Vivemos, há 50 anos, em democracia.
A democracia que nos foi dada no dia 25 de abril de 1974 e que nos trouxe o que nos era mais importante: o direito à opinião.
Mas não nos foi dada de um dia para o outro, pois, fosse por hábitos de a controlar, fosse por desejos de assegurar um outro poder, nos primeiros tempos da democracia, a opinião só era livre se fosse a opinião que o Partido Comunista deixava que fosse livre.
Um ano e meio depois, veio um novo tempo de liberdade em que a opinião foi quase livre.
Era possível ter opinião sem ser banido dos jornais, das escolas, dos meios sociais, e mesmo dos partidos políticos, desde que não fosse de extrema-direita – que a de extrema-esquerda foi sempre possível.
Mas a democracia, que nos trouxe essa ambicionada liberdade de opinião, trouxe-nos muito mais coisas.
O acesso a novas oportunidades, a liberdade das mulheres e os seus direitos, a libertação do condicionalismo industrial, a liberdade sexual, o acesso ao divórcio e a liberdade ao aborto, o direito a um serviço de saúde, o acesso a uma maior distribuição da riqueza e, principalmente, o acesso a decidir quem governa o país através das eleições livres e universais.
Ao mesmo tempo, a democracia introduziu novas formas de aceder ao poder.
Todos têm acesso, mas só os que ganham as eleições o podem manejar.
Por isso, para ter êxito nos momentos eleitorais, tornou-se essencial garantir que se agrada a uma maioria de eleitores que, no seu conjunto, têm uma generalidade de preocupações comuns, mas que têm também muitas particularidades divergentes, o que leva o candidato ao poder a ter de escolher afirmar as generalidades comuns e a deixar de fora qualquer menção às particularidades individuais.
E assim se criou o politicamente correto, cuja definição poderá ser a forma de falar sobre tudo sem nunca se afirmar sobre nada.
Ora, a vida não se compadece com esta falta de capacidade de arriscar uma opinião e uma decisão e, por isso, a degradação da sociedade e da sua economia foi sendo continuada e a qualidade da democracia foi sendo desqualificada.
Em vez de decidirmos quem nos deve governar pelas convicções claras do que afirmam ser as suas convicções, escolhemos os nossos governantes em função da quantidade de ofensas que não nos fizeram.
Em vez de escolhermos o que irá ser o nosso futuro, optamos por seguir o caminho que exige menos esforço, apenas para garantir que não prejudicamos ninguém.
A partir do momento em que aqui chegámos, a política passou a ser gerida por uma obsessão de expor adversários aos erros do seu discurso, tentando provar que as promessas de não agressão seriam falsas e que a eleição deveria ser decidida em favor de quem menos vezes fosse apanhado a prometer o que não conseguia.
A partir daqui, voltámos a condicionar a liberdade da nossa opinião.
Com medo de que, ao dar uma opinião, esta sirva como prova de que o político não é suficientemente inócuo para poder governar, todos passam a não dar opinião e apenas a manifestar o que as sondagens valorizam.
É neste momento que se abre a oportunidade a uma nova corrente que são os partidos de contestação.
A população, que quando não tem líderes de grande coragem escolhe aqueles que menos ofendem, começa a compreender que a solução politicamente correta não é, de facto, a solução – e como não têm quem se apresente como verdadeira alternativa, apoiam a substituição do sistema.
O problema nasce aqui, na confusão sobre a opinião livre e verdadeira, a opinião condicionada para manter o poder, e na falta de poder para dar opinião.
Hoje, em Portugal, ninguém, exceto os partidos de contestação, que vêm nessa crítica um fator de valorização do seu eleitorado, pode ter uma opinião sem que seja criticado, culpabilizado, desconsiderado e mesmo insultado. E, se por acaso tentar explicar a razão da sua posição, é ainda fator de chalaça e de ridicularização por todos os que fazem opinião.
Quando António Guterres se engasgou com o valor do PIB, foi o prelúdio da sátira política em que vivemos hoje.
Com isto matámos o direito à opinião livre e séria, promovemos a opinião forjada e fingida, e destroçámos a democracia.
É contra isto que cada vez mais protesta o povo. Ou lhe devolvemos esse direito à opinião e à verdade, ou seremos levados a fazê-lo, provavelmente com muito menos democracia.