Houve eleições, e o país que tem opiniões decidiu que há uma crise da direita. Descansem: não vou contestar a sabedoria oficial. Há certamente uma crise da direita. Mas a crise da direita não é só a crise da direita. É, para começar, a crise do regime e do país.

Na melhor conjuntura mundial de todos os tempos – juros baixos, energia barata, mercados ainda abertos –, a economia portuguesa conseguiu crescer menos do que quase todas as outras economias europeias, a começar pela espanhola. O custo fiscal e regulatório da protecção do Estado às suas clientelas não perdoou. Mas como sair daqui, se o país se afundou em desequilíbrios que agora limitam todas as mudanças? Como António Costa aliás lembrou durante a campanha eleitoral, qualquer “choque fiscal”, ao começar por gerar défice, implicaria provavelmente um choque externo. Como, aliás, qualquer política forte de despesa pública. Não temos opções. A crise da direita é, em primeiro lugar, a crise de um país sem margem para variar em relação às exigências da Comissão Europeia e do BCE, de que depende o financiamento externo. A abstenção, que no domingo atingiu o máximo em eleições legislativas, não terá a ver só com isso, mas também tem a ver com isso, por mais que o comentário oficial prefira explicações técnicas e soporíferas comparações internacionais.

Por tudo isto, como poderia a crise ser só da direita?  É claro que não é. É também da esquerda. Em 2015, PS, BE e PCP tinham sido oposição durante uma das piores conjunturas do país. Pois nem assim o PS ganhou as eleições nem o BE e o PCP cresceram. Em 2019, PS, BE e PCP governaram ou apoiaram a governação durante uma das melhores conjuntura de sempre. Pois nem assim o PS conseguiu uma votação superior à da coligação de direita em 2015, enquanto o BE e o PCP perderam, juntos, mais de 150 mil votos. As esquerdas não têm resposta para a crise do país, e o país sabe. Estão penduradas no poder, mas para garantirem o financiamento externo tiveram de sujeitar o Estado social aos cortes de que acusaram a direita. Depois de anos a contestar Bruxelas, tornaram-se o seu partido em Portugal. Não têm ideias, apenas o desespero suficiente para se agarrarem ao Estado custe o que custar.

Sim, sem dúvida que há uma crise da direita. Mas é também a crise daqueles que, no PSD e no CDS, se convenceram de que, para escaparem à crise, basta fingirem que não são de direita. A direcção do CDS aceitava o nome, mas não a coisa: a sua grande preocupação foi frequentemente provar que afinal a direita era como a esquerda. A direcção do PSD não aceita nem a coisa, nem o nome: julga que a salvação está nos acordos com o PS, para o que está disposta a reduzir-se um grande partido à dimensão da pequena seita de um líder regional. A fim de se justificar, invoca reformas estruturais a fazer com o PS, quando o PS, por convicção e interesse, nunca promoveu nem promoverá quaisquer reformas desse tipo. Outras, como o esquartejamento regionalista do Estado ou a submissão da justiça, talvez: mas essas, convindo aos partidos, é duvidoso que convenham ao país.

É à direita que está a força reformista do regime. A sua função, desde os anos 1970, tem sido a de adaptar a sociedade portuguesa a viver e a prosperar num mundo mais aberto. Sem essa força, Portugal continuará no impasse que a governação socialista criou. Não é só a direita, é o país e o regime que carecem de novos protagonistas capazes de devolver à sociedade portuguesa o dinamismo de que precisa para corresponder às aspirações dos cidadãos e aos compromissos do Estado. Enquanto houver uma crise da direita, a crise será de todos, até da esquerda.

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