Imagine caro leitor que está perante uma peça de mobiliário, um móvel, que representa a economia portuguesa no presente. O móvel tem três gavetas pelo que o convido a abrir as mesmas.

Na primeira gaveta estão os elementos macroeconómicos. O PIB está a crescer, algo lento, mas a crescer, e a economia deverá convergir com a área Euro até 2026; o orçamento apresenta-se com um excedente de 1,1% do PIB, uma raridade no pós 25 de Abril; a divida pública em percentagem do PIB está abaixo dos 100% do PIB e com tendência decrescente; a balança de bens e serviços volta ao excedente, e a balança de capital sairá reforçada com as transferências da U.E. entre 2023 e 26; acresce que as exportações deverão crescer (3,4%, em média, em 2023-26), sendo que não devemos perder de vista a evolução das exportações para os 51% do PIB em 2023, um feito das empresas nacionais. O investimento está garantido pelos envelopes do PRR (a FBCF deverá crescer 2,4% em 2024) – maioria dos dados via BdP.

O desemprego está na casa dos 7%, próximo da taxa tendencial, os salários deverão subir e a população ativa ultrapassou os cinco milhões, com benefícios para a Seg. social; a inflação está a caminho de ser domada (2% em 2024), pelo que é expectável o início da descida da taxa de juro em meados do próximo ano; o financiamento público beneficia de um largo espectro de investidores disponíveis, no seguimento da melhor notação de rating dos últimos 12 anos, com o regresso aos “A”. Há duas guerras em curso, mas, por agora, o impacto está limitado, sendo que a sua resolução contribuiria para a melhoria dos termos de troca. Estamos, pois, perante um enquadramento macro positivo. Fechamos esta gaveta e atribuímos um semáforo verde.

Na segunda gaveta, encontramos os problemas inerentes à dinâmica global (digitalização/transição energética/sustentabilidade, as exigências da participação na EU/NATO) e à dinâmica interna do país, sendo que no presente os mais relevantes estão: no SNS; na educação; na justiça e a falta de habitação. Os três primeiros estão na esfera do Estado. O quarto acaba por ser fortemente influenciado pelas políticas públicas para o setor. Para enfrentar os mesmos, podemos ter duas atitudes: geri-los, mantendo o status quo, ou procurar transformá-los, preparando-os para o futuro, através de reformas estruturais. Esta segunda opção é a mais difícil. Implica avaliação, escolher caminhos a seguir, propor alterações, disrupção face aos atores instalados. Sempre gera controvérsia e insatisfação. É naturalmente mais fácil, optar por um processo de gestão dos problemas, com pequenos ajustes e atirando dinheiro para cima dos problemas. Esta opção, é viável enquanto houver aumento da receita fiscal, excedente orçamental ou facilidade no financiamento pelos mercados internacionais. Naturalmente à medida em que os processos de funcionamento se agravam, tendem a crescer os protestos dos grupos organizados.

Nesta gaveta estão, pois, os problemas que os governos enfrentam na sua gestão corrente e os referidos arrastam-se há anos. O semáforo está laranja.

Na terceira gaveta, os problemas são mais preocupantes e a sua resolução não está ao alcance de uma legislatura. Refiro-me ao envelhecimento populacional, provocado por um forte défice de natalidade e que pode vir a ter um impacto na estabilidade da segurança Social e no crescimento económico. Pensar que se tem futuro, sem colocar este assunto como uma prioridade, achando que o recurso a emigrantes resolve o problema, é colocar a cabeça na areia. Sim, porque em caso de crise, os emigrantes saem. Qual o impacto nas empresas se não houver gente para trabalhar?

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O segundo grande problema é o crescimento da pobreza em Portugal. Ter um elevado número de população em risco de pobreza (40% população nesta situação antes de transferências e cerca de 20% depois), é trágico. É o resultado de políticas inconsequentes e mostram a incapacidade de se atacar o problema, para além da distribuição de subsídios. A transformação digital tem potencial para aumentar os números.

É provável que dentro desta gaveta esteja algures a crónica baixa produtividade da economia e os consequentes baixos salários, um poderoso convite à emigração dos jovens mais qualificados. Este é um problema habitualmente justificado pelo lado da falta de capital/investimento, pela menor atualização tecnológica, pelo capital humano, etc. Não creio. O clássico delay deriva do défice de organização e planeamento, do excesso de improviso e porreirismo, em lugar de exigência e rigor de procedimentos, disciplina e prestação de contas. Logo, semáforo vermelho nesta gaveta. 

A alegoria das gavetas foi a forma que encontrei para, de forma simples, contextualizar os principais desafios da economia portuguesa. Estando o país viciado em entretenimento e questões sociais, espero que na campanha eleitoral que se avizinha, haja a clarividência, de se confrontar os candidatos com os problemas das gavetas laranja e vermelha, além das trivialidades do costume.

Ah, em cima do móvel está um cisne de louça. Banco. Esperamos que não mude de cor.