno ter sido aceite como bolseiro. “A FCT tem cumprido os prazos nos últimos anos. O que tem havido é um atraso, após resultados definitivos, na assinatura dos contratos”, revela. Ou seja, um estudante de doutoramento pode ir para uma universidade, portuguesa ou estrangeira, recebendo o montante da bolsa, com retroativos, apenas meses mais tarde. É por isso, e como exemplificado no grupo da Associação, que muitos bolseiros têm de trabalhar antes de iniciarem o doutoramento, já que têm de assinar uma minuta de exclusividade para usufruir dessa mesma bolsa.
Além disso, as bolsas aprovadas têm início no dia um do mês que o candidato escolhe e que faz parte do contrato de bolsa que assina com a FCT, como explicado pela própria instituição. Ou seja, o início da bolsa não pode ocorrer antes de 1 de setembro de 2020 nem após 1 de agosto de 2021. “Estas regras são válidas para todas as bolsas, seja o plano de estudos realizado em Portugal ou no estrangeiro”, garante a entidade. Se a candidatura de Rolo Duarte for aceite, nenhum valor lhe poderá ser pago antes de setembro de 2020.
Outra das ideias implícitas na campanha de crowdfunding é que a FCT daria 25 mil euros a António Rolo Duarte, o que também acaba por estar mal explicado. Sim, o aluno em questão foi aceite, ainda que de forma condicional, para iniciar o seu doutoramento a 1 de outubro deste ano na Universidade de Cambridge. Essa garantia foi dada ao Observador pelo orientador de Rolo Duarte, o professor Pedro Ramos Pinto, via email. “Essa aceitação foi condicional, como é para todos os candidatos à confirmação de possibilidades financeiras (particulares ou por bolsa) para cobrir as propinas e outros encargos”, afirma. Portanto, cada candidato tem de dar provas de que vai conseguir ter acesso a fundos suficientes para completar os respetivos estudos que, neste caso, vão decorrer em Cambridge. Pedro Ramos Pinto adianta ainda que Rolo Duarte lhe enviou um email “expressando a sua frustração com o facto de os resultados do concurso a bolsas de doutoramento não estarem disponíveis num prazo que permitisse a satisfação destes requisitos com vista ao início do doutoramento em outubro”, daí ter surgido a ideia da campanha, que o orientador se escusou a comentar.
Rolo Duarte é candidato e não estudante de doutoramento, como alega na sua campanha, porque só se pode matricular no início do ano letivo, estando, “como é normal”, nesta altura, em contacto com a faculdade para tratar do alojamento e da declaração de garantias financeiras, como indicado pelo seu orientador. Ora, não ficando claro por parte de Rolo Duarte que valores terá de pagar em finais de agosto, depreende-se que terá assumido esse compromisso. Depois, em Cambridge, a universidade divide-se em colégios, que podem mudar as regras de pagamento das propinas. Há uns que preferem o pagamento todo de uma só vez, outros dão a hipótese de este poder ser faseado.
Não havendo garantias do montante que Rolo Duarte terá de pagar, é necessário olhar para o custo, tanto das propinas, como do “pacote” de propinas mais alojamento no campus universitário e outros gastos, estimados anualmente por Cambridge, como descrito no site oficial da universidade. O custo estimado das propinas anuais para o Doutoramento em História é de 8589 libras, ou seja, cerca de 9500 euros. O custo estimado do alojamento e outras despesas é de 14850 libras, ou seja, 16432 euros. No total, 23439 libras, ou seja, 25936 euros, valores anuais e próximo do pretendido por Rolo Duarte, quando afirma que necessita de 25 mil euros já em finais de agosto. No máximo, o que teria de pagar já, seria um ano de propinas mais um trimestre de alojamento, fora outras despesas – valor que não ascenderia ao pretendido pela campanha. Ou seja, quando Rolo Duarte alega, em vídeo, que o valor das propinas é de “25 mil euros”, não está a ser correto. É claro que, e como referido por outro bolseiro ao Observador, não havendo esse pagamento da FCT no início do ano letivo, é preciso que o doutorando faça esse investimento inicial de modo a poder iniciar os seus estudos.
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Feitas estas contas, será necessário perceber qual é o valor da bolsa de doutoramento da FCT, que varia para alunos que façam os seus estudos em universidades estrangeiras, portuguesas ou nas duas. “As bolsas de Investigação para doutoramento atribuídas pela FCT têm o valor mensal de 1064 euros para planos de estudo realizados em Portugal e de 1865 euros para planos de estudo realizados fora de Portugal, com uma duração máxima de 48 meses. A FCT também comparticipa as propinas pagas pelo aluno, que no caso de um plano de estudos no estrangeiro tem o teto máximo de 8 mil euros por ano, até ao máximo de 4 anos” – valor que poderá ser pago diretamente à universidade, não passando pelo bolseiro, mas que terá de ser sempre utilizado para esse efeito. Pode ainda usufruir de um subsídio único, quer de viagem (300 euros), quer de instalação (1000 euros). Se efetuar exclusivamente trabalho no estrangeiro, Rolo Duarte receberá diretamente 22380 euros, uma quantia diferente dos 25 mil euros que pede. Por outro lado, nunca, em circunstância alguma, Rolo Duarte receberia um valor tão alto por parte daquela entidade, de uma só vez, como aquele que pede na sua campanha de crowdfunding.
Contactado pelo Observador, António Rolo Duarte escusou-se a comentar e encaminhou mais esclarecimentos para a sua campanha e para outras notícias da imprensa.
Conclusão
António Rolo Duarte lançou, esta semana, uma campanha de crowdfunding para financiar o seu doutoramento em História na Universidade de Cambridge. Pedia 25 mil euros para poder pagar as propinas até finais de agosto. A causa está relacionada com um suposto adiamento da atribuição de bolsas de doutoramento por parte do Ministério da Tecnologia, da Ciência Ensino Superior. A Fundação de Ciência e Tecnologia que gere e financia estas bolsas, garantiu ao Observador que tal adiamento não se verificou, estando o processo a decorrer com toda a normalidade – com a ressalva de que os prazos foram prorrogados por causa da pandemia. Os resultados provisórios das candidaturas saem até 3 de setembro, podendo ser contestados pelos candidatos e novamente avaliados pela FCT, em prazos que vão atirar a lista definitiva de bolseiros para finais de outubro, inícios de novembro. Ou seja, ao contrário do que é transmitido pela campanha, Rolo Duarte não é ainda bolseiro da FCT, mas sim candidato a uma bolsa. Em relação aos valores das bolsas pago por esta entidade, elas são pagas mensalmente, não atingindo, porém um valor anual de 25 mil euros. Já quanto às propinas de Cambridge, o valor das propinas a ser pago todo de uma vez, logo no início, rondaria os 9 mil euros – valor muito distante do pedido pelo candidato a bolseiro. Embora seja verdade que existem universidades que pedem o valor das propinas logo no início do ano letivo, se o doutorando for bolseiro, receberá, em retroativos, esse mesmo valor mais tarde. E ainda que os atrasos após a assinatura dos contratos entre a FCT e os bolseiros seja uma realidade, Rolo Duarte nunca poderia estar seguro de que receberia já esse valor em agosto, porque, por um lado, ainda é apenas candidato à bolsa de doutoramento e, por outro, o início da bolsa será contabilizado apenas a partir de 1 de setembro.
Assim de acordo com o sistema de classificação do Observador este conteúdo é:
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.