Carlo Ancelotti celebrou um novo contrato de trabalho desportivo com o Real Madrid até 2024. Este facto não constitui, por si só, grande novidade. Contudo, reveste particular interesse analisarmos uma cláusula contratual, inserida no referido contrato, e que prevê que, caso exista uma rescisão prematura do contrato de trabalho durante a primeira época desportiva, o treinador terá direito a receber apenas os salários previstos até ao final da segunda época, ficando o Real Madrid isento de pagar o terceiro ano de contrato.

Trata-se, portanto, de uma cláusula indemnizatória mediante a qual o treinador renuncia, antecipadamente, a direitos indemnizatórios devidos por uma eventual e futura situação de incumprimento contratual.

E em Portugal, esta cláusula seria admissível?

Em primeiro lugar, cumpre referir que, na ausência de um regime jurídico específico que discipline o contrato de trabalho dos treinadores desportivos, temos de recorrer, analogicamente, ao regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo.

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Logo, o modelo de contratação de um treinador desportivo é um contrato de trabalho a termo certo, no qual o termo resolutivo aposto desempenha uma função estabilizadora do vínculo, visto que não é reconhecida a liberdade de denunciar o contrato ante tempus. Este regime visa proteger o empregador, que naturalmente também se vincula ao termo do contrato.

Perante semelhante quadro, caso o contrato seja rescindido antes do seu prazo de “vida”, e a menos que seja por acordo extintivo e abolitivo ou mediante justa causa por uma das partes, há lugar ao pagamento de uma indemnização. Quer isto dizer que, de acordo com a legislação nacional, em caso de cessação ilícita do contrato de trabalho, a parte que a tiver constituído fica obrigada a indemnizar a outra por essa quebra contratual.

E como se afere qual o quantum indemnizatório, em caso de rescisão pelo clube?

Quer por força do regime jurídico aplicável quer por via do Contrato Coletivo de Trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol, não oferece dúvida de que a resolução (ilícita) do contrato confere ao treinador o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo. Logo, o treinador teria direito a receber todos os seus salários correspondentes à duração do próprio contrato.

Uma vez que as partes não podem afastar o regime da lei e do CCT, estamos no âmbito de um direito indisponível, o que feriria de legalidade qualquer cláusula indemnizatória equivalente a apenas dois terços da duração do contrato e contrariaria o princípio do favor laboratoris. O máximo que poderia ocorrer, no caso do treinador assinar um novo contrato de trabalho com outro clube, seria a dedução das retribuições que eventualmente este viesse auferir pela mesma atividade durante o período em causa.

Tudo visto e ponderado, e apesar de se compreender o objetivo desta cláusula, a mesma não seria admissível em Portugal. E parafraseando um ilustre Professor que tive na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, «devemos fazer contratos como inimigos para sermos sempre amigos.»