No mais recente videoclip dos Mão Morta, o vocalista Adolfo Luxúria Canibal aparece a matar figuras destacadas da cena política e social sob o pretexto de essa ser a única “resposta poética à crise”. O tema gerou controversa e levantou a questão de se a mensagem pode ser lida como um apelo à violência ou se a liberdade de criação artística é imune a estas interpretações.
Francisco José Viegas, escritor e ex-secretário de Estado da Cultura, defende que não se pode tratar de um incentivo à violência. Até porque “as pessoas são mais inteligentes do que se pensa”, diz ao Observador. Trata-se apenas de “uma tentativa para ter ‘likes’ no facebook”, defende o escritor, acrescentando que o tema não chega a ser uma sátira nem uma crítica política – mas apenas uma “provocação”.
O cronista Pedro Mexia está mais indeciso: “Do ponto de vista político ou ideológico, o vídeo é lamentável”, diz ao Observador, reiterando que “não se pode aceitar a defesa da violência em democracia”. Mas do ponto de vista artístico “não se pode dizer que apela à violência porque isso seria tornar literal o discurso da arte”. Ou seja, depende do contexto interpretativo.
No primeiro vídeo de promoção do disco, Adolfo Luxúria Canibal é claro nas palavras. O álbum conta a história de “um indivíduo solitário que passa a sentir necessidade de intervir de forma eficaz”. “E a única forma eficaz que encontra é de matar”, diz. No videoclip passa das palavras aos atos e é visto a ‘matar’ a tiro homens e mulheres que representam os vários setores da sociedade, da religião à política, passando pela justiça e o setor bancário. Ao mesmo tempo, em plano de fundo, passam imagens de personalidades políticas como Passos Coelho, Cavaco Silva, Paulo Portas, António Gueterres ou Mário Soares.
Para o sociólogo e crítico de música Augusto Seabra trata-se de um exercício de liberdade de expressão, sim, mas que resvala o “populismo anti-democrático”, pelo “uso de uma arma de fogo associado a uma conjunto de imagens políticas”. E isso pode ser perigoso para a interpretação, diz ao Observador.
Apesar de sublinhar as dúvidas de que o trabalho seja “interessante” do ponto de vista musical, Pedro Mexia nota que a nova música da banda de Braga é coerente com o imaginário violento, surrealista, anarquista e de repugnância perante a sociedade transversal ao trabalho dos Mãos Morta e em particular de Adolfo Luxúria Canibal.
Para sustentar o seu ‘manifesto’ falado, o controverso cantor recorre mesmo ao histórico fundador da corrente surrealista André Breton, para dizer que “o ato poético mais simples é sair para o meio da rua com uma arma na mão e disparar ao acaso”. Um exercício que, segundo Pedro Mexia, “não é sensato” do ponto de vista cívico, mas que não pode ser dissociado da ideia de que é uma expressão artística, boa ou má – “não é isso que interessa” – e, como tal, “com autonomia”. Se as mesmas palavras fossem proferidas num cenário político, ai sim, seria um claro incentivo à violência, diz.
“Se alguém quer ir fazer política, deve ir fazer política”, remata Francisco José Viegas. “Não é de bom tom pôr-se a ‘matar’ pessoas”.
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