Vivemos num país onde o grito agudo da juventude é abafado pelos véus pesados da  indiferença. Portugal, esse promontório europeu de promessas tantas vezes mal cumpridas,  teima em encarar os seus jovens como uma massa uniforme, moldável, simples de compreender  e classificar. É uma falácia insidiosa, enraizada nas consciências coletivas e fomentada por uma  visão redutora daquilo que é, em realidade, um caleidoscópio de múltiplas realidades. A  juventude portuguesa, contrariamente à ideia feita, não é um bloco monolítico de expectativas  homogéneas. É, antes, uma constelação de destinos díspares, onde brilham, com uma ironia  perturbadora, tanto as estrelas cintilantes de uma elite qualificada quanto os pirilampos difusos  de uma maioria presa na armadilha sórdida da precariedade, relegados ao torvelinho de um  mercado laboral cada vez mais desumano, sempre avançando, implacável, sem o menor olhar  de compaixão para aqueles que ficam para trás.

Portugal tem-se revelado um verdadeiro laboratório de inépcia na tentativa de romper as  amarras da reprodução social. O ponto de partida de um jovem no nosso país continua  perigosamente vinculado à sua origem familiar, numa perpetuação asfixiante de determinismos  sociais. A morada da casa onde se nasceu, o rendimento parental, o grau de instrução dos  progenitores — são estes, e não o mérito ou o talento inato, os critérios que preponderam no  traçado das rotas de futuro. O sonho da meritocracia, tantas vezes apregoado, é um espelho  baço onde a realidade se perde. E, assim, o talento, esse recurso precioso e escasso, esvai-se  entre os dedos de uma sociedade que insiste em valorizar o contexto social em detrimento da  capacidade individual.

As estatísticas — esses números frios que tão frequentemente nos recusamos a encarar de  frente — não mentem: aproximadamente 20% dos jovens que sonham com um emprego  permanecem à margem, no desespero de uma espera sem fim. Um quinto da juventude  portuguesa, pairando num limbo de oportunidades frustradas e sonhos adiados. E, como se esta  tragédia silenciosa não bastasse, há ainda o fenómeno da emigração, essa ferida aberta na carne  nacional, que teima em não sarar. Os nossos jovens, os mais qualificados e promissores, partem.  Partem porque o país lhes nega aquilo que lhes é oferecido além-fronteiras. E quem são os  grandes perdedores? Nós. O país. As empresas. A sociedade, que vê escapar-se-lhe entre os  dedos o capital humano mais valioso que jamais poderíamos almejar.

Portugal tornou-se um exportador de cérebros para o estrangeiro. Somos, entre os países da  Europa, um dos que mais jovens qualificados envia para lá das nossas fronteiras, como se de  uma oferenda envenenada se tratasse. A ironia é mordaz: aqueles que deviam ser o alicerce do  futuro nacional, aqueles cujas mentes poderiam redesenhar o destino do país, partem. E não é  difícil compreender porquê. Aqui, encontram um deserto de oportunidades, um cenário onde  as promessas se dissipam no ar rarefeito de uma economia que não consegue acompanhar a  ambição das novas gerações. Lá fora, encontram o oásis que aqui lhes foi negado. Perdem-se  para nós, ganham os outros. O saldo é trágico.

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Mas não nos iludamos: a culpa não recai apenas sobre o Estado. O tecido empresarial português  tem a sua cota-parte de responsabilidade nesta tragédia silenciosa. Durante demasiado tempo,  as empresas nacionais têm agido como se estivessem congeladas no tempo, ainda presas a uma  visão ultrapassada e rígida das relações laborais. Os gestores empresariais, na sua maioria,  comportam-se como se os jovens de hoje fossem meros prolongamentos dos seus avós, como  se as suas expectativas e aspirações se pudessem medir pelas mesmas bitolas de há meio século.  Nada poderia ser mais anacrónico. A verdade, dura e cristalina, é que o jovem qualificado de

hoje se move por motivações que ultrapassam o mero salário ao fim do mês. Ele não quer  apenas um cheque; quer propósito, quer reconhecimento, quer um sentido de pertença a algo  maior.

Um estudo recente, que deveria ter sido lido com minúcia pelos nossos decisores, revela-nos  algumas pistas sobre aquilo que move esta nova geração. Mais do que estabilidade, os jovens  de hoje procuram flexibilidade. Não porque desejem trabalhar menos — ao contrário da  caricatura frequentemente pintada por aqueles que não os compreendem — mas porque  desejam trabalhar de forma mais eficiente, mais equilibrada, em sintonia com a vida pessoal e  o mundo que os rodeia. Querem, também, ser parte de algo maior, contribuir para uma missão  que transcenda a simples lógica do lucro. O escritório, esse símbolo aparentemente arcaico, não  está obsoleto. Ele pode, e deve, ser o centro nevrálgico de uma cultura organizacional viva, onde  as pessoas se encontram, partilham ideias, colaboram e crescem juntas. Contudo, o conceito de  rigidez horária, esse resquício do século passado, é visto agora como um anacronismo que urge  abandonar.

As carreiras, outrora concebidas como linhas retas e previsíveis, tornaram-se agora num jogo de  estratégia, onde cada movimento é calculado como uma jogada de xadrez. A estagnação, mais  do que a mudança, é o grande inimigo das novas gerações. E as empresas que não souberem  adaptar-se a esta nova realidade, que não oferecerem oportunidades de desenvolvimento  contínuo e de progressão interna, estão condenadas a ver os melhores talentos fugirem para os  braços da concorrência — ou para o estrangeiro.

Contudo, seria ingénuo e simplista reduzir esta questão a uma mera busca de propósito. No final  do dia, as condições económicas continuam a ser a pedra angular da equação. Ninguém, por  mais apaixonado pelo seu trabalho, ficará num país onde os salários são miseráveis, os impostos  sufocantes e a progressão na carreira um mito inalcançável. O jovem português não emigra por  mero capricho, mas, porque vê lá fora aquilo que aqui lhe é negado: um salário digno,  oportunidades de crescimento e a promessa de um futuro próspero.

O desafio que se coloca às empresas portuguesas é, pois, gigantesco. Num mercado globalizado,  onde o talento qualificado é cada vez mais escasso, apenas aquelas que forem capazes de criar  ambientes laborais verdadeiramente atrativos conseguirão sobreviver. E não basta oferecer um  salário ao final do mês. Flexibilidade, espírito de comunidade, oportunidades de  desenvolvimento contínuo e, claro, remunerações justas — estas são as exigências de uma  geração que se recusa a aceitar menos do que aquilo que sabe merecer.

Mas, se é verdade que nem todos os jovens partilham das mesmas ambições e expectativas, é  igualmente inegável que Portugal falha, de forma reiterada, na quebra das suas amarras sociais.  E a mudança, se quisermos de facto reter o talento que nos bate à porta, não pode ser apenas  uma questão de política pública. Ela deve emergir, com urgência, do seio do nosso tecido  empresarial. O talento está cá, à espera de ser acolhido. A pergunta que se impõe é: saberemos  recebê-lo? Ou continuaremos, impotentes, a assistir à sua partida, enquanto o futuro de  Portugal se escreve em línguas estrangeiras, em terras longínquas?