Numa época em que a proteção dos dados pessoais assume uma importância crescente, torna-se urgente discutir a falta de privacidade no atendimento dos serviços públicos presenciais. O que deveria ser uma interação discreta, muitas vezes converte-se num cenário de exposição pública.
Sempre que nos deslocamos a um estabelecimento público, como as finanças, a segurança social, ou até mesmo aos centros de saúde, somos obrigados a discutir assuntos pessoais, alguns extremamente sensíveis, sem a mínima privacidade. As conversas com os funcionários públicos são feitas às claras, à vista e ao ouvido de todos os presentes. E, convenhamos, a curiosidade alheia não é algo que se possa conter facilmente. As pessoas ao redor ficam atentas às conversas, não por maldade, mas por simples curiosidade, e quem as pode julgar?
Imagine-se a discutir a sua situação financeira, uma gravidez, um divórcio, ou qualquer outro tema profundamente pessoal. Qualquer um presente ficará a par do seu processo e da sua vida. Agora imagine-se numa pequena vila ou comunidade pequena. A privacidade, já escassa, desaparece por completo e detalhes íntimos tornam-se de domínio público.
É inadmissível que estes espaços públicos não possuam qualquer estrutura ou organização que assegure a privacidade dos cidadãos. Estamos a falar de questões íntimas e, muitas vezes, de assuntos extremamente delicados expostos para todos ouvirem. Lamentavelmente, continuamos a ter serviços públicos que falham em proteger e respeitar a nossa confidencialidade.
Há ainda locais onde a situação é tão grave que a sala de espera é praticamente parte do espaço de atendimento. É difícil de acreditar que alguém considerou que o conceito de “open space” seria apropriado para serviços públicos onde a discrição é fundamental.
O Relatório da Provedoria de Justiça sobre o Atendimento ao Cidadão, publicado em dezembro de 2023, corrobora esta realidade, apontando que vários estabelecimentos públicos falham em garantir a privacidade dos cidadãos. O documento também destaca a degradação das instalações públicas, apresentando imagens que demonstram o péssimo estado de conservação de muitos destes espaços. De entre os 25 locais de atendimento analisados, foram detetados mais de uma dezena de problemas relevantes, tanto no estado das instalações como nas condições de privacidade. Estes números são uma denúncia clara de um sistema que está longe de corresponder ao que seria expectável numa sociedade moderna e respeitadora dos direitos dos seus cidadãos.
A verdade é que muito se fala da proteção dos dados a nível informático, mas pouco se discute efetivamente a realidade destes espaços presenciais, que continuam a colocar em causa a privacidade.
Importante será dizer que a Constituição da República Portuguesa consagra a confidencialidade dos dados pessoais e impõe que se deve proteger a vida privada. Ora, isto quer dizer que o Estado Português, na Constituição da República Portuguesa, impõe a proteção da vida privada e a confidencialidade dos dados pessoais, mas na prática não cumpre com aquilo que apregoa.
Efetivamente precisamos de uma mudança de mentalidade e de um maior respeito pela privacidade dos cidadãos. Uma reorganização simples dos espaços, a implementação de melhores práticas de atendimento e, sobretudo, um investimento adequado para estes serviços públicos seria um grande passo na direção certa. Afinal, a confidencialidade e a proteção da vida privada são mais do que direitos constitucionalmente protegidos, são pilares essenciais para uma sociedade que respeita a dignidade de cada cidadão.
É importante que fique claro que a falta de privacidade nos serviços públicos não é apenas um mero inconveniente, é uma clara violação dos nossos direitos fundamentais.