No início deste mês de maio de 2023, nos EUA, o estado da Florida aprovou a proibição do uso de qualquer moeda digital de banco central (CBDC) como moeda com curso legal.

De acordo com o projeto de lei, CBDC’s são descritas como um meio digital de troca ou unidade monetária digital de conta emitida pelo Sistema Federal de Reserva dos Estados Unidos, uma agência federal, um governo estrangeiro, um banco central estrangeiro ou um sistema de reserva estrangeiro. A legislação impede, assim, que o estado aceite qualquer tipo de CBDC como forma de pagamento.

Durante o mesmo período, nos estados de Indiana e Texas, o uso de qualquer CBDC foi igualmente proibido.

Em todos os três casos, o fundamento acaba por ser o mesmo. Essencialmente, pretende-se evitar que CBDS’s sejam implementadas para efeito de uso geral e que, com isso, estabeleçam uma ligação direta entre os consumidores e o Sistema de Reserva Federal (banco central), pois tal cenário poderia resultar em níveis sem precedentes de vigilância e controlo sobre transações privadas e posse de dinheiro.

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Certo é que, enquanto nos EUA parece ainda existir alguma sentatez (o que, na realidade, acaba por ser uma surpresa), na Europa parece não existir uma grande preocupação relativamente a este assunto.

Na verdade, na Europa, a implementação do euro digital é apresentada como uma espécie de dado adquirido (o que muito diz sobre a autonomia e independência dos Estados membros).

Fabio Panetta, membro do Conselho Executivo do Banco Central Europeu, discutiu o projeto no Parlamento Europeu no final de abril de 2023.

Segundo consta, a fase de investigação está a chegar à sua etapa final.

Foi realçada a necessidade de o euro digital ser «amplamente» acessível, fácil de usar, tanto para indivíduos, como para comerciantes, e com um «enquadramento regulatório» que garanta a sua aceitação e «amplo» acesso.

Fabio Panetta chegou mesmo a reiterar que o enquadramento regulatório do euro digital será crucial e «os legisladores europeus desempenharão um papel fundamental no seu sucesso».

A questão que se coloca é: será, mesmo? Será que não estaremos, mais uma vez, sem o devido e amplo debate, discussão ou consentimento informado, a um passo de permitir a implementação de uma nova forma de vigilância e controlo? Desta vez, na sombra da inovação digital?

O decisivo espaço de debate, diferenciação e inconformismo continua a desaparecer.

Corremos o sério risco de este tipo de sistema monetário poder vir a ser ampliado para registar qualquer tipo de informação pessoal que as autoridades venham a considerar necessária, bem como para, de forma automática e coerciva, punir qualquer tipo de conduta que as autoridades venham a entender não ser adequada.

E isto, independentemente do mérito e sensatez da decisão e do real e verdadeiro desvalor da conduta.

Quem achar que este receio é infundado, talvez devesse pensar duas vezes e ter em conta o que sucede no âmbito do sistema de créditos chinês.

Aliás, quem achar que este receio é infundado, talvez devesse ouvir as declarações de Chistine Lagarde, Presidente do Banco Central Europeu, no dia 17 de março de 2023.

Apesar de terem sido proferidas no âmbito de uma espécie de «apanhados», Christine Lagarde realmente acreditava estar a falar com Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia, e no âmbito dessa conversa admitiu que o BCE está a considerar um «controlo limitado».

Para Christine Lagarde, um «controlo limitado» significa controlar apenas montantes superiores a «300 ou 400 euros» e, mesmo assim, considera que não controlar esses montantes seria «perigoso».

Continuamos, assim, coletivamente, a caminhar para uma sociedade completamente distópica, sem que a esmagadora maioria das pessoas tenha a menor noção das possíveis consequências.

Tanto não têm que, ainda hoje em dia, muitas pessoas mal sabem como usar um cartão de crédito ou um multibanco, quanto mais gerir os seus ativos digitais através de uma aplicação móvel num smartphone ou num computador.

Isto, no caso de existir um smartphone ou computador, claro. São ainda múltiplas as regiões da Europa, e do restante planeta, que continuam a ter um limitado acesso a serviços bancários, à internet, a smartphones ou computadores, ou até mesmo à eletricidade ou saneamento básico (que, em princípio, também se afigura necessário).

Portugal é, pois, um bom exemplo disso. É um bom exemplo da falta de condições económicas, sociais ou culturais para abraçar tal «inovação». É um bom exemplo da falta de literacia financeira, digital e tecnológica. Acima de tudo, é um bom exemplo de falta de literacia.

Talvez não seja descabido os «legisladores» europeus e portugueses refletirem seriamente sobre o assunto e, de preferência, antes de desempenharem o dito «papel fundamental».