O que interessa que um filho ame alguém do mesmo sexo? |
Algumas das discussões mais feias que tive na vida com alguns amigos foram sobre a questão da orientação sexual dos filhos. Aprendi uma lição importante. Das duas uma: ou corto a direito e mudo de amigos, ou, se os quero manter, não posso tocar nesse assunto com alguns deles. Mas este é, de facto, um dos temas que mexe comigo e que é, na verdadeira aceção da palavra, realmente fraturante, no sentido de poder fraturar, por vezes para sempre, aquilo que julgávamos inquebrável. |
Na maior parte das vezes, estas conversas com amigos não chegam a ser bem sérias. É mais aquela frase que tende a querer ser engraçada, mas que, para mim, é logo prenúncio de desgraça: “Antes morrer que ter um filho larilas”, ou outra do mesmo calibre. Não consigo deixar passar. Começa a tremer-me um olho e a discussão começa. Ou a sei parar a tempo ou é óbvio que não vai correr bem. |
O tempo e a idade têm-me dado alguma capacidade de contenção. Por vezes, sei que se trata de provocação pura e simples de quem gosta de me ver em ebulição (consigo dar belos espetáculos pirotécnicos quando me passo). Mas nem sempre a maturidade sobressai. Basta um copo a mais para a coisa dar realmente para o torto. |
Não consigo, por mais anos que passem, entender como é que a orientação sexual de alguém pode ser um problema para outra pessoa que não o próprio (a menos que falemos de abusos, e aí, claro, já envolve terceiros que têm uma palavra a dizer). Menos ainda consigo entender que, para um pai ou para uma mãe, haja qualquer tipo de questão pelo facto de um filho se revelar gay ou lésbica. De todas as vezes que digo isto a uma mesa de um jantar, há sempre alguém que atira um “se fosse contigo, queria ver!” Eu rio-me. Podem ver o que quiserem, podem assistir de bancada. Tragam as pipocas. Mas, acreditem, não haverá qualquer espetáculo que mereça a assistência. |
Não me interessa se os meus filhos amam homens ou mulheres. Sinceramente. O que quero é que sejam felizes. Se um filho algum dia me disser que gosta de pessoas do mesmo sexo, a única coisa que lhe perguntarei é se é feliz, se essa pessoa o/a faz feliz, e pronto. Assunto arrumado. Há quem ache que só o digo porque não me aconteceu. Volto a sorrir. Claro, em última análise, nós só podemos falar daquilo que conhecemos, daquilo que sentimos na pele. Nunca o senti na pele, é certo. Mas julgo conhecer-me há tempo suficiente para saber como seria. |
Quando era criança, teria uns 12 ou 13 anos, lembro-me de viajar com a minha mãe e com uma amiga dela que era lésbica. A minha mãe, sem pruridos ou desconfortos, sempre me disse que a amiga gostava de mulheres, e por mim tudo bem, queria lá saber de quem ela gostava, desde que continuasse a ser uma tipa porreira como até então, tudo ótimo. Um dia, pus-me a pensar: a minha mãe estava sem ninguém desde o divórcio do meu pai, o que sempre me causou apreensão e tristeza. E vai daí que juntei dois mais dois. E, com pezinhos de lã, disse à minha mãe qualquer coisa como: “Quero que saibas uma coisa: se tu fores lésbica, eu não me importo nada. Juro. É-me rigorosamente igual. Por isso, se fores e tiveres problemas em contar, esquece. Vou ficar contente por ti.” |
A minha mãe ia tendo um pequeno colapso. Como raios tinha eu pensado que ela podia ser lésbica? Simples: ela tinha aquela amiga, e podiam perfeitamente ser um casal. Na verdade, eu só queria que ela fosse feliz. E, para mim, ser feliz sozinha era-me mais difícil imaginar do que qualquer outra possibilidade. Ora, se isto já era o que sentia aos 13 anos, relativamente à minha mãe, creio que será fácil imaginar como seria hoje, em relação aos meus filhos. |
Muitos anos depois, quando era jornalista e já tinha dois filhos, recebi um prémio da Rede Ex-aequo por uma reportagem (ou série de reportagens, já não me lembro bem) que tinha feito para o Diário de Notícias sobre este tema. O dia da entrega do prémio coincidia com um dia em que eu e o meu marido estaríamos a viajar. Não houve problema. O meu filho mais velho já sabia ler e fiz questão que fosse ele receber o prémio, e que lesse o meu discurso sobre igualdade e liberdade, porque achei que era importante para a sua educação. Expliquei-lhe tudo, perguntei se poderia contar com ele, e lá foi o Manel receber o prémio da mãe, e dizer que todos deviam poder amar quem quisessem, independentemente do sexo, da cor da pele, do estrato social, ou de qualquer caixinha em que queiram enfiar-nos, à força. Quando me mandaram o vídeo, até chorei de emoção. |
De resto, sempre perguntei aos meus filhos se tinham namorada ou namorado (independentemente de estar a falar com os meus filhos rapazes ou com a rapariga). Quero que saibam que, para mim, essa nunca será uma questão. Quero que saibam que, para mim, está tudo bem. Podem contar-me, não quero que esse seja um stress na vida deles. Interessa-me pouco o género daqueles que amam. Prefiro deter-me nos valores. |
Inesquecível a história da americana Jeanne Manford que, em 1972, desfilou ao lado do filho de 21 anos, homossexual, naquela que terá sido a precursora da parada gay. Sentindo os olhares de espanto dos outros participantes, por ser uma mãe ao lado do filho, sem mostrar qualquer problema com o assunto, Jeanne achou que tinha de fazer mais por todas as famílias com filhos gay. E criou um pequeno grupo de apoio em Manhattan chamado, primeiro, “Parents of Gays” (pais de gays) e depois “Parent and Friends of Lesbian and Gays” (pais e amigos de lésbicas e gays). Hoje é conhecida apenas por PFLAG (Parents Flag , for parents and friends of lesbian and gays). |
No outro dia, um dos participantes de um dos clubes de leitura que organizo contava-me que o namorado tinha sido corrido ao pontapé pela família, assim que contou que era gay. Literalmente posto na rua, foi acolhido por uma avó que, apesar da sua provecta idade, soube que o amor é muito mais importante do que a orientação sexual. Quando lhe perguntei como se sentia com a reação da família, baixou os olhos e preferiu não responder, porque a voz estava demasiado embargada. Há dores que não se descrevem. E a dor de ser rejeitado por mãe e pai simplesmente por não se amar da forma como eles esperavam é incompreensível e insuperável. |
O meu filho mais velho tem uma amiga lésbica. Para ele, tudo normal. Mas não para os pais dela, sobretudo para a mãe. Todo um drama à volta desta questão, como se fosse o fim do mundo. Suponho que muito desta “tragédia” se deva ao facto de ter um filho que, à luz dos outros, não cumpra aquilo que era esperado de si. Junto da família, dos amigos, da vizinhança, ter um filho que não cumpre os cânones é uma espécie de maldição. Para muitos pais, é uma espécie de carimbo que os atesta como “culpados”. As olhos dos outros, sentem que talvez a “culpa” seja deles. E começa a guerra interna para encontrar o momento ou momentos que levaram a que tal “desaire” tenha ocorrido. |
Este pensamento é ainda muito comum, até mesmo junto de pessoas esclarecidas. Um grande, grande amigo, de quem gosto muito, dizia no outro dia que todos os gays têm problemas familiares que, de certo modo, provocaram aquele “desvio”. Falamos de alguém que é filho de médicos, que atestam como válida esta teoria. Eu oiço isto e sinto vários AVC a ocorrerem dentro de mim. Que diabo! Quantos de nós, heterossexuais, não tivemos também problemas familiares? Os famosos “daddy” ou “mummy issues”? E então? Isso fez-nos amar alguém do mesmo sexo? Ok, se forem procurar na comunidade gay, hão-de encontrar muitas pessoas que tiveram conflitos, confrontos, questões intrincadas na família de origem, mas… de uma maneira ou de outra, não temos quase todos? |
No extremo oposto a estes pais, que ostracizam e expulsam e repelem os seus próprios filhos, por quem deviam ter um amor incondicional, recordo a tia Gina. De belíssimas famílias, tinha vários filhos rapazes. E dizia, com imensa graça, nas festas mais “in” da cidade: “De todas as minhas noras, a minha preferida é de longe o Zé Miguel.” Pudera. O Zé Miguel, namorado de um dos filhos, era quem a acompanhava a todo o lado, nomeadamente às compras, com um gosto requintado como o dela, e sempre disponível para a levar a um concerto, a uma ópera, a um teatro. Grande tia Gina. Uma mãe como deviam ser todas. |
Se têm um filho homossexual, por favor, não esqueçam que é o vosso filho (como se fosse, de repente, o meu conselho que vos fosse fazer mudar de mentalidade… isto realmente, presunção e água benta cada qual toma a que quer). Mas a verdade é que me dói a alma saber de tantos filhos rejeitados pela família, por terem cometido único “crime” de amarem alguém do mesmo género. Ou tantos outros que vivem vidas de mentira, só para não correrem o risco de verem os pais voltarem-lhes as costas. Esperemos que, um dia, homens e mulheres possam amar livremente pessoas do mesmo sexo sem que isso seja um bicho de sete cabeças. Sim, parece bizarro que ainda não seja assim. Mas não, ainda não é assim. Já dizia o grande Jorge Palma: “Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar”. |
Vale a Pena… |
… Levar as crianças ao Hospital da Bonecada
Está na Praça Central do Centro Comercial Colombo, em Lisboa, e conta já com 22 edições. É um projeto da Associação de Estudantes da Nova Medical School | Faculdade de Ciências Médicas e o principal objetivo é erradicar a “síndrome da bata branca” nos mais novos. As crianças levam os seus bonecos ao “hospital” para que eles lá sejam tratados, em várias salas. Há um Bloco Operatório, um Consultório, um Consultório Dentista, uma Sala de Nutrição, Triagem, entre outras, dinamizadas por estudantes de diversos cursos da área da saúde, que assumem o papel de profissionais de saúde neste jogo de “faz de conta”. É muito giro e pedagógico. Esperemos que os vossos filhos nunca tenham de ir ao hospital a sério, mas se tiverem, talvez vão substancialmente menos assustados depois desta experiência.
Têm até dia 1 de Maio, ou seja, já têm mesmo pouco tempo. |
… Assistir ao espetáculo dos D’ZRT
Se tiverem filhos adolescentes (ou se os próprios pais foram adolescentes há não muito tempo) e gostarem da banda, pode ser um belo programa. Passados 12 anos, Cifrão, Edmundo e Vintém regressam aos palcos e vão recordar êxitos como Para mim tanto faz, Querer voltar ou Verão Azul.
29 e 30 de Abril e 1 e 2 de Maio, 21h, Altice Arena. Bilhetes a partir de 25 euros |
… Ler o livro Cocuruto
Escrito por Clara Cunha e ilustrado por Vítor Hugo Matos, é um livro amoroso sobre a imaginação das crianças e como é bom deixá-la correr livre. O Cocuruto é um ser mágico que só os mais pequenos conseguem ver. Os adultos já perderam essa magnífica habilidade de deixar as portas da imaginação escancaradas para que entre quem venha por bem. O Cocuruto é mágico, tem poderes incalculáveis e… cada criança tem o seu. Não falam mas comunicam com os olhos, as mãos e a mente. Há muitos, por aí. Resta saber quem já encontrou o seu. Um livro mesmo enternecedor, em que até os adultos vão querer encontrar o seu Cocuruto.
(ed. Livros Horizonte) |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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