Hoje fazemos 23 anos de casados e ainda nem consigo acreditar |
É estranho que, dois anos antes da Prata, venha a Palha. Supus que, nisto das bodas, os elementos fossem escalando em importância, sobretudo tendo em conta as mais conhecidas: 25 anos – prata; 50 anos – ouro; 60 anos – diamante. Assim sendo, palha tão próximo da prata, pareceu-me estranho. É certo que serve de alimento a muitos animais, e que se fazem bonitos chapéus, cestas e cadeiras. Mas também não é à toa que se diz “por dá cá aquela palha” para referir algo insignificante. Como símbolo de 23 anos de casamento (vinte-e-três!), parece-me um elemento um tanto ou quanto fajuto. Mas é o que temos. |
Hoje celebramos, cá em casa, as Bodas de Palha. Adoraríamos não estar a mexer uma palha, como forma de festejo, mas estamos, ao invés, a pintar portas de armários na nossa casa nova, a ver se aceleramos as obras de uma vez por todas. Aqui, no monte, há – nem de propósito – palha aos molhos, já em fardos para seguir para o gado. Claro que já tirámos a fotografia da praxe, com o elemento da celebração em pano de fundo. |
Sosseguem. Não vou escrever toda uma newsletter sobre gramíneas secas. Até porque isso seria só – lá está – “palha”. O que hoje tenho para vos dizer é que nunca, nos meus sonhos mais selvagens, pensei chegar aqui. No dia do meu casamento, fui a achar que iria casar, divorciar-me, e (eventualmente) ser feliz para sempre. |
Não sei bem de onde me vinha esta convicção. Provavelmente do facto de ser filha de pais divorciados e de ter assistido, ao longo do tempo, a divórcios saltitando aqui e além, como se fossem pipocas. Tinha, dos homens, a visão erradamente generalizada (como todas as generalizações) de que eram todos instáveis e levianos, e sabia que jamais quereria ficar refém de uma relação que me deixasse mais só do que acompanhada. |
Casei por amor, mas sem fé. E não falo da fé em Deus, que também não tenho. Falo mesmo da fé no amor. O Ricardo não casou enganado. Sabia ao que ia. Conversámos, durante longuíssimas horas, sobre esta minha descrença. Sobre a minha ideia de que seguiríamos, mais cedo ou mais tarde, rumos distintos. Nessas conversas, o meu marido dizia-me que o que mais queria na vida era chegar a velho, olhar-me nos olhos e dizer-me: “Vês? Olha para nós. Olha até onde chegámos juntos.” Pareceu-me utópico, mas fofo. Lírico, mas romântico. Impossível, mas querido. |
Agora que passaram 23 anos, é como se já tivéssemos chegado ao futuro de que ele falava. Ainda não estamos velhos (não muito, pelo menos), mas já sinto que termos chegado até aqui e gostarmos ainda mais um do outro do que no dia em que dissemos “sim”, é um motivo de orgulho (diria mesmo gáudio, no meu caso). |
Ainda podemos separar-nos, claro. Continuo sem certezas (tenho hoje bastante menos do que já tive no passado, e já eram poucas), mas tenho uma: as pessoas mudam, desinteressam-se umas das outras, perdem-se pelo caminho. Zangam-se, magoam-se, afastam-se. Conhecem outras. Apaixonam-se. E isso pode acontecer a qualquer um de nós os dois, ainda que hoje achemos isso impossível. Em bom rigor, eu continuo a achar possível. Só já não acho, como achei durante anos, que seja provável. |
Muitas pessoas perguntam-nos qual o segredo para um casamento feliz. Ah, sim, porque não basta hastear a bandeira das bodas de palha! É hasteá-la com o brio de saber que ela representa um casamento mesmo feliz. Não é como algumas relações, que se arrastam no tempo, mas que deviam ter acabado há muito. Não adianta ficar ao lado de alguém quando se preferia ter ficado sozinho, só para hastear bandeiras de longevidade, ou de segurança, ou de aparente (mas falsa) felicidade. |
Quanto ao segredo… não sei se há um, ou uma mão cheia deles. Também não sei se resulta quando se aplicam esses “segredos” como se fossem óleo de fígado de bacalhau ou unguentos para curar maleitas. Acho que, em primeiro lugar, é preciso ter sorte na escolha da pessoa com quem se decide passar o resto da vida. Não escamoteio a sorte, como tantas pessoas que, do alto da sua fortuna, escarnecem das demais dizendo coisas como “a sorte dá muito trabalho”, como se as que tiveram azar tivessem sido simplesmente preguiçosas. |
Não é verdade. A sorte existe. Em tudo. Começa logo (e principalmente) no nascimento. Nascer em Portugal não é o mesmo que nascer no Sudão. Nascer em Lisboa não é o mesmo que nascer em Rabo de Peixe. O mesmo quando se encontra alguém. Encontrar um Ricardo não é o mesmo que encontrar um tipo qualquer que não me dissesse todos os dias (todos!) que sou bonita e que sente orgulho em mim e que gosta de mim desmesuradamente. Essa foi a minha sorte. |
Depois vem o trabalho, claro. Mas quando se tem esta sorte inicial, o trabalho que é feito com prazer, leveza e naturalidade. É o trabalho de regar a planta que se quer viçosa. De nunca nos esquecermos de regar a planta. Se ela é boa, se tem boa terra, se tem bom vaso, em princípio só morre se não a regarmos, se não a adubarmos. |
Regar uma relação, adubar uma relação é cuidar dela. É não deixar que a rotina se instale, como erva daninha. É cultivar a relação a dois, mesmo depois dos filhos. É continuar a encontrar genuíno prazer em fazer programas, como quando se namorava. É passar tempo de qualidade. É não esquecer a intimidade. É não perder de vista o humor. É perdoar. Não ficar a remoer. Não guardar rancor. É não deixar que o não-dito ganhe terreno e se transforme numa espécie de fungo destrutivo. E é (e talvez este, para mim, seja então “o segredo”) continuar sempre a fazer projetos, a traçar sonhos, a reinventar a vida. |
Arnaldo Jabor (1940-2022), cineasta e jornalista brasileiro, escreveu este texto com o qual me identifiquei a 200%. Dizia ele, nesse pedaço de sabedoria: “Hoje em dia, o divórcio é inevitável, não dá para escapar. Ninguém aguenta conviver com a mesma pessoa por uma eternidade. Eu, na realidade já estou em meu terceiro casamento – a única diferença é que casei três vezes com a mesma mulher. Minha esposa, se não me engano está em seu quinto, porque ela pensou em pegar as malas mais vezes que eu.” |
Sempre que volto a este texto, sorrio. Porque está lá tudo: “O segredo no fundo é renovar o casamento e não procurar um casamento novo. Isso exige alguns cuidados e preocupações que são esquecidos no dia-a-dia do casal. De tempos em tempos, é preciso renovar a relação. De tempos em tempos é preciso voltar a namorar, voltar a cortejar, seduzir e ser seduzido. Há quanto tempo vocês não saem para dançar? Há quanto tempo você não tenta conquistá-la ou conquistá-lo como se seu par fosse um pretendente em potencial? Há quanto tempo não fazem uma lua-de-mel, sem os filhos eternamente brigando para ter a sua irrestrita atenção? Sem falar dos inúmeros quilos que se acrescentaram a você depois do casamento. Mulher e marido que se separam perdem 10 quilos em um único mês, por que vocês não podem conseguir o mesmo?” |
Aqui em casa já nos divorciámos um do outro algumas vezes. Em 2003 tivemos uma crise tão grave que estivemos mesmo por um fio (felizmente, saímos tão reforçados que desse fio fizemos um cordão de aço). Já emagrecemos. Já engordámos. Já comprámos casas, já vendemos. Já tirámos a carta de patrão local (devíamos andar mesmo entediados, que raio nos passou pela cabeça para tirar azimutes e saber navegar – para quê?). Já tirámos a carta de mota. Viajámos. Tivemos quatro filhos. Fizemos planos. Abrimos uma empresa. Corremos maratonas. Fizemos triatlos. Estamos sempre, mas sempre a inventar. Só nos faz sentido viver assim: a baralhar para tornar a dar. Caso contrário, como dizia Arnaldo Jabor: “Ninguém aguenta a mesma mulher ou o mesmo marido por trinta anos com a mesma roupa, o mesmo batom, com os mesmos amigos, com as mesmas piadas.” Talvez esse seja mesmo O segredo. |
Hoje celebramos as nossas Bodas de Palha. Nunca a palha me pareceu tão valiosa. |
Vale a Pena… |
… Ir com a família a um Escape Room
A ideia é simples: enfiam-vos numa sala, fecham a porta, e dão-vos X tempo para conseguirem desvendar os vários enigmas que estão lá dentro por desvendar. Pode ser muito divertido, até porque, com o passar dos minutos, a tensão aumenta e de repente pode andar tudo quase à chapada para tentar descobrir onde raio está a chave que vos vai tirar dali. Há vários Escape Rooms em Lisboa e nem todos dão para os mais novos. Mas há uns que são mesmo recomendados para eles. O Puzzle Room tem de tudo e no Assalto Júnior podem participar crianças dos 8 anos aos 14 anos, acompanhadas por um ou dois adultos.
Até 7 crianças: 85 euros. De 8 a 10 crianças: 120 euros |
… Ler o livro Tu Vais Ser Aquilo que Quiseres Ser
É uma daquelas perguntas que todos já nos fizemos pelo menos uma vez na vida: “O que vou ser quando for grande?” Já para não falar nas vezes que nos fizeram – a nós – essa pergunta; e as outras, em que fomos nós a fazê-la aos outros. Para alguns, a resposta chegou cedo. Para outros, tarde. Para alguns, ainda não chegou, apesar de já serem grandes. Neste livro, escrito por Sandra Alonso e com ilustrações de Robert Garcia, o Nico não consegue parar de pensar naquilo que vai ser quando crescer. Gosta de imaginar que profissão terá. O problema é que não tem a certeza de qual escolher e isso preocupa-o. Num dia quer ser enfermeiro e no dia seguinte agricultor ou astronauta. Então decide aconselhar-se com os adultos que o rodeiam e todos lhe dão a mesma resposta: vais ser aquilo que quiseres ser. A melhor resposta, digo eu.
(Alma dos Livros) |
… Ir ver golfinhos, com a Terra Incógnita
No semi-rígido vai um skipper e uma bióloga marinha, que vos vão levar a conhecer os golfinhos, no seu habitat. Além dos golfinhos comuns, é frequente avistar-se roazes, botos, golfinhos riscados e aves marinhas como gansos-patolas, andorinhas-do-mar, corvos marinhos. A aventura em Lisboa dura entre duas horas e meia e três horas e a idade mínima para embarcar é 6 anos.
Bilhete normal: 65 euros |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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