A propósito da comemoração do Dia Internacional da Mulher, durante uma aula onde se falava sobre os direitos conquistados pelas mulheres após a revolução de abril, um aluno comentou que eu tinha sorte, porque não precisei de conquistar, nem lutar por nada. Entendo o que ele me quis dizer, no entanto tenho de discordar. É certo que as nossas antecessoras já desbravaram o caminho mais árduo, mas também cabe a nós, mulheres portuguesas do século XXI, não deixar que todas as conquistas e direitos alcançados até agora estejam em causa. Com esta resposta o aluno olhou-me com admiração, e questionou se poderíamos perder os direitos já conquistados. Teoricamente não, mas ainda há pouco tempo assistimos um membro de um partido colocar novamente em cima da mesa o direito ao aborto, e com isto não nos podemos esquecer do retrocesso que houve neste campo em alguns países ditos democráticos, nomeadamente nos EUA.
Ainda considero, que como mulher tenho a sorte de viver na parte certa do planeta, com todas as suas imperfeições é certo, mas isto dos direitos das mulheres não devia ser uma questão de sorte. É importante não esquecer, não só hoje, mas todos os dias, que em pleno século XXI há mulheres que voltaram a perder os seus direitos (poucos é certo), perante um mundo impávido e sereno que nada fez para as socorrer. É inevitável pensar como ainda é difícil ser-se mulher, até mesmo na parte certa do planeta, portanto não dou a minha liberdade, nem os meus direitos como garantidos, e isto tanto serve para mulheres como para homens.
É impossível não me lembrar que há 50 anos as mulheres portuguesas não tinham direito de voto, não podiam sair do país ou trabalhar sem autorização do marido e muitas eram espancadas, agredidas, violentadas e não podiam pedir o divórcio.
Apesar de sempre ter vivido em liberdade e em democracia, a minha memória não é curta e não esquece tudo o que a História me ensinou. Neste Dia Internacional da Mulher, e também lembrando que as eleições legislativas estão à porta, nós, mulheres, não nos devemos esquecer de todas as que lutaram para que hoje fosse possível votar em liberdade, para que tivéssemos voz e que esta fosse ouvida. Carolina Beatriz Ângelo, Ana de Castro Osório e tantas outras cujo nome se perdeu no tempo. Tantas e tantas mulheres que ajudaram e ainda ajudam a construir este país. Mulheres que muitas vezes criam e educam sozinhas os seus filhos, mulheres que estudam ou voltaram a estudar para terem uma vida melhor. Mulheres que cuidam, que tratam, que ensinam, que protegem, que investigam, administram e que demasiadas vezes não têm o seu trabalho e esforço reconhecidos.
Tenho muito orgulho das mulheres do meu país, mulheres que, apesar de tudo, não desistem. Lembro-me especialmente das minhas avós, analfabetas, com muitos filhos para cuidar, num tempo em que era ainda mais difícil ser-se mulher. Num tempo em que tinham de aguentar caladas a violência e os maus-tratos, num tempo onde ainda não tinham voz, ou pelo menos uma voz igualitária. Num tempo em que praticamente estava tudo vedado, até mesmo para as mais instruídas. Gostava que elas estivessem cá para verem o que cada uma de nós conseguiu conquistar, o resultado de 50 anos de democracia, mas também de luta, esforço, resiliência, empenho. Palavras que caracterizam bem a alma feminina.
Às minhas avós, que nenhuma voz tiveram, e a todas das outras que durante décadas não se calaram e que permitiram que hoje estivesse aqui, em liberdade, a escrever isto, vou honrá-las dia 10, com o meu voto. É um simples voto, mas é o meu. Obrigada.