O regulamento MiCA foi finalmente aprovado. Trata-se de um marco histórico, pois representa um regulamento pioneiro no sector de criptoativos e de Web 3.0 ao nível internacional.

De forma abstrata, o MiCA visa regular os mercados de criptoativos e inclui regras comuns sobre supervisão, proteção do consumidor e ainda salvaguardas ambientais (sem probir o mecanismo de consenso de proof of work).

O MiCA inclui disposições-chave para aqueles que emitem e negociam criptoativos, num novo quadro jurídico que visa apoiar a integridade do mercado e a estabilidade financeira.

Essas disposições abrangem musculadas regras de transparência (inclusive sobre o consumo de energia), divulgação, autorização e supervisão de transações e visam fornecer aos consumidores informações claras, completas, precisas e concretas sobre os riscos, custos e encargos vinculados às suas operações.

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O texto acordado inclui também medidas contra a manipulação de mercado, com vista a prevenir a lavagem de dinheiro, o financiamento do terrorismo e outras atividades criminosas.

A Autoridade Europeia de Mercados de Valores Mobiliários (ESMA) será responsável por criar um registo público para prestadores de serviços de criptoativos que operam na União Europeia sem a devida autorização. Além disso, com vista a delimitar uma clara linha entre os criptoativos abrangidos pelo escopo deste regulamento e aqueles que, porventura, são qualificáveis enquanto instrumentos financeiros, será ainda responsável por divulgar claras orientações sobre os critérios e as condições que devem ser tidas em conta.

O texto terá ainda de ser formalmente aprovado pelo Conselho em Maio de 2023, antes da publicação no Jornal Oficial da União Europeia. Em princípio, as novas regras entrarão em vigor 20 dias após a publicação e serão aplicáveis após o período de transição de 12 meses (para stablecoins) e de 18 meses (para outros criptoativos).

Uma vez que foram previstas algumas medidas de transição, determinadas regras (relativas, por exemplo, ao whitepaper, à comunicação de marketing, etc.) terão de ser cumpridas logo após a entrada em vigor e ainda durante o período de transição.

Sucede que, não obtante o facto de estarmos perante um dos mais compreensivos enquadramentos legais do mundo na atualidade, entre muitos outros, existem dois aspetos que devem ser tidos em conta.

Em primeiro lugar, destaque para os NFTs, ou melhor, para a falta de destaque. Devido à sua específica natureza, os criptoativos únicos e não fungíveis (NFTs), tais como, digital collectibles ou, mesmo, representações digitais de ativos físicos (bens imobiliários), são excluídos do escopo do MiCA. Isto, sem prejuízo de poderem ser qualificados enquanto instrumentos financeiros, ideia que é reiterada nos considerandos do diploma.

O mesmo não se pode dizer sobre as partes fracionadas de criptoativos únicos e não fungíveis (F-NFTs). Segundo os considerandos do diploma, o próprio lançamento de uma vasta coleção de NFTs pode ser considerado um indicador da sua fungibilidade.

Independentemente da designação adotada, NFTs que, em termos materiais, não sejam considerados nem únicos, nem infungíveis, fazem parte do escopo do MiCA.

Na qualificação do criptoativo, as autoridades devem adotar o princípio da prevalência da substância sobre a forma, o que significa que serão as caraterísticas que iram determinar a sua qualificação e não a designação adotada.

Em segundo lugar, o regulamento MiCA irá abranger pessoas singulares e coletivas e ainda “determinadas outras empresas”. Esta expressão, ou melhor, este conceito indeterminado, ao que tudo indica, pretende abarcar organizações descentralizadas autónomas (DAOs).

Esta opção levanta múltiplas dúvidas, uma vez que ainda não existe um enquadramento legal para este tipo de organização na Europa e, como tal, eventualmente podem não dispor de condições para assumir uma forma jurídica que salvaguarde os direitos dos consumidores.

Até porque, atualmente (e apesar de existirem já alguns exemplos de regimes legais noutras jurisidições), ainda existem grandes dúvidas no que respeita ao apuramento da responsabilidade de DAOs ou, mesmo, dos sujeitos associados (seja em termos societários, fiscais ou criminais). Os próprio critérios para aferir a estrutura organizacional ou, mesmo, os níveis de descentralização ou de autonomia, são bastante controversos.

Assim, apesar destes aspetos, bem como de outros não desenvolvidos no presente artigo, ainda que de forma cautelosa, este novo regulamento foi recebido no sector com entusiasmo e otimismo.