“O impulso que precisas para criar a tua empresa!”, era esse o mote do programa EmpreendeXXI, do IEFP, a que concorreram cerca de 1.900 corajosos. Programa que abriu em Abril de 2023 e devia fechar lá para o final do ano, mas fechou logo em Junho, uma semana depois de um aviso que apanhou todos de surpresa (e obrigou a correrias loucas para efetivar as candidaturas a tempo). Que dizia que daria respostas em 45 dias, mas à esmagadora maioria dos candidatos não deu e pouco disse até Janeiro. Que tinha um regulamento mal feito, demasiado aberto e omisso, dando azo a que toda e qualquer pessoa/projeto se enquadrasse, mas que viu as regras mudarem a meio do jogo, já depois de fecharem as candidaturas, quando algum iluminado se apercebeu de que, afinal, se não o fizessem, a dotação orçamental seria ínfima face às necessidades dos projetos a aprovar (parece que antever consequências de um regulamento é ciência espacial). Que tem critérios que servem apenas para majoração antes do fecho das candidaturas, mas que depois são arbitrariamente convertidos para eliminatórios, sem base legal. Que tem uma plataforma onde os pareceres das Entidades de Apoio externas (a quem o IEFP pediu ajuda para avaliar as candidaturas) deviam estar carregados, mas onde nada consta (porque isso impediria o IEFP de indeferir em massa candidaturas com parecer positivo dessas mesmas entidades de apoio). Blá, blá, blá.

Face a tal confusão, a ordem parece ter sido “indeferimentos a torto e a direito”, com justificações absolutamente hilariantes e infundadas, com respostas a reclamações que denotam que nem analisaram o que se escreveu, com invocação de critérios que não existiam (e na verdade não existem a não ser internamente), etc etc etc. É um terror, um caos, e, sendo este um programa direcionado a pequenos empreendedores, um atentado social. Porquê? Porque trouxe à vida de quem acreditou que Estado Português é pessoa de bem (e queria mesmo ajudar), um pouco de tudo o que de negativo estas situações trazem: de tempo e dinheiro perdidos, à depressão e ao risco de insolvência de alguns destes empreendedores. É mesmo, profundamente, mau. Gritantemente mau. É deplorável.

Quando são interrogados sobre isto, o que dizem governantes e direção do IEFP? Mentem, omitem, ludibriam e, claro, a saída mais usada quando se faz asneira, “não sei”, “não me recordo”, “não tenho conhecimento”. Fria e calculadamente, só pode (ou será que ignoram mesmo o que se passa nos seus feudos?!). Só para proteger a pele, porque salvar a face é mais importante que resolver a vida de 1.900 pessoas anónimas que nem vão ser capazes de se organizar para reclamar (mas afinal parece que vão).

Quem me conhece pessoalmente sabe que sou por natureza positivista, otimista e outras coisas que tais, pelo que o que aqui está a ler é um extremamente raro exercício de “ventilação de desalento”. É provável que, quando ler isto, eu já esteja de novo de sorriso nos lábios, mas como hoje não estou (e acredito que as razões para isso devem ser partilhadas, ou estas 1.900 pessoas “morrem” lentamente sozinhas) aproveito este momento para verter no papel o que me vai na alma. E o que me vai na alma são três coisas:

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1. Tenho nojo de tanta falta de honestidade intelectual, de tanta sacanice, de tanta incompetência. Sinceramente tenho até vergonha do meu país nestas ocasiões (já agora, se juntássemos o PRR, então é que seria lindo, com o Banco de Fomento a ficar com participações em empresas a quem teima em não libertar, mês após mês após mês, os vários milhões de euros dos projetos, no fundo as contrapartidas dessa posição acionista! – podem relaxar, vou poupar-vos a mais essa linha de pensamento).

2. Ser empreendedor / empresário neste nosso país é só mesmo para quem “não bate com os cilindros todos” (ou tem um cartão partidário que o livra da cadeia e remete sempre para a casa partida – e para o seu bónus de 2.000$00). É que além de lidarmos com burocracias dantescas, fiscalidade e legislação super-voláteis, taxas e taxinhas para tudo e mais alguma coisa, e de uma boa parte do país nos odiar genuinamente (ainda que eu consiga entender o porquê, em muitos casos), o verdadeiro flagelo é a misantropia seletiva do Estado face aos micro, pequenos e médios empresários: é de tal modo visceral e indisfarçada que se torna insuportável, pelo desprezo e arrogância com que se brinda quem mais empregos gera no país (a ponto de até eu, otimista inveterado, num dia mau como o de hoje vacilar de tão constrangedor que tudo isto é).

3. Estamos mesmo com uma crise de Liderança (com L grande) sem precedentes em Portugal: os governos têm esse problema, as instituições públicas têm esse problema, instituições privadas e empresas também o têm, é transversal à nossa sociedade. E é por isso que não saímos da cepa torta, porque com lideranças de topo (nesses contextos) seríamos dos melhores do mundo.

Quando trabalho com empresários defendo sempre que devemos fazer bem, que devemos dar exemplo, ser mais humanos, mais desenvolvidos… mas hoje questionei-me se isso valeria a pena. Felizmente estes humores são raros e rápidos e passar, e por isso, sem qualquer dúvida, vale. Porque por este andar serão os bons empresários a fazer a diferença, a causar o desenvolvimento das pessoas e comunidades, a salvar este país, o que me enche de orgulho e me dá mais e mais vontade de continuar a trabalhar nesse sentido. E tu, também partilhas dessa vontade? Vamos a isso?