A burocracia, muitas vezes encarada como um mal necessário nas organizações complexas, tem-se transformado num espectro que assombra as escolas, desviando-as da sua missão central: a transmissão de conhecimento, ensinar. Longe de facilitar o processo de ensino-aprendizagem, a burocracia excessiva cria um ambiente de caos, consumindo o tempo e a energia dos professores em tarefas administrativas que pouco ou nada contribuem para o desenvolvimento dos estudantes.

O professor, figura central na educação, vê-se cada vez mais enredado numa teia de minúcias burocráticas, como o preenchimento de formulários intermináveis, a elaboração de relatórios detalhados sobre cada passo do processo educativo, preenchimento infindável de grelhas de evidências que seguem um padrão rígido e engessado. Esse tempo precioso, que poderia ser dedicado à preparação de aulas mais dinâmicas, à interação individualizada com os alunos, à criação de projetos diferenciados e à reflexão sobre a própria prática docente, é sugado pela burocracia, deixando os professores exaustos e frustrados.

Imagine um professor de literatura que, em vez de discutir com seus alunos as nuances de um poema de Fernando Pessoa, precisa preencher uma grelha detalhada sobre o número de livros lidos pela turma e o tempo médio de leitura. Ou um professor de matemática que, em vez de explorar com os seus alunos as maravilhas da geometria, precisa preencher uma grelha onde “evidencie” que lecionou um determinado conteúdo.

A burocracia não só rouba o tempo dos professores, como, sobretudo, destrói a motivação de qualquer professor. A sensação de estar preso numa engrenagem burocrática, onde o foco está nos procedimentos e não nos resultados, leva à desmotivação, ao esgotamento profissional e, em casos extremos, ao abandono da carreira docente.

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Toda esta situação agrava, quando a própria Inspeção Geral de Educação e Ciência (IGEC), nas suas visitas às escolas, parece mais interessada em encontrar evidências burocráticas do que em avaliar a qualidade do ensino e da aprendizagem. Essa abordagem ideológica, que valoriza a forma em detrimento do conteúdo, cria um clima de medo e insegurança nas escolas, levando professores e diretores a concentrarem-se mais em cumprir as exigências burocráticas do que se dedicarem ao que realmente importa: ensinar.

Recordo o Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, no seu artigo 4.º, alínea e), onde estabelece claramente que os diretores escolares devem priorizar a dimensão pedagógica em detrimento da administrativa. No entanto, na prática, os diretores veem-se constantemente pressionados pelos seus superiores a cumprir uma série de exigências burocráticas como o envio de dados estatísticos detalhados e a participação em reuniões que pouco contribuem para a melhoria da qualidade do ensino.

Essa contradição entre a legislação e a realidade coloca os diretores numa situação delicada, divididos entre o dever de cumprir as exigências burocráticas e a missão de garantir uma educação de qualidade para os seus alunos assim como um clima de bem-estar para toda a comunidade.

Perante este cenário desolador, é fundamental que os diretores escolares sejam capazes de resistir à burocracia e se concentrem no que realmente importa: os alunos. É preciso questionar a necessidade de cada procedimento burocrático, procurando alternativas mais eficientes e menos onerosas para a gestão escolar. É preciso criar um ambiente escolar onde a criatividade, a inovação e a paixão pela educação possam florescer, sem o peso da burocracia e da desconfiança da tutela.

A resistência à burocracia não é apenas um ato de coragem, mas também um imperativo ético para todos aqueles que acreditam na educação como um instrumento de transformação social. É preciso lutar por uma escola que seja verdadeiramente centrada no aluno, onde o ensino e a aprendizagem sejam prioridade e a burocracia seja apenas um detalhe insignificante.