António Arnaut materializou a saúde como um bem universal, ao alcance de todos e como um bem geral, por propiciar qualquer tipo de cuidados aos pacientes. Promoveu equidade social ao permitir que a saúde não estivesse apenas ao alcance de quem a pudesse pagar, instalando-a não como um privilégio, mas como um direito.

A conquista de António Arnaut é, nos dias de hoje, o meu sonho. Trata-se justamente de uma utopia porque, se não mudarmos radical e invariavelmente de direção, o colapso da Saúde tal como a conhecemos é inevitável.

As listas de espera e as enchentes dos serviços de urgência traduzem mais do que a acumulação de um grande número de pacientes: mostram um sistema doente. A prometida transformação digital nos processos é uma ilusão. A fragilidade dos dados em sáude, a dificuldade da gestão da multi-informação, as falhas de cibersegurança, a falta de maturidade digital, a escassa interoperabilidade entre classes profissionais e serviços são, sim, os principais problemas em Portugal. Há que lidar com as mudanças sistémicas do setor: a digitalização, a flexibilização das carreiras dos profissionais de saúde, as saúdes mental e planetária.

É preciso lutar pela sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), colocando a Medicina Preventiva no cerne dos cuidados de saúde, uma vez que absorve uma menor necessidade de alocação de recursos. É mais barato ao mesmo tempo que permite a deteção precoce de doenças, o que significa que a longo prazo serão realizados tratamentos mais eficazes, que impliquem menos recursos, mas sobretudo menos tempo e sofrimento dos pacientes. Há que rastrear massivamente, o que garante melhores taxas de recuperação e maior longevidade dos pacientes. Os hospitais passarão a ter um novo papel e o foco da medicina já não será curativo.

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É necessário investir na literacia da população. O escrutínio sobre a saúde aumentou com a pandemia, mas não houve investimento governamental suficiente para continuar a contribuir para uma população mais informada sobre Saúde. Há que divulgar conceitos de saúde pública, aumentando o conhecimento sobre o que é a One Health, uma coordenação entre as saúdes humana, ambiental e animal, em que se prima pela best health. Há que aumentar a consciencialização para a Saúde Global, problema que não conhece fronteiras, afetando a generalidade dos países, tendo como exemplo as doenças crónicas e o envelhecimento, mas também atentar na Saúde Internacional, que assenta na diferença entre o funcionamento dos sistemas de saúde dos vários países, tomando como modelo a circulação de médicos entre a Alemanha e Portugal no pico da pandemia COVID-19 em Portugal nos primeiros meses de 2021.

Há que suscitar debates sobre políticas de saúde, que constituem intervenções na saúde, bem como promover políticas saudáveis, que servem para difundir saúde, mas sobretudo fomentar saúde em todas as políticas porque não se pode aumentar a esperança médiade vida, sem haver preocupação com a qualidade de vida dos últimos anos. Quando se estabelecem metas em saúde, não se pode ter medo de ser impopular. O propósito tem de ser investir no desenvolvimento de intervenções que estruturem a saúde, de ações que visem desenvolver a saúde e na consciencialização de que todos os setores da sociedade, nas suas próprias políticas, devem pensar em saúde.

Tem de se defender o que é certo para a população, mesmo quando não convém aos interesses instituídos. Há que definir políticas em saúde, prioridades e objetivos claros e mensuráveis. O mundo atual tem exigências muito distintas daquelas que vigoravam aquando da criação do SNS, e é por isso que é necessário fazer ressurgir a Saúde em Portugal. Porque ainda vamos a tempo, mas temos de ser céleres.