A Associação Nacional dos Profissionais Liberais (ANPL) foi criada há dois anos, em plena pandemia.
A génese da necessidade de uma associação que pudesse assumir a representação destes trabalhadores nomeadamente ao nível da fiscalidade aplicável e proteção social acentuou-se, diria que se tornou mais urgente, face ao abandono a que fomos votados durante esse período.
Simbolicamente apresentamos a nossa associação por altura do 1º de maio de 2021 num artigo de opinião do semanário Expresso, sob o título: “Profissionais Liberais, uma espécie em vias de extinção?“ Denunciávamos então o facto de os apoios para um conjunto de profissionais que se viram impedidos de exercer as suas atividades por via de decisões governamentais, ou indiretamente pela brutal redução da procura dos seus serviços, terem sido pífios, tardios, altamente burocráticos, no fundamental praticamente inexistentes.
Muitos trabalhadores independentes apesar de efetuarem os seus descontos e pagarem os seus impostos viram-se de um dia para o outro sem fontes de rendimento. A segurança social e o governo não foram capazes de implementar medidas atempadas de fazer face a esta situação.
Centenas de milhares de profissionais e atividades foram afetados, faliram, emigraram ou abraçaram outras ocupações de menor valor acrescentado. No geral, viram-se impossibilitados de fazer face aos seus compromissos por via de a proteção da segurança social não ter sido capaz de ir de encontro à génese da sua existência: proteger em situações excecionais.
Mais uma vez fomos como profissionais liberais, com exceção da minoria cujas atividades permitiam o trabalho por via remota, discriminados face a trabalhadores por conta de outrem, do setor publico e privado.
Esperava-se que a lição da pandemia se constituísse num indutor de implementação de uma Estatuto do Profissional Liberal como a ANPL tem proposto, capaz de adaptar a fiscalidade e proteção social à realidade do exercício por conta própria.
Escrevi aqui no Observador, em 1 de maio de 2021, https://observador.pt/opiniao/queremos-ser-e-nao-parecer-profissionais-liberais/, que ”… Portugal tinha perdido uma oportunidade na Presidência do Conselho da União Europeia, na Cimeira Social do Porto, de ter introduzido nos 20 Princípios do Plano de Ação aprovados, uma referência específica aos profissionais liberais e trabalhadores independentes…”
Poderia ainda ter sido possível, incluir os profissionais liberais no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e no Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 apresentados à União Europeia. Tratar-se-ia, não de um favor, mas de um direito, de uma necessidade para o país, fundamental para ajudar a relançar a competitividade da economia, tornando-se imperioso apoiar a solvabilidade dos negócios dos profissionais ou a sua reconversão, bem como promover a sua formação profissional contínua, digitalização e garantir a coesão do tecido social. Nada foi feito, apesar dos apelos da ANPL para que o PRR fosse para a economia real, para as empresas, para os empreendedores e profissionais liberais.
Dois anos passaram e novamente neste 1º de maio de 2023, vimos constar que continuamos a ser ignorados.
A Lei nº 13/2023, que hoje entra em vigor e que altera o código do trabalho e legislação conexa no âmbito do trabalho digno, determina de forma arbitrária que os trabalhadores independentes que emitam recibos em mais de 50% da sua atividade por ano civil, para uma mesma entidade contratante dos seus serviços, sejam considerados “economicamente dependentes”. Assim, ser-lhes-á aplicável o disposto em IRCT, Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho.
Que significa isto?
Uma intromissão do Estado no direito de um profissional liberal contratar os seus serviços com quem o entender; um desincentivo despudorado às organizações que contratam os serviços de profissionais liberais de deixarem de o fazer atingidos os tais 50%. Na prática, afetando relações de prestação de serviços, por via da cegueira ideológica de querer fazer de todos os profissionais liberais, assalariados à força.
Esta disposição, que poderia ser compreensível relativamente a alguns trabalhadores por conta própria, não tem razão de aplicação a profissionais liberais, com autonomia, independência e qualificados. Aqueles que querem ser profissionais liberais e não trabalhadores por conta de outrem; até porque as tendências laborais atuais abrem campos interessantes para quem opta livremente por esta via, sobretudo nas economias com maior dinamismo e crescimento nas quais Portugal ainda terá a ambição de se incluir.
A lei da “Agenda do Trabalho Digno” que hoje entra em vigor, terá efeitos perversos e irá afetar as relações de confiança entre as partes, no que respeita à prestação de serviços por parte dos profissionais liberais.
De agora em diante, por exemplo um engenheiro informático que queira trabalhar para a Microsoft, Google, IBM, ou qualquer outra tecnológica como profissional liberal, prestando serviços a 80%, 90%, ou mesmo em exclusividade, arrisca a que a partir de 50% da sua faturação anual, ser considerado, contra a sua vontade, um trabalhador em regime de subordinação com vínculo de trabalho.
Esta legislação, vem interferir na liberdade da contratação e prestação de serviços, em vez de ir de encontro à raiz do problema, ou seja, adaptar a fiscalidade e segurança social aplicável a estes profissionais à sua especificidade laboral.
À semelhança do que a CIP- Confederação Empresarial de Portugal, também a ANPL entende que este diploma necessita de alterações urgentes.
Continuaremos o nosso diálogo com o CEPLIS, Conselho Europeu das Profissões Liberais, Ministérios das Finanças e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Parlamento e Presidência da República, para fazer valer a situação particular dos profissionais liberais.
Esperemos que o próximo 1º de maio de 2024, seja de todos os trabalhadores, inclusive dos profissionais liberais e que deixemos de estar de luto!