A Universidade é uma instituição vetusta[1] e venerável: a sua contribuição para o progresso[2] da nossa civilização é inestimável. O seu objetivo primeiro, educar o intelecto para o pensamento, para a capacidade de raciocinar corretamente em todas as circunstâncias e questões, de modo a alcançar a essência do assunto e a verdade, foi sendo substituído, num longo mas lento processo, senão de decadência, pelo menos de corrupção[3], pelo do treino vocacional. Depois de ter contribuído de modo determinante para a glória da civilização europeia, para sua filosofia e ciência, para os seus processos de organização e tecnologia, para a implantação da democracia e para a sua missão civilizadora ultramarina, o objetivo da Universidade atual é mais mesquinho, se bem que duplo. Um deles é preparar tecnicamente os alunos[4] para um futuro trabalho ou emprego. Outro é sinalizar as suas competências a potenciais empregadores.
Mas depois de a Universidade abandonar o seu objetivo primeiro, será que a formação profissional nela ministrada atualmente cumpre os seus objetivos? Será que transforma os nossos millennials em profissionais competentes? Será que licenciaturas e mestrados sinalizam corretamente competências aos empregadores? As características atuais do ensino superior são de molde a tornar, de uma maneira geral, a resposta negativa para ambas as questões. Os seus cursos são longos, inflexíveis, irrelevantes e caros.
São longos de mais: não são necessárias licenciaturas de três anos para treinar um contabilista nem mestrados integrados de cinco para formar um gestor de produção industrial. Qualquer jovem com suficiente competência literária e numérica pode aprender tudo[5] o que há para saber sobre contabilidade em seis meses, e tudo o que há para saber sobre processos de produção num ano. Será eficiente?
São inflexíveis de mais: quer em conteúdos, quer na estrutura, quer na duração. Embora a introdução de cadeiras optativas tenha minorado marginalmente o problema de inflexibilidade de conteúdos, grande parte das matérias ministradas num curso continuam a ser comuns para todos os alunos independentemente das carreiras que pretendam seguir, sem consideração pelos seus gostos e preferências, e sem muita relação com aquilo que as empresas necessitam: um curso de gestão é basicamente igual para um futuro gestor bancário ou para um prospetivo gestor hospitalar. Fará sentido?
São inflexíveis na estrutura: um aluno com 179 créditos é um licenciado em nada, mesmo que tenha média de vinte, tal qual um que, por incapacidade ou preguiça, não tenha conseguido fazer cadeira nenhuma, e ao contrário de outro que tendo obtido 180 créditos com media de dez recebe o canudo. Será justo?
Mais: para quê obrigar um estudante a tirar um mestrado completo, e a pagá-lo, se três cadeiras bastarem para o seu sucesso profissional? E para quê obrigar um aluno a frequentar uma cadeira do princípio ao fim se só parte dela for relevante para os seus objetivos profissionais? Porquê não dar acesso, avaliar e certificar a aprendizagem realizada num bloco de aulas, ou até numa única aula, a quem assim quiser? Tal como a unidade lógica e conceptual de uma cadeira, quase sempre, existe apenas na cabeça do docente, assim também a unidade lógica e conceptual de um curso existe apenas nas atas do conselho científico. Se os alunos que se satisfazem com uma estruturação curricular imposta de cima têm as suas necessidades satisfeitas com o modelo atual, os que querem experimentar usando a própria cabeça, ou seguindo as sugestões de alguém em quem têm mais confiança, não o podem fazer, nem podem assumir o risco da escolhas que gostariam de fazer. Será empoderamento?
São inflexíveis na duração, sem aceitar que pessoas diferentes possam querer, ou necessitar, de estudar com tempos[6] diferentes: no sistema atual, que estabelece limites máximos à obtenção de créditos num ano, não é possível, nem para um Einstein, acabar uma licenciatura de 180 ects em menos de três anos, nem é possível optar em fazê-la, mesmo pelo proverbial alentejano, em 30 semestres, ao ritmo de uma cadeira por semestre. Será racional?
São, também, irrelevantes de mais nos seus conteúdos. Esta característica não radica apenas na já mencionada uniformidade de cadeiras, por regra quase todas iguais para todos os alunos num mesmo curso, mas também pelo desfasamento técnico dos formadores universitários em relação ao progresso e necessidades na indústria e pela introdução de cadeiras de formatação ideológica na maior parte dos cursos. Será eficaz?
São, finalmente, caros de mais. O seu custo nem sempre é transparente nas propinas, mas é quase sempre suportado pelo orçamento de Estado, financiado pelos impostos sobre os salários daqueles jovens que foram logo trabalhar e daqueles adultos que nunca puseram os pés numa Universidade. Será justo?
Em suma: a formação profissional atualmente ministrada nos cursos universitários é demais, mas é insuficiente. É demais na irrelevância, palha e padronização (que aumentam o seu custo), e de menos no desenvolvimento de competências necessárias para o sucesso numa carreira e na autonomia conferida aos alunos.
É possível que a atual arquitetura dos cursos universitários fosse a única possível no passado: seria, em tempos idos, extremamente caro desenhar uma licenciatura ou um mestrado à medida das necessidades e aspirações de cada aluno, ou até deixá-lo assistir a aulas de diversas cadeiras e de diversos cursos ao seu belo prazer e testar o conhecimento assim adquirido para lhe conceder um grau académico. Mas com as possibilidades que tecnologia de informação abriram, este argumento já não é relevante. É também possível que, no passado, um comité de sexagenários soubesse melhor o que era necessário que os estudantes universitários aprendessem para poderem seguir com sucesso uma determinada carreira. Haverá alguém capaz de defender que isso ainda é hoje verdade?
A aplicação das novas tecnologias da informação permite atualmente não só criar cursos à medida, quer dos interesses dos alunos, quer das necessidades das empresas (a que provavelmente os alunos, ao contrário do BE ou do Ministério (…) do Ensino Superior, não serão totalmente insensíveis), mas também introduzir novas modalidades de acreditação académica, desde nano cadeiras e micro graus até macro licenciaturas e poli mestrados que um dia substituirão os graus académicos do século 13 atualmente atribuídos pelas universidades. A única questão que se põe é se as novas modalidades de estudo e acreditação vocacional serão prestadas pelas universidades tradicionais, caso estas se consigam adaptar, ou por novas instituições. O que não há que duvidar é que o que é mais eficiente, flexível, relevante e barato acaba sempre por substituir, numa sociedade livre, o que é ineficiente, inflexível, irrelevante e caro.
O avtor não segve a graphya do nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nem a do antygo. Escreue como qver & lhe apetece.
[1] Vetusto: antigo; naquela fase de operabilidade que não é incompatível com a inutilidade; deteriorado pelo tempo; decrépito; aquilo que causa ofensa aos ditames inconstantes da moda.
[2] Progresso: doutrina segundo a qual o próximo estádio será melhor que o atual e o seguinte melhor que esse, numa progressão linear, tal como o dr. Sócrates ter sido melhor que o dr. Guterres e o eng. Costa superado o dr. Sócrates; ascensão em forma de espiral com regresso cíclico ao mesmo sítio, se bem que a um nível mais elevado de miséria, tal como o dr. Sócrates ser um regresso ao dr. Guterres e o eng. Costa ao dr. Sócrates.
[3] Corrupção: um dos estádios de progresso ético e ascensão social que se atinge com a entrada para o governo da República; exercício de um cargo público de confiança política e lucro privado.
[4] Aluno: o cliente de uma escola; selvagem com instintos libertários e capitalistas a quem o Ministério da Educação tenta civilizar para a conformidade e para o socialismo, sem incorrer, durante esse processo, de acusações, por parte do Livre, de opressão cultural ou de neocolonialismo; o patrono de uma agremiação de professores.
[5] Tudo: a totalidade e todos os seus elementos, como até ao último centavo do nosso salário, com exceção daquilo que o Estado tira em impostos e contribuições várias.
[6] Tempo: duração de uma unidade de compasso; cadência; quando longo demais aborrece, quando curto demais não se distingue.