Historicamente, em 1801, na sequencia da chamada “Guerra das Laranjas”, o Tratado de Badajoz formalizou a transferência de Olivença para a Espanha. No entanto, Portugal nunca reconheceu oficialmente a perda da região.

Os contornos que envolvem a soberania de Olivença levantam uma questão pertinente: estará a disputa territorial pelas Ilhas Selvagens destinada a seguir o mesmo caminho, perpetuando-se num ciclo de incerteza e reivindicações não resolvidas? O tema voltou a ganhar relevância quando, no passado dia 6 de julho o jornal espanhol El Economista publicou um artigo sobre as ilhas Selvagens intitulado “El archipiélago portugués que España considera suyo desde el siglo XV”. 

O artigo em questão reivindica as ilhas portuguesas argumentando que: i) Espanha presumiu que pertenciam ao arquipélago das Canárias e nunca registou a sua conquista; ii) por serem minúsculas, desprovidas de água e interesse económico, os espanhóis consideraram-nas inabitáveis e nunca as povoaram; iii) o arquipélago só pertence a Portugal praticamente devido a um descuido espanhol; iv) Espanha não reivindica a soberania portuguesa das ilhas Selvagens, mas considera-as suas de acordo com o Direito Internacional do Mar.

Para os leitores mais desatentos, vale recordar que a pretensão espanhola sobre as pequenas ilhas portuguesas, de apenas 2,73 km², constituídas por três ilhas e ilhotes, localizadas a 165 km das Canárias e a 250 km da Madeira, não é nova.

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Num ambiente internacional de grande agitação e frenesim diplomático, onde as fronteiras físicas entre países pareciam estar praticamente definidas, o assunto está a ganhar destaque. Em março de 2024, o jornal Huffpost publicou o artigo “Las islas de los 500 años de conflicto que Portugal ha quitado a España”. Em maio do mesmo ano, foi a vez do jornal As que escreveu sobre “La isla que no se sabe si es de España o Portugal”. Em outubro de 2023, o Hoy Aragon refere-se ao “Pequeño archipiélago que ha enfrentado a España y Portugal durante siglos”. Em 2016, o jornal espanhol ABC descreveu a instalação de uma estação meteorológica na ilha grande como uma “frontera virtual camuflada”.

Afastando-nos das manchetes sensacionalistas e da qualidade duvidosa de certos artigos, que parecem apenas querer alimentar as polémicas das redes sociais, é importante entender que a questão das Selvagens assenta numa disputa real, com substrato jurídico e de implicações sérias quanto aos limites do território português.

No cerne da discussão está o estatuto jurídico das Selvagens. Portugal considera-as ilhas, enquanto Espanha as define como rochedos. Esta distinção é crucial, pois tem impacto significativo na definição do direito ou não a uma Zona Económica Exclusiva (ZEE). Com o estatuto de ilhas, as Selvagens prolongam a ZEE portuguesa a sul, conferindo a Portugal o direito aos recursos naturais e geológicos envolventes. Se forem classificadas como rochedos, a ZEE espanhola poderá absorver as Selvagens, limitando Portugal apenas ao Mar Territorial.

Como sempre, “onde há fumo, há fogo”, pelo que se desengane quem pense que o interesse espanhol se limita à observação das cagarras (aves marítimas) e atividades de mergulho. Certos estudos apontam para a possível existência de jazigos de gás natural e petróleo na região, ainda que a rentabilidade da extração seja ainda incerta.

Independentemente dos recursos naturais, as possibilidades de sucesso das pretensões de “nuestros hermanos” parecem frágeis e desmedidas.

Primeiramente, não restam dúvidas quanto à soberania portuguesa sobre as ilhas, sendo uma parte integrante do território nacional pela sua descoberta e posse ininterrupta ao longo de séculos.

Em segundo lugar, a definição de ilhas pode abranger diversas formações, desde baixios e barreiras, a ilhas artificiais, rochosas e atóis. O arquipélago português das Berlengas, por exemplo, com uma área de apenas 0,99 km², é composto por pequenas ilhas. O que releva para esta classificação é o teor do n.º 3 do artigo 121.º da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar segundo a qual: “Os rochedos que, por si próprios, não se prestam à habitação humana ou à vida económica não devem ter zona económica exclusiva nem plataforma continental”.

Sobre este ponto, Portugal argumenta que as Selvagens são definitivamente habitadas, ainda que de forma escassa, por vigilantes da natureza e pela família Zino. De facto, além de visitas oficiais, até um Presidente da República já pernoitou nas ilhas. Quanto ao elemento económico, até 1960 existia uma atividade lucrativa baseada na captura e exploração de cagarras para alimentação.

Ora, estas disputas territoriais entre Portugal e Espanha tendem a terminar em impasses prolongados devido à ausência de reconhecimento mútuo ou resolução definitiva. Será que a disputa territorial pelas Selvagens está destinada a seguir o mesmo caminho de Olivença, perpetuando-se num limbo de incerteza e reivindicações não resolvidas, que alimentam especulações e apenas favorecem uma das partes?

A questão das Selvagens será analisada pela Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU, podendo o caso acabar no Tribunal Internacional do Direito do Mar, num contencioso legal que poderá levar décadas a estar resolvido, deixando em suspenso esta questão tão fundamental para Portugal.

Independentemente da definição das zonas económicas, a falta de cooperação entre os dois países em matéria de água é preocupante. Por exemplo, a Convenção de Albufeira, assinada para promover a cooperação no domínio dos recursos hídricos, proteger as bacias hidrográficas partilhadas e definir limites, falha em prevenir os constantes desentendimentos com os nossos vizinhos. Esta situação salienta ainda mais a necessidade de uma posição firme e unificada por parte de Portugal em relação às ilhas.

Não podemos permitir que as Selvagens, caiam no mesmo impasse que Olivença , perpetuando um estado de inação e vulnerabilidade. É crucial lutar pelo nosso mar, independentemente da decisão final.

O Estado Português é responsável pela satisfação das exigências naturais em sede de necessidade de aumento da vigilância e fiscalização da vastíssima ZEE, em que as ilhas Selvagens se incluem. Seja na fiscalização das atividades de pesca, deteção de atividades ilícitas, imigração ilegal, poluição marítima, controlo do tráfego marítimo, operações militares, busca e salvamento.

Defender um território que é 97% mar contra todas estas ameaças diárias é um desejo compreensível e legítimo. O futuro de Portugal depende da sua permanência e unificação como nação ao mar. A questão das Selvagens não é apenas uma disputa territorial, mas uma luta pela soberania nacional e pelo futuro económico e ambiental do país, sendo imperativo que Portugal mantenha firme a sua posição e garanta a proteção das suas fronteiras marítimas, reforçando o compromisso com a defesa do seu território. As ilhas Selvagens merecem essa proteção, e Portugal e os portugueses exigem-na.