Neste momento em que o ano 2023 se aproxima do seu fim, chegamos à conclusão que o mesmo foi marcante a muitos níveis, desde logo pela coroação do Rei Carlos III, fim de mais um governo socialista, ou ainda, e mais importante, pelo despoletar do conflito Israel-Hamas em proporções nunca vistas. No entanto 2023 ficará também marcado por um despertar mais violento das associações climáticas em Portugal, nomeadamente a “Climáximo” e o movimento “Fim ao Fóssil”, num conjunto de ações agressivas que envolvem sedes de grandes empresas, corte de trânsito, encerramento de liceus, ou ainda atirar tinta contra ministros… you name it.

Antes de tecer qualquer comentário sobre estas associações, deixem-me referir que sou um entusiasta e um defensor da causa climática desde pelo menos os meus tempos de faculdade. Talvez por isso, e apesar das ações bastante agressivas e descontextualizadas, não pude deixar de sentir alguma empatia, inicial, por estas pessoas. No entanto, nestes casos não podemos ficar apenas pela parte emocional. Temos de explorar o racional pois “a curiosidade tem a sua própria razão para existir” (Albert Einstein). O que querem exatamente estas pessoas? Racionalmente, estas pessoas têm razão para protestar desta forma? Como país, o tema das alterações climáticas tem sido negligenciado pela sociedade?

Bom, procurarei responder a cada uma destas questões de forma racional e pensada.

O que querem estas pessoas?

Analisando os sites destas associações, fiquei logo intrigado pelo título, nomeadamente pelo “Fim ao fóssil, ocupa”. Para se acabar com os combustíveis fósseis tem de se ocupar alguma coisa? Continuando a observar o mesmo site, deparo-me com a exigência da demissão do Ministro Costa e Silva por ter trabalhado na empresa petrolífera Partex, empresa essa que direta e indiretamente, através da Gulbenkian, ajudou e muito a sociedade portuguesa. Para terminar com a cereja no topo do bolo, analiso o artigo “Porque a ciência climática nos diz que estamos FXXXXXX”, dispensando assim qualquer tipo de comentário adicional.

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Fazendo o mesmo exercício para o site da “Climáximo”, deparamo-nos novamente com uma linguagem pouco associada à transição energética como “Parar todos os novos projetos de morte (aeroportos)”, ou ainda com a exigência de habitação pública associada a uma proposta de taxação de 99% para rendimentos anuais acima dos 150.000 euros, proposta que está certamente em linha com as alterações climáticas.

Existe razão para protestar desta forma?

Por incrível que pareça, não foi a linguagem nem a existência de propostas que nada têm a ver com a transição energética que mais me chocou. O que mais me intrigou foi mesmo o desconhecimento destas pessoas em relação à suposta causa que defendem, com propostas que passam por “100 % de eletricidade renovável e acessível até 2025 em Portugal” ou “neutralidade carbónica até 2030 em Portugal”.

Desmistificando este tema, e de acordo com a IEA, Portugal emitiu, em 2021, 35 Mt de CO2, correspondendo a aproximadamente 0,1% das emissões emitidas em todo o mundo. A adicionar, o valor verificado em 2021 é inferior ao de 1990, dando assim continuidade a uma trajetória descendente que começou em 2004. Assim, aos poucos e sem revoluções, temos sido um bom exemplo do que representa a transição energética, com aproximadamente 60% da nossa eletricidade a ser fornecida através de fontes renováveis, um dos valores mais elevados da Europa Ocidental.

Para terminar, e entrando em mais alguma tecnicidade, é óbvio que por muito que quiséssemos como sociedade ter “100% de eletricidade renovável em 2025”, ou cumprir com a neutralidade carbónica já em 2030, tais metas são completamente impossíveis de atingir principalmente por três motivos:

  • Intermitência associada às renováveis – Tal como sabemos, as energias renováveis, principalmente a energia solar, está associada a uma alta intermitência, formando a famosa “curva de pato” com um pico de produção principalmente a meio do dia e uma queda abrupta ao final da tarde. Este comportamento torna fundamental duas coisas:
    – A existência de sistemas flexíveis de back-up que consigam atuar rapidamente, evitando situações de blackout;
    – Introdução progressiva de capacidade instalada que supera e muito as necessidades (normalmente a capacidade instalada renovável tem de ser 3 a 10 vezes superior às necessidades existentes), muitas vezes com capacidade de armazenamento associada (e.g. bombagem reversível ou dentro de pouco tempo produção de hidrogénio);
  • Necessidade de estabilizar a rede – Com a introdução crescente de energias renováveis com o seu regime de produção cuja frequência é inconstante, é fundamental a incorporação de estabilizadores de tensão e frequência na rede (Rotating Grid Estabilizers ou grandes condensadores), permitindo a estabilização da rede independentemente do sistema produtor. A instalação destes sistemas é tanto mais importante quanto maior é a utilização de energia renovável no sistema;
  • Alterar o regime remuneratório do sistema de produção de eletricidade – Atualmente, não só a nível nacional como internacional, devido às alterações mencionadas anteriormente, os sistemas de remuneração de produção de eletricidade terão de remunerar não apenas a energia produzida, que tenderá para 0 com a utilização marginal de energias renováveis, ou a capacidade instalada, mas também remunerar os sistemas de estabilização da rede mencionados no ponto anterior, proporcionando assim incentivos naturais de uma nova sociedade baseada em energia renovável.

As alterações climáticas têm sido negligenciadas pela sociedade?

Independentemente de tudo, e tal como foi demonstrado, a transição energética não tem sido de todo negligenciada pela sociedade portuguesa, constituindo uma realidade bem presente. Todos nós estamos devidamente consciencializados sobre o tema, tendo cada um de nós um papel completamente decisivo nesta luta que deve ser travada de uma forma equilibrada, não revolucionária e em articulação com a tecnologia, a sociedade e os meios de investimento necessário para que a mesma se concretize. Para concretizar e materializar a transição energética será necessário investimento privado e público, criando regimes remuneratórios que valorizem o investimento através da incorporação de sistemas e soluções tecnológicas que alterem por completo as regras do jogo.

O que as associações como a “Climáximo” e a “Fim ao Fóssil” vieram adicionar, para além do aumento momentâneo das emissões de CO2 com as suas ocupações da via pública, é uma forma de luta política mascarada de combate climático. Estas pessoas não estão de todo interessadas no clima. Estão sim interessadas em utilizar o clima para uma agenda extremista e eventualmente pessoal, utilizando para isso um tema que está em voga e que lhes permite ter a notoriedade e alguma tolerância por parte da sociedade que de outra forma não teriam, puxando ao máximo pela parte emocional dos eleitores. A meu entender, desse ponto de vista, creio que estamos todos infelizmente a atingir o Climáximo.