Falar de lobbying em Portugal é como tentar desvendar um mistério antigo: achamos que estamos a aproximar-nos da verdade, mas quando voltamos a falar do assunto, parece que começamos do zero. É um assunto que tem sido transformado numa bola de ping-pong jogada de legislatura em legislatura, como se fosse um problema que nunca tivéssemos tempo para resolver.
Lobbying é a atividade que visa influenciar a formulação de políticas públicas e a tomada de decisões por parte dos governos em prol de interesses específicos. Apesar do termo fancy, não se trata de nenhuma modernice recém-criada, uma vez que desde os primórdios da humanidade nos deparamos com a existência destas práticas. Se simplesmente o aceitarmos como uma parte da nossa forma de estar na sociedade e procurarmos conduzi-lo de forma transparente e ética, o lobbying desempenha um papel fundamental na democracia, garantindo que diferentes vozes sejam ouvidas e consideradas nas discussões políticas, contribuindo para um debate aberto, leis mais justas, regulamentações mais equilibradas e políticas mais eficazes para o bem comum.
Todavia, como tudo o que é pouco estudado ou regulado, o lobbying acabou por ganhar alguma conotação negativa e de desconfiança, sendo muitas vezes, de forma errónea, equiparado a uma espécie de parente pobre do tráfico de influências, ou da corrupção e funcionando como bode expiatório dos males da democracia portuguesa.
É relevante entender que lobbying é uma atividade legal, enquanto que a corrupção é crime. São como água e azeite, em que o primeiro consiste numa tentativa de mudar ou criar leis, sem qualquer promessa de contrapartida, enquanto que, por outro lado, a segunda visa desviar leis existentes para retirar uma clara vantagem, ou benefício próprio.
Porque se faz tanta confusão?
A resposta a esta questão talvez seja a falta de regulamentação. Nos países anglo-saxónicos e na União Europeia, a atividade de lobbying é regulada, existem leis claras, diretrizes definidas e um sistema que permite a participação da sociedade civil de forma estruturada e transparente com um simples objetivo – representar interesses legítimos e dialogar com os representantes políticos para influenciar decisões de forma positiva.
Em Portugal, onde se vive numa pseudo-aversão ao lobbying, é certo que os media muitas vezes pintam-no como algo obscuro e associado a práticas ilícitas – a cena do lobbying, uma palavra que quase não deve ser pronunciada, que todos os partidos reconhecem como algo importante, mas sobre o qual gostam de demonstrar uma certa distância higiénica com receio de ficarem conotados não sei bem com o quê. Mas a verdade é que o lobbying pode ser feito de forma legítima e ética, como é feito, por exemplo, com as ordens profissionais, ou os sindicatos. Alguém critica um sindicato quando este consegue um aumento de ordenado para a classe profissional que representa? Trata-se de pressionar o governo em prol dos interesses dos trabalhadores! Então, por que não tratamos os outros tipos de lobbying, com a normalidade e aceitação com que o fazemos com o lobbying sindical?
Embora os processos de tomada de decisão mais abertos e transparentes não impeçam que interesses obscuros operem nos bastidores, tornam mais difícil o sucesso dessas influências. Isso acontece porque os decisores políticos necessitam de apresentar argumentos mais sólidos para justificar uma escolha que pode favorecer apenas alguns interesses privados específicos. Regular não é, nem nunca será uma tarefa fácil, mas é essencial para uma democracia saudável. As vantagens da regulamentação da participação da sociedade civil nos assuntos públicos são claras, nomeadamente termos logo uma maior qualidade dessa mesma participação, transparência e prestação de contas dos poderes públicos, além de direcionar, de forma adequada, os interesses público-privados.
Legislar sobre esta temática deve obrigar-nos a fazer algo que raramente vemos no cenário político em Portugal – legislar para o futuro. Caso contrário cairemos na armadilha de rascunhar algo populista e apenas focado na prevenção da corrupção, o que intensificará o tabu à volta do tema e aumentará as perceções negativas sobre esta palavra que parece justificação para o fracasso de todas as políticas públicas no nosso país, frustrando assim os objetivos do lobbying mencionados inicialmente.
Não havendo lei que regule esta prática, há lugar a dúvida. Ou seja, em vez de andarmos a brincar aos projetos parlamentares transformados em disputas políticas, devemos reconhecer a importância desta mudança de mentalidade em Portugal de que não se trata de um bicho papão, assente numa cultura política que compreenda a necessidade de debater a sério a atividade e, por fim, que qualquer projeto se foque de forma imprescindível numa definição clara do que é e não é lobby, na definição objetiva do que pode fazer um lobista e numa existência de códigos de conduta para a prática desta atividade.
Em suma, o lobby é uma parte inevitável do processo político, quer queiramos admitir ou não. Portanto, em vez de continuarmos a ignorar ou estigmatizar esta prática, é pertinente seguir os exemplos de outros países muito mais desenvolvidos que o nosso, garantindo que esta seja utilizada para promover o bem comum e fortalecer a nossa democracia. E isso só será possível através de uma regulamentação clara, transparente e responsável.