Em boa verdade, as supostas elites do país, em particular as de Lisboa, tirando os seus chefes, encarnam em larga medida uma tristonha mediocridade, sendo, em grande parte, caracterizadas por uma trupe parasitária, parola, larápia e oportunista, que subsiste, como lembrava Antero, de mãos estendidas pelas secretarias dos ministérios, das administrações e das amizades mais felizes, à procura do negócio de ocasião, do subsídio, da concessão, da colocação, bem como da posição ou de um lugar para o filho, ou para o sobrinho, assim trocando favores, conhecimentos e gerindo “influências”.

Pelo meio, na modernidade caracterizada pela sempre presente necessidade da “comunicação” e das relações públicas, precisamente aquelas que garantem o posto na oligarquia, gere-se e fomenta-se todo um sistema de comunicação social que, subserviente, presta-se ao serviço de mandar, receber e publicar os providenciais “recados” que compõem o paupérrimo panorama público e publicado português. Desde o presidente da república até ao primeiro-ministro, sempre por entrepostas pessoas, quando não anónimas “fontes”, passando pelos gestores e administradores — hoje, em cheios de chique importado “lá de fora”, transformados oportunamente em “CEO”, “CFO” e demais siglas anglo-saxónicas —, todos tratam de publicar, através da respectiva agência e do jornalista mais amigo, a “notícia” que, por entre portas, faz chegar a picardia a quem de direito. Ainda assim, no final, todos se entendem — enquanto o povoléu, cada vez mais à rasca, paga a conta.

No entanto, e esta é a tragédia pátria, não existe uma verdadeira solução instantânea para este parasitismo oportunista. Muito pelo contrário, nele se revela uma característica fundamental do modo de existir português, ainda para mais uma que conta já com mais de quinhentos anos. Nos idos de quatrocentos, primeiro com o Norte de África e depois, em quinhentos, com as especiarias, num país miserável, as oportunidades revelavam-se aos espertos que, cheirando o momento, deambulando pelos portos da metrópole, buscavam a oportunidade que as riquezas subitamente desembarcadas não deixavam também de proporcionar pelas migalhas distribuídas, ou perdidas, senão surripiadas aos controladores de serviço. Quanto mais esperto o oportunista, ou quanto melhor conectado, mais ele enriquecia — e com maior rapidez e menor esforço. Consequentemente, e como nos relata amiúde Antero de Quental, muitas das vezes onde antes um andrajoso se arrastava pelas ruelas lisboetas, em meses, o mesmo indivíduo subitamente lá se tornava milionário, imediatamente apostado em ostentar vestes douradas enquanto largava moedas a rojo por tudo o que fossem mesas de tasca ou jogo. Ora, o exemplo de riqueza rápida pegou como modelo de ascensão social à elite bem-sucedida. Naturalmente, a inveja também.

Assim a coisa continuou porque, em boa verdade, em Portugal, a riqueza sempre veio de fora: primeiro, da Índia, depois, do Brasil, seguida de África para, após o fim do Império, se passar, primeiro, a viver do dinheiro da solidária CEE e, mais tarde, tal como agora, das benesses da dívida pública que o Quantitative Easing do BCE vai permitindo. Naturalmente, onde o dinheiro, e as respectivas oportunidades, aparecem de fora, por onde ele e elas entrem logo aí se forma o verdadeiro centro de poder do país — e quem nele manda, em tudo o resto manda ou, pelo menos, influencia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Deste modo, por hábito e costume ao longo de mais de quinhentos anos, em Portugal sempre se aprofundou o centralismo, o oportunismo, o parasitismo, tal como o poder das supostas elites, sempre apostadas em gerir — melhor seria dizer “controlar” — as riquezas que, “lá de fora”, tal como as modas, entram importadas no país. Ao mesmo tempo, a noção de que a riqueza se faz do acesso a esse centro, e não de uma vida de árduo trabalho, empreendimento e inovação, nunca saiu do subconsciente colectivo da elite portuguesa. Aliás, coerentemente, apenas quando os filmes e os programas Erasmus mostraram que lá por fora, no estrangeiro, era comum famílias “de posição” verem os seus filhos trabalharem no bar ou numa loja para aprenderem as dificuldades da vida, apenas aí é que a moda, com o natural atraso português, pegou — vá-se lá imaginar na corte lisboeta e cascalense dos anos 90 os jovens locais, de avental, a servirem os primos e conhecidos dos pais às mesas do restaurante.

Na política, então, a coisa ainda se revelou pior. Como os verdadeiros porteiros de serviço que guardam a entrada da riqueza importada, principalmente depois da CEE, quem está no centro, manda — e quem não está, e não manda, lá almeja estar e partilhar do pote de ouro. Por tudo isto, o triunfo político, em particular para quem vem de fora dos centros, passa sempre pelo caminho hierárquico que, invariavelmente, culmina no ministério ou, pelo menos, na secretaria de estado, lugares que, apesar de terrivelmente mal pagos para as responsabilidades que implicam, não deixam de fazer sonhar pela enorme quantidade de favores, posições, honrarias e demais prebendas que permitem distribuir.

Em Portugal, o ministro decreta e manda, ou pelo menos, mesmo que ele próprio a mando, assim faz mandar, sempre em consonância com a elite que “pensa” e dirige o país — aliás, como as oportunas escutas judiciais que, volta não volta, dão em aparecer no YouTube, não deixam de revelar. Daí que a mudança política, mesmo que rara, a acontecer, tenha que ser sempre contra a elite, e não proposta por ela: quanto mais não seja por tradição, em Portugal, a mudança nunca poderá vir de uma elite açambarcadora e profundamente controleira composta pelos mesmos de sempre, bem como pelos arrivistas que, deslumbrados, tal qual o Calisto Elói de Camilo Castelo Branco, vieram a Lisboa trocar os princípios e os ideais ingénuos pelo sucesso com o qual a aceitação dos poderosos no seu regaço e nos seus salões permite afagar os frágeis e provincianos egos. Assim, a seu tempo, e a troco da sua canina obediência ao sistema, permite-se eventualmente aos arrivistas, apesar dos fatos curtinhos e coçados nas mangas com que apareceram, o acesso ao mundo da alta finança, dos negócios internacionais e da administração da banca nacional — bem como o contacto de um alfaiate apropriado, mesa reservada no restaurante da moda e o providencial aparecimento, normalmente ridículo e forçado, na revista de celebridades que se apostam em ser fotografadas em cenário fajuto para o vizinho ver.

Já aquilo que, infelizmente, essa elite não faz é governar o país. Assim, não terá sido por acaso que, durante o século XX, os momentos de mudança política passaram invariavelmente por uma afronta às elites do momento e vieram sempre de fora de Lisboa: começando em Oliveira Salazar, oriundo de Santa Comba com as botas por polir, depois, já em democracia, primeiro, Sá Carneiro do Porto e, depois, Cavaco Silva, filho de gasolineiro estabelecido em Boliqueime. Já no século XXI, Passos Coelho, sempre ridicularizado por viver em Massamá, ainda tentou verdadeiramente romper com o status quo — veja-se como durante a sua governação Sócrates enfrentou a justiça (que ora já o sistema tratou de fazer quase prescrever), ou Salgado perdeu o controlo da situação —, mas o prestável Dr. Costa, perante a iminente queda dos “donos disto tudo”, indo, mesmo que pagando caro, buscar a extrema-esquerda num golpe de estado constitucional, lá estancou a hemorragia e, afastando o último grande adversário da oligarquia do bloco central de interesses, tratou de fazer regressar o país ao seu macambúzio, mas lucrativo para quem pode e manda, “viver como habitualmente”.

Em boa verdade, de todos estes forasteiros, apenas dois foram de facto bem-sucedidos: Cavaco Silva e Oliveira Salazar. Cavaco, é certo, porque conseguiu trazer rapidamente e em força a prosperidade ao povo prometida pela abertura à Europa — tal como enfrentou um monstro estatal ainda imberbe e sem a dimensão, e peso eleitoral, que tem hoje. Mas, antes dele, por muitos e longos anos, também Salazar o foi, este porque verdadeiramente compreendeu a essência conservadora, avessa à mudança, centralista, amiga da autoridade, habituada à esmola, à paroquialidade e ao favor, que, mais do que caracterizar a sociedade portuguesa, representa o modo de existir e viver da elite autóctone que tão bem conviveu com o regime. Tão bem-sucedido foi o Salazarismo, aliás, que nem sequer caiu de velho ou podre: tivesse Marcello Caetano pago os aumentos aos capitães e, muito provavelmente, nem se teria ouvido falar na revolução.

Hoje, passadas quase cinco décadas, o viver como habitualmente tem outro feitor: o Partido Socialista. Mas o país, e a mentalidade da sua elite, a tal choldra que Eça tão bem descreveu, não deixam de ser exactamente os mesmos. Tal como antes de 74, enquanto se garantirem de forma equilibrada às elites as oportunidades que o estado, por decreto e regulamento, vai criando, controlando e gerindo, isto ao mesmo tempo que se distribuam pelas corporações representantes do caciquismo eleitoral o esbulho fiscal e a riqueza que, agora feita de esmolas europeias, continua vindo de fora, assim se vai vivendo tranquilamente — de empréstimo em empréstimo, rumo ao empobrecimento, agora acelerado pela voracidade ideológica que a abertura cultural e mental do PS à extrema-esquerda marxista em 2015 nos veio trazer.

Verdade seja dita, pior que a miséria das carteiras ainda é a miséria moral. Aliás, no caso português será precisamente da segunda que deriva a primeira. Mas, num país onde manda quem distribui o que por cá não se cria sem o aval do estado e de quem nele manda, dificilmente poderia ser de outro modo. Isto é, poder ser diferente até poderia, mas para isso seria necessário que os portugueses acordassem deste estranho e pestilento torpor que, feito de propaganda, mentira e corrupção moral, parece impelir o país para as mãos dos oportunistas que não se importam de chafurdar na lama dos interesses como forma de sucesso profissional, mediático e político.

No entanto, para mal dos nossos pecados, por enquanto, o povo não parece importar-se em dançar a música que esta elite tão bem representada hoje em dia no Partido Socialista faz o favor de lhe oferecer.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.