Na terça-feira passada, tivemos, nas eleições norte-americanas, um rude despertar para o distanciamento entre a retórica e bolha políticas e a realidade dos eleitores, não só no interior rural, mas também nas cidades norte-americanas. Esse distanciamento deve-se ao ignorar repetido de respostas adequadas aos apelos, populistas ou não, que tocam diretamente no coração das pretensões económicas e sociais da população.
A resposta direta à proposta do Chega de abrir uma revisão constitucional para reduzir o número de deputados para 150 é de que não existem evidências de que Portugal tenha deputados a mais quando comparado com as médias europeias. Porém, existe a sensação, nomeadamente no interior do país, de que há uma falta de representação desse interior nos momentos-chave como o Orçamento de Estado ou nas discussões de grandes obras públicas. Seria, portanto, um erro ignorar o apelo, populista ou não, do Chega para reduzir o número de deputados para 150, na medida em que ele expressa duas preocupações que os portugueses têm em relação à nossa organização política: os gastos dos políticos em assessores, estudos e consultoras, e a representatividade das diferentes regiões do país de forma equitativa.
É por isso que os partidos do arco da governação devem olhar para essa proposta e não descurar todo o seu alcance, propondo, uma alternativa preventivamente. Uma alternativa seria a criação de um Senado das Comunidades, com até cinquenta deputados (dois por Comunidade Intermunicipal, Área Metropolitana ou Região Autónoma), para representar de forma desproporcional estas regiões e as defender nos temas que envolvam políticas e investimentos regionais. Esta representação adicional poderia contribuir para minorar a segunda preocupação, e, se conjugada com uma redução para 180 ou 150 deputados, permitiria ser neutro em custos ou até gerar poupanças para o erário público.
Mas PS e PSD não podem continuar a ignorar os 1,2 milhões de votos que foram “desperdiçados” nas eleições de março, essencialmente no interior do país. Se a abstenção é um dos principais inimigos da democracia porque é que os grandes partidos acham positivo para Portugal, a longo prazo, ignorar estas pessoas que se deslocam para ir votar nos distritos do interior?
Num contexto de redução de deputados, e para manter a representatividade de todos os partidos, é fundamental o Círculo de Compensação Nacional que assegure que todos os votos são valorizados. Esse também é um caminho para aumentar a confiança dos portugueses nos partidos, grandes ou pequenos.
O ambiente político atual não é favorável a entendimentos profundos entre os partidos do arco da governação e vivemos da herança de um acordo sobre descentralização, entre António Costa e Rui Rio, que foi tudo menos claro. Mas ignorar o alcance deste tema é arriscar um novo rude despertar, como aquele que assistimos recentemente nos EUA. Como percebemos da pior forma, não se trata de uma moda, mas uma vaga de fundo que, oito anos depois, virou a democracia mais antiga do mundo do avesso.”