Os próximos dias serão decisivos para o futuro de Portugal, enquanto Estado de Direito e enquanto espaço de autêntico respeito e promoção de cidadãos livres e responsáveis. Joga-se muito e em assuntos muito sérios, que terão um impacto crucial na vida dos portugueses. De momento focar-me-ei num apenas, pela proximidade a que me toca e porque entendo estar no leque dos mais determinantes.

Refiro-me ao caso já muito badalado pelos quatro cantos do país (ao que tenho apurado) do qual os meus pais, Artur e Paula, e os meus dois irmãos mais novos, Rafael e Tiago, são os principais protagonistas. Não obstante a minha perplexidade face à contínua insistência do Estado em querer vergar e vexar os meus pais naquilo que eles entendem ser um direito fundamental que lhes é devido, é com um imenso orgulho e agradecimento que tenho a dita de estar junto deles neste processo, que já é, pelo que tenho testemunhado, uma causa comum de muitas famílias portuguesas. Mais do que uma defesa, porque o valor e a determinação dos meus pais a dispensa, tenciono prestar-lhes um profundo agradecimento, apelar a todos ao seu exemplo e defender a oportunidade desta causa, que une toda a nossa família, em favor das liberdades fundamentais que nos são devidas, como é a de educação.

Não me enganei: todos em casa, tanto os nossos pais como os seus seis filhos, dos quais sou o mais velho, estamos unidos, com plena sintonia, em todo este assunto; e serenamente dispostos, sozinhos ou acompanhados, a levá-lo até às últimas consequências, e até que se reponha a justiça e que se cumpra o Direito que nos protege. E mais! Os filhos, e em nome de todos eles falo agora, estamos profundamente gratos e sinceramente orgulhosos pelos valentes pais que temos, e pelo exemplo tão eloquente e corajoso de autêntica liberdade e de valorosa cidadania que sempre nos deram, e particularmente agora com a sua postura perante este processo. Mais do que teorias e conversas de guiões gerais e entediantes, temos em casa grandes exemplos de verdadeira (diria mesmo, heroica) cidadania, que nos têm dado lições que não esqueceremos: nem nós nem muitos portugueses. É para riscar essa versão de que somos vítimas de uns pais opressores e intolerantes. Inclusive, isso é para nós, filhos, um doloroso insulto que repudiamos com veemência. Se ainda houvesse dúvidas a este respeito, ficam aqui esclarecidas. Resta-nos poder estar à altura de corresponder ao legado que nos estão a deixar.

Subscrevo cabalmente, junto dos meus irmãos, a postura tomada, desde o início, pelos nossos pais, e que por vários tem sido considerada demasiado intransigente ou exagerada. Felizmente, ainda existem corações audazes, capazes de manterem firme a sua intransigência em face da injustiça e da insensatez. Os meus pais não seriam intransigentes se o não considerassem essencial numa matéria que é de si crucial, e sobre a qual eles próprios têm consciência do grave dever que assumiram no dia em que se casaram. Não teimam por teimar, nem para fazerem valer caprichos do momento. Aliás, têm mais que fazer do que se verem metidos em polémicas e tribunais, que apenas consomem tempo e esforço e não trazem pão para a mesa, antes pelo contrário.

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Graças a Deus, e aos nossos pais, em nossa casa ainda se preza o alto valor da liberdade. Cá o Estado não entra sem pedir permissão e sem acarretar com as consequências de algum atrevimento arrogante ou autoritário. Entendemos, porque sempre assim foi, assim é e sempre assim será daqui para a frente (digam o que disserem os mais entendidos teóricos) que a família é o espaço primordial de liberdade, de pluralismo e de património humano, cultural e intelectual de qualquer sociedade humana e a sua célula base, seja aqui ou na China, anteontem ou depois de amanhã. Não nos podemos conformar ou consentir em qualquer intromissão indevida que vise arrancar à força o que é próprio do espaço familiar, cujo valor fundamental está salvaguardado não só pelo documento mais basilar da nossa democracia – como é a Constituição da República Portuguesa, a que todas as restantes leis se devem submeter – bem como em vários importantes tratados fundamentais subscritos pelo Estado Português, como a Convenção dos Direitos da Criança (Artºs 5, 7, 9 e 14), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Artº 14); a nível nacional, ainda a Lei de Bases do Sistema Educativo (Artºs 2 e 7).

Desde há uns anos a esta parte o Estado português (e enquanto Estado refiro-me aqui ao significado mais específico desta palavra: o poder instituído) – que deveria estar para nos proteger – tem avançado subtil e paulatinamente em usurpar, sem avisar e sem pedir licença, um espaço que, naturalmente, diz especial e primariamente respeito às famílias, como dever e direito que é dos pais, e dos irmãos. Entendemos que, pela própria natureza das coisas, e como está salguardado nos documentos supracitados, é essencial o pacto de confiança entre a família, a escola e o Estado, pacto este que permite aos pais, professores e governantes cooperarem, numa relação de subsidiariedade, cada um no lugar a que lhe corresponde, para uma saudável complementaridade com vista ao desenvolvimento integral de cada criança, de cada adolescente, de cada jovem. Os pais entregam os filhos ao cuidado da escola na confiança de que esta corresponda àquilo que é do seu âmbito, e que se preservem e respeitem as opções dos pais em matérias, que, de si, não têm porque dizer directamente respeito aos professores. E isto porque, de facto, os pais são os primeiros interessados em que os seus filhos vão à escola, e aprendam, e possam ter um meio de desenvolver as suas capacidades, a muitos níveis, com muitas pessoas diferentes.  E logicamente aos pais, em razão do particular amor e conhecimento compreensivo que têm dos seus filhos, é dada a primazia sobre o modo de proporcionar os melhores meios para este desenvolvimento integral. Os pais não são, não devem, não podem ser meros espectadores na educação dos seus filhos, porque, deixemo-nos de ingenuidades, o que eles não fizerem, outros se encarregarão de fazer: seja na escola, na televisão, nas redes sociais… Porque uma criança tem necessidade e o direito de ser educada, de ter exemplos a imitar, de adquirir valores humanos, de formar convicções, de desenvolver a sua personalidade. E quem mais preparado para a ajudar nisso que os seus próprios pais?

Infelizmente, assistimos actualmente a uma quebra deste pacto de confiança. Os pais já não podem confiar na escola, porque esta se tornou um espaço de propaganda que navega ao sabor do estado de espírito do poder vigente, seja qual for a ideologia pela qual este se oriente. E os pais não são tidos nem achados, e o que se passa dentro da escola, aquilo que os seus filhos andam a aprender, já não pode ser um assunto que lhes diga respeito. De outro modo, terão o Ministério da Educação, o Ministério Público, a Segurança Social e a CPCJ à porta de casa, a pedir justificações e esclarecimentos. Queremos isto? Basta conhecer o caso do pai Artur, de Famalicão… A escola, e sobretudo o Estado, deve ser um apoio e uma cooperação à tarefa primordial dos pais na educação, não um substituto, e muito menos um opositor. O que é isto se não um abuso de poder? Aqueles que têm o poder instituído e que deveriam estar para nos proteger e salvaguardar são aqueles que nos perseguem.

Uma disciplina, como a “Educação para a Cidadania e Desenvolvimento”, cujo objectivo fundamental seja educar e formar em matérias de consciência que pressupõem concepções éticas ou morais sobre o homem e sobre o mundo, ligadas ao domínio daquilo que é a formação das convicções pessoais – sejam elas no âmbito da religião, da catequese, da sexualidade, da interculturalidade, da “igualdade de género”, da diversidade, da ideologia económica, ecológica, etc. – pode ser dada apenas e com prévio conhecimento e consentimento dos pais. Não há outra alternativa para uma disciplina desse teor que não seja a facultatividade; de contrário, cai-se numa violação de um direito fundamental e numa inconstitucionalidade (CRP, artºs 36, 43, 67 e 68), estando perante uma lei injusta a que todos, enquanto cidadãos com responsabilidade cívica, temos o dever de resistir. Nestas matérias, o Estado não tem que impôr um modelo. Onde estariam então a tolerância, e o pluralismo de ideias, e a liberdade de pensamento? Apenas nuns poucos iluminados do Ministério da Educação? Para uma abordagem profunda e completa aos aspectos constitucionais e jurídicos, remeto à autoridade e a todo o legado (aqui só o artigo mais recente) verdadeiramente notável que nos está a deixar o Prof. Doutor Mário Pinto, a quem faço um voto de louvor pelo excelente trabalho. Só existe uma solução justa e aceitável para todo este processo que é a reversão da obrigatoriedade inconstitucional desta disciplina. A disciplina de Cidadania tem de ser facultativa. Que se faça cumprir o Direito, se realmente estamos num Estado que por ele se rege.

Termino com o seguinte: na sexta-feira, dia 5 de Novembro de 2021, cessa, por decisão do Tribunal Administrativo de Braga, a providência cautelar que protegia os meus irmãos no curto prazo e que lhes permitia permanecerem no ano escolar que por justiça e puro mérito é o seu. Foi considerada “improcedente” com a directa consequência do seu chumbo, para o cúmulo de estar ainda a decorrer, também em tribunal, o processo principal, referente a uma reclamação de direitos, liberdades e garantias, movido pelos meus pais, que, para além de não apresentar ainda nenhuma conclusão, está apenas em primeira instância!

O Tribunal Administrativo de Braga decidiu “lavar as mãos” perante este assunto, não fosse arranjar problemas, e os meus irmãos voltam novamente a estar nas mãos de uns iluminados. É mais uma machadada a juntar às anteriores, que me leva a apelar às autoridades de justiça, para que estejam cientes da gravidade das suas decisões e que o façam sem olhar a ditames políticos. Pelo que tudo indica de momento, a concretizar-se este chumbo dos meus irmãos – alunos irrepreensíveis, de excelência – dá-se em Portugal um acontecimento de inédita insensatez e autoritarismo, que ficará tristemente marcado na história da nossa democracia. Não se esqueçam, portuguesas e portugueses, que a família Mesquita Guimarães são todas as famílias.