Durante as semanas que antecederam as eleições legislativas e europeias, a campanha foi marcada pela discussão em torno do aborto. Muitos pensam que não é um tema prioritário, outros acham que já é um dado adquirido, outros consideram-no um direito humano. Outros ainda (muito poucos) não deitam a toalha ao chão e pensam que ainda é possível reverter o que consideram uma injustiça gritante e um retrocesso civilizacional.

De qualquer maneira, o aborto não é hoje um tema de que se fale, como não é, na verdade, tudo o que exija uma visão mais estrutural do que circunstancial, que obrigue a falar de política e não só de algumas políticas ou politiquices.

A política hoje – em Portugal e não só – tornou-se um festival de soundbites e um concurso de promessas, cheia de ideias curtas, ofertas várias e, acima de tudo, uma falta evidente de bases sólidas e princípios inabaláveis que fundamentem as políticas numa ideia clara do que é e para que serve a política. Por outro lado, peca também por uma quase total ausência de esperança num futuro verdadeiramente bom.

Nesse sentido, parece importante determo-nos sobre estes aspectos, na verdade indivisíveis. Por um lado, nos fundamentos nos quais se deve basear a política e a partir dos quais se disputa uma eleição; por outro, na necessidade de construir agora um futuro de esperança e de crescimento (não só económico, mas também) para os portugueses e para Portugal. Numa palavra, urge ter os pés bem assentes na terra, mas os olhos bem fitados no Céu.

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Acerca destas ideias, importa reter que a democracia é uma resposta certa e o pluralismo é positivo, mas não na medida em que se torna relativista, considerando o bem e o mal como resultado de uma votação maioritária e todas as opções como igualmente aceitáveis, dependendo do consenso social que geram. Na verdade, a democracia só pode funcionar porque e na medida em que assenta em valores e princípios indiscutíveis.

E que valores são estes? Em primeiro lugar, a primazia absoluta da dignidade da pessoa humana, princípio e fundamento de qualquer lei, alfa e ómega da própria política. A pessoa é sagrada, porque criada à imagem e semelhança de Deus, e vale desde que é concebida e até à morte natural, não dependendo a sua dignidade infinita da valoração que a sociedade lhe dá. Não existe, portanto, um direito a matar, seja quando ainda não nasceu, seja quando parece já frágil e doente demais para viver.

A dignidade da pessoa humana exige também, da parte do Estado e de cada um de nós, que tratemos cada ser humano como a nós mesmos, incluindo aqueles que são pobres, deficientes, excluídos, refugiados ou migrantes. Ninguém é um meio que permite alcançar uma vontade (mesmo que boa) de outro, mas um fim em si mesmo. E, por isso, urge olhar para as questões da bioética e das formas alternativas de procriação, em que, muitas vezes, o embrião (o mais frágil dos frágeis) é vítima dos maiores experimentalismos científicos. Do mesmo modo, é de notar a existência de “modernas formas de escravidão” que devem ser vigorosamente combatidas, porque corrompem a inviolável dignidade da pessoa, como a droga, a prostituição, a pornografia, o tráfico sexual e de pessoas ou até questões relativas aos meios digitais e ao mau uso da tecnologia.

Do mesmo modo, é essencial afirmar a família como a célula base da sociedade, o seu eixo vital e pedra angular, a primeira e mais pura das comunidades, o âmago do desenvolvimento e do crescimento integral de cada um. Por isso é importante afirmar a beleza e unicidade da família assente no matrimónio monogâmico entre homem e mulher, rejeitando a equiparação desta às restantes formas de convivência. A este respeito, importa ainda fomentar a natalidade, dando a oportunidade às famílias de terem tantos filhos quantos desejem, e a conciliação da vida familiar com a profissional, permitindo aos pais priorizar a primeira sem prejudicar a segunda.

De forma semelhante, é basilar garantir que são os pais – e não a escola – aqueles a quem compete primariamente educar os filhos, em especial em questões morais e humanas. Ainda neste ponto, a liberdade de educação exige um sistema educativo robusto, não sob o monopólio do Estado, mas numa sã cooperação deste com os sectores social e privado, permitindo o florescimento de alternativas educativas criativas e modernas, não acessíveis apenas aos mais privilegiados, mas a todos. Aqui deve prevalecer o princípio da subsidiariedade, só se ocupando o Estado do que não se pode ocupar a família, a freguesia ou o município (por esta ordem), porque uma solução é tão mais justa quanto mais próxima do problema e porque o Estado não é o dono e senhor da sociedade civil, mas o garante de que, em última instância, todos os problemas têm uma resposta justa.

Deve ainda a política orientar-se pelo importantíssimo princípio da solidariedade, seja a partir da construção de uma cultura de diálogo e procura da verdade, contra o fanatismo imposto pela polarização social e política, seja através de uma economia em que as empresas e as famílias são livres para se desenvolverem e aos seus negócios, reconhecendo a importância dos impostos como prestação social para uma adequada distribuição de riqueza que permita uma sociedade justa, mas não como entrave à saúde financeira, poupança e desenvolvimento da economia e, especialmente, da classe média.

A economia tem, assim, de estar ao serviço da pessoa e do bem comum, outro pilar que deve reger cada decisão tomada em política e pelos políticos, não sendo este uma soma de bens individuais, mas o bem de todos e de cada um, alcançados não um apesar do outro, mas um por causa do outro. É que o outro e os outros não são, como dizia Sartre, o inferno, mas os nossos companheiros de caminho, a sociedade no seu todo. Por isso, porque só nos realizamos com os outros, deve ser uma prioridade combater esta cultura individualista que impera nos nossos dias.

A solidariedade implica igualmente a relação saudável entre patrões e empregados, com leis laborais justas e salários dignos e que cresçam constantemente, tal como a especial incidência de políticas sociais para os jovens, para que não tenham de escolher entre ficar em Portugal e ter um futuro digno e promissor, idosos e reformados, para que não passem os últimos anos de vida a contar tostões, e desempregados.

Para além disso, a solidariedade exige um sistema de saúde público, mas público no sentido em que está disponível a todos com competência, eficácia e celeridade e não por estar monopolizado pelo aparelho do Estado devido a preconceitos ideológicos. Devemos olhar ainda para o ambiente, não como uma divindade intocável, mas como a casa comum da humanidade e que deve ter no Homem um administrador responsável.

Dentro de tudo isto e de muito mais, há uma ampla margem para a discussão das soluções concretamente mais justas, mas as questões são para levar a sério.

Dignidade da pessoa humana no centro de todas as decisões, famílias fortes e felizes, sociedade civil robusta e criativa, economia justa e que produza riqueza, liberdade de seguir e concretizar os nossos sonhos e aspirações profundas, identidade nacional que forme uma comunidade robusta e orgulhosa da sua história e tradições, solidariedade, subsidiariedade, bem comum, saúde e educação eficientes e livremente escolhidas e tanto, mas tanto mais.

Sem a pretensão de resumir ou enquadrar de forma especialmente competente estas questões fundamentais e fundacionais, é sobre estes pilares e valores e para melhor concretizar estes pilares e valores que se constrói e se orienta toda a actividade política e era para tudo isto que apontava o Papa Francisco aqui em Portugal, durante a Jornada Mundial da Juventude, quando falava da “boa política”, que “pode gerar esperança” e que “não é chamada a conservar o poder, mas a dar às pessoas a possibilidade de esperar. É chamada, hoje mais do que nunca, a corrigir os desequilíbrios económicos dum mercado que produz riquezas mas não as distribui, empobrecendo de recursos e de certezas os ânimos. É chamada a voltar a descobrir-se como geradora de vida e de cuidado da criação, a investir com clarividência no futuro, nas famílias e nos filhos, a promover alianças intergeracionais, onde não se apague o passado mas se favoreçam os laços entre jovens e idosos.”

Mas, infelizmente, sabemos que, ao dia de hoje e olhando para as últimas eleições, nenhum programa político responde na totalidade ou em grande parte a todas estas questões, a esta “boa política”. Resta-nos, neste tempo de maior acalmia, olhar para a actividade e para os programas dos partidos e dos políticos e votarmos com a nossa consciência bem formada e em paz, quando a isso formos chamados. Para muitos, isso basta. Para quem não bastar, envolva-se mais directamente, porque o país que amamos precisa, acima de tudo, de pessoas santas, boas e sérias que sejam capazes de o levar a bom porto.

O autor não escreve em conformidade com as regras do novo Acordo Ortográfico.