Em 23 de junho de 1894, quando foi constituído o Comité Olímpico Internacional, o Barão de Coubertin pretendeu incutir, através do desporto, os valores da excelência, amizade e respeito entre os povos de todas as nações.

Face à importância que se quis dar à consagração e defesa dos princípios fundamentais do Olimpismo, o seu fundador instituiu a Carta Olímpica, estipulando as regras e orientações para a organização dos Jogos Olímpicos e para a gestão do movimento olímpico.

Desejava-se que o respeito pelo indivíduo e seu contexto, fosse a receita essencial para a união e sã competição entre os atletas do mundo inteiro. Era isso que daria consistência aos cinco anéis entrelaçados que constituem o símbolo olímpico, representativo da união dos cinco continentes.

Por essa razão, a Carta Olímpica não só responsabiliza os comités olímpicos nacionais e os comités organizadores pela obrigação de cumprirem todas as suas disposições e de assegurarem os valores do Olimpismo (art. 36); como, vai ao ponto de exigir aos governos nacionais dos países anfitriões, o compromisso vinculativo de a respeitarem e agirem em conformidade com a mesma (art. 33, nº 3).

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Surpreendentemente, e em contramão com os princípios instituídos, a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2024, em Paris, manchou indelevelmente o maior evento do mundo à escala global.

Ao parodiar a representação da Última Ceia, o Comité Organizador, com a corresponsabilidade do Comité Olímpico local e do Governo de França, cometeu uma grave ofensa aos sentimentos religiosos dos cristãos; merecendo, certamente, a reprovação de muitos não cristãos.

Acresce que, segundo as comprometedoras declarações do diretor artístico da cerimónia, Thomas Jolly, foi seu propósito realizar uma cerimónia que “reafirmasse os valores da nossa República”.

Não pensem os observadores mais críticos que as reacções de indignação e condenação que se fizeram sentir em vários quadrantes são exageradas. Na verdade, para os cristãos, a Última Ceia representa a instituição da Eucaristia, ou seja, a consagração do Corpo e Sangue de Jesus. A Eucaristia é parte constitutiva do ser e do agir da Igreja, e, nas palavras do Papa Bento XVI “com a Eucaristia nasce a Igreja” (Homília, de 21.04.2011).

Também, de nada serve descaracterizar o triste episódio que, por sinal, mereceu o pedido de desculpa da porta-voz da organização dos Jogos. Houve até alguém que alegou, posteriormente, que a ideia seria a recriação de um festival pagão ligado aos deuses do Olimpo, inspirado na pintura de Jan van Bijlert, o Banquete dos Deuses, e não na Última Ceia, de Leonardo da Vinci. A emenda saiu pior que o soneto, dado que, como facilmente se constata, a pintura de van Bijlert, é igualmente inspirada na Última Ceia, com a particularidade de misturar mitologia pagã com símbolos cristãos; não servindo, por isso, para atenuar a responsabilidade pela exibição do grotesco espectáculo, muito pelo contrário.

Qual, então, o objectivo de desrespeitar e ofender gratuitamente, de forma despropositada, patética e repulsiva, cerca de 2,3 mil milhões de cristãos, ou seja, 30% da população mundial?

Possivelmente a resposta encontra-se no ódio à Igreja, sentimento desprezível que mereceu de Nelson Mandela o certeiro comentário de que “ninguém nasce odiando alguém por causa da cor da sua pele, das suas origens, da sua religião. As pessoas aprendem a odiar e, se podem aprender a odiar, podem aprender a amar, porque o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o contrário.”

Será oportuno recordar que a actuação da Igreja Católica nas áreas da educação, da assistência social, da saúde, da protecção aos desfavorecidos e na defesa dos direitos humanos, em todas as regiões do mundo, não tem paralelo; bastará consultar o último “Anuário Estatístico da Igreja”, de 2023. São incontáveis os seus mártires anónimos que não procuram fantasiosas compensações no paraíso, mas agem desinteressadamente em benefício do próximo, quantas vezes com risco da própria vida.

Infelizmente, não são de hoje este tipo de ofensas. A coberto de pretenso humor e da liberdade de expressão, cuja legitimidade não se questiona, desferem-se cobardes golpes que jamais os seus autores, travestidamente ou não, teriam coragem de o fazer se de outras religiões se tratasse, pelas consequências que, fatalmente, daí resultariam.

Em contraste, seria curioso saber, para além de defenderem egocentricamente os seus interesses, o que é que estes grupos de “comediantes” fazem pelos outros e pelo bem comum.

A grandiosa abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, transmitida em directo para mais de 3 mil milhões de pessoas em todo o mundo, e na qual os atletas foram secundarizados, ao incluir cenas inadequadas às circunstâncias, maxime a teatralização ultrajante da Última Ceia, prestou um péssimo serviço ao ideal do Olimpismo.

Para mais, não se compreende como foi possível integrar no programa do maior evento desportivo do mundo, um episódio no qual se fazia a apologia do vício, do deboche e da depravação, o que não constitui, seguramente, a melhor referência para as crianças, jovens e desportistas que seguiram a transmissão televisiva.

A porta-voz da organização, Anne Deschamps, referiu que a sua intenção era a de enviar “uma mensagem de inclusão e não de divisão”; a coisa, pelos vistos não correu bem; à custa de tão forçada inclusão, gerou-se uma preocupante divisão, contrariando-se o verdadeiro espírito que esteve na génese dos Jogos Olímpicos.

Face a tudo o que aconteceu, o Comité Olímpico Internacional deverá ter bem presente que ao atentar-se contra o valor do respeito pelas pessoas e suas crenças, quebram-se irremediavelmente os anéis que simbolizam o espírito olímpico.