O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou recentemente que o salário médio bruto mensal em Portugal é de 1.443 euros. Contudo, este valor falha em representar de forma realista o bem-estar económico da maioria dos portugueses. O salário médio deveria ser um indicador da qualidade de vida e estabilidade económica de uma sociedade, espelhando as condições económicas de uma vasta maioria dos trabalhadores. No entanto, essa média de 1.443 euros é distorcida por grandes disparidades salariais entre trabalhadores comuns e quadros de chefia. Ao considerar, de forma desagregada, salários de topo e de base, verifica-se que a média oculta uma realidade de baixos rendimentos para grande parte da população ativa.

Desigualdades Ocultas nas Estatísticas Salariais

A metodologia atual do cálculo das médias salariais, que inclui os rendimentos mais elevados, não apresenta uma imagem real das condições laborais da maioria dos trabalhadores. Em muitas empresas portuguesas, onde a maioria dos trabalhadores aufere pouco mais que o salário mínimo, a média salarial divulgada pelo INE é inflacionada pelo peso dos rendimentos das chefias. Esta prática gera uma perceção enganadora da realidade económica dos trabalhadores comuns.

Por exemplo, de acordo com dados de 2022, mais de 55% dos trabalhadores portugueses recebem menos de 1.000 euros mensais, valor que está significativamente abaixo da média divulgada de 1.443 euros. Acrescente-se que aproximadamente 25% da força de trabalho encontra-se a ganhar o salário mínimo nacional, fixado em 2024 em 820 euros (o que representa cerca de 956 euros mensais, considerando os subsídios de férias e Natal). Este número traduz-se em 838 mil trabalhadores a viverem com o salário mínimo.  Essa distribuição salarial não condiz com a imagem de um “salário médio” que, supostamente, deveria representar a maioria.

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Um exemplo de uma Realidade de Média Salarial Falsa

Imagine-se uma pequena empresa com 10 colaboradores em que 9 trabalhadores recebem o salário mínimo (cerca de 956 euros, média anual com subsídios), enquanto uma chefia aufere 3.000 euros. Nesse caso, a média salarial dessa empresa é de aproximadamente 1.210 euros, valor que está bem acima do que recebem a maioria dos trabalhadores dessa empresa. Este exemplo é ilustrativo da situação em Portugal, onde, em muitas empresas, apenas 1% dos trabalhadores ganha significativamente mais, mas eleva a média salarial a valores irrealistas.

Esta realidade também se reflete em nível europeu. Segundo dados do Eurostat, Portugal ocupa o 18.º lugar entre os 27 países da União Europeia em termos de salário médio anual, com cerca de 22.933 euros. Este valor, embora represente uma ligeira subida em relação ao ano anterior, é marcadamente inferior ao dos países que lideram a tabela, como o Luxemburgo (81.100 euros) e a Dinamarca (67.600 euros). De facto, o salário médio anual em Portugal é apenas ligeiramente superior ao dos países que apresentam os rendimentos mais baixos na União Europeia, como a Bulgária e a Roménia.

A Necessidade de encontrar uma Metodologia de Cálculo Mais Justa e Realista

A forma como o salário médio é atualmente calculado em Portugal mascara a realidade de muitos trabalhadores, que vivem com rendimentos limitados. Uma alternativa mais justa para retratar a realidade salarial passaria por adotar o salário mediano como referência estatística. A mediana é o valor central numa distribuição salarial, o que evitaria a distorção causada pelos salários elevados de uma minoria. Esse cálculo refletiria melhor as condições laborais da maioria dos trabalhadores portugueses.

Outro método de análise seria segmentar os dados por categorias de trabalho, apresentando separadamente as médias salariais dos trabalhadores de base e das chefias. Isso traria maior transparência e mostraria com clareza a amplitude das desigualdades.

A médio e longo prazo, adotar políticas salariais mais transparentes e inclusivas seria fundamental para o bem-estar dos portugueses e a redução das desigualdades salariais. Além disso, reajustar os aumentos anuais com base em percentagens sem distinguir entre classes salariais acaba por alargar o fosso entre chefias e os restantes trabalhadores. É essencial que o foco de futuras reformas seja o aumento do poder de compra e o fortalecimento da qualidade de vida da maioria dos trabalhadores, permitindo que os números reflitam as condições económicas reais de uma população ativa onde o rendimento médio continua a ser uma meta, e não uma realidade.