Em Portugal, o volume de dívidas fiscais em mora é extremamente elevado e está acima da média da União Europeia. Vivemos tempos de “heranças pesadas”, mas o cidadão comum só se sente verdadeiramente herdeiro quando paga impostos, coimas, taxas e mais taxinhas. Se queremos resolver a questão, temos de a perceber.

Em 2023 a nossa Autoridade Tributária e Aduaneira sinalizou 683.657 pedidos de penhora por dívidas fiscais, das quais concretizou 41% (279.391 dívidas). É fazer as contas! Já nos idos anos 80 do século XX, Vítor Duarte Faveiro, Diretor-Geral da extinta Direção de Contribuições e Impostos, afirmava que a realidade tributária é cheia de “incongruências, de paradoxos, de imprecisões, de contradições e de insuficiências” ao nível de estrutura coletiva, manifestando-se como um espelho da mentalidade dos próprios responsáveis. Décadas depois, a Justiça Tributária continua sendo o reflexo da forma como são (des)entendidas a interpretação e aplicação das leis fiscais.

Os dados indicam que os atuais tribunais fiscais não conseguiram resolver cerca de 10 mil processos herdados – no âmbito da reforma de 2004 – dos então designados tribunais tributários. Apesar da reforma do sistema contencioso administrativo, ter deixado pendências, conta a história que nos anos seguintes, nomeadamente entre 2004 e 2010 não foram canalizados meios humanos, nem tão pouco recrutados novos juízes para o então caos instalado.

Vivemos há anos reféns do “a Justiça é lenta em Portugal”, mas esta morosidade não pode só escudar-se na falta de capacitação humana. Vamos a números: há quase uma década, em 2015, o número de processos pendentes nos tribunais portugueses ultrapassava os 75 mil, dos quais 72% diziam respeito à área tributária. Já no final de 2021, registaram-se “apenas” 51 mil pendências. Podemos deixar a vida dos portugueses e das empresas suspensa?

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Vivemos um paradoxo: o Estado Português investiu na máquina fiscal, simplificando a vida dos cidadãos e tendo um dos sistemas mais avançados da Europa: IRS automático; e-fatura, e-balcão e processos automatizados. Mas, por outro lado, o mesmo Estado esqueceu-se de investir para acompanhar os níveis de litigância fiscal, causado em grande parte, pela agressividade fiscal gerada pelos tais “processos automatizados”. Os tribunais fiscais estão atulhados de processos, comprometendo o seu funcionamento e gestão e com pesados encargos processuais nas faturas dos contribuintes, que somos todos nós, aqueles que pagamos impostos.

Vamos a exemplos práticos: Quantos portugueses, os designados cidadãos comuns – que esperam e desesperam, recorrem, efetivamente a tribunal quando são confrontados com uma (in)justiça fiscal?  Acresce que mesmo para as empresas, existem dificuldades na real interpretação e na aplicação da legislação fiscal. O desentendimento entre as entidades e o Fisco, nomeadamente ao nível do IRC, é o quotidiano do País.

Esta situação para o cidadão comum e para as empresas é agravada também pela não simplificação dos meios de defesa (o cidadão é confrontado com uma multa ou simplesmente penhorado) e pela inexistência de um Provedor do Contribuinte, que seja independente da Administração Tributária. Todo este sistema afasta a confiança, por si só já reduzida, dos contribuintes.

Acresce que a nossa AT prioriza a arrecadação de receitas, aplicando magistralmente o princípio do “paga primeiro, reclama depois”, descurando a não existência do princípio da “igualdade das armas”. Por isso, quando usamos o argumento da necessidade de combate à fraude e às evasões fiscais, necessitamos de cuidar de uma justiça fiscal que esteja ao serviço efetivo do desenvolvimento económico e social, quer ao nível da eficácia como da eficiência.

Em junho foi criada a Comissão para a Revisão do Processo e Procedimento Tributário e das Garantias dos Contribuintes, que decorre do objetivo de tornar estes processos mais céleres, mais simples e mais eficazes. O objetivo é de, no prazo de seis meses, apresentar um projeto de alterações legislativas, com vista a acelerar a resolução dos processos entre a AT e os contribuintes.

E porque caminhamos a passos largos para o Natal, fica um desejo: que o Estado – em sentido alargado – dê o exemplo, acatando e cumprindo as decisões judiciais (não indo de recurso em recurso), quando estas lhe são desfavoráveis, em benefício do contribuinte – o cidadão/empresa, que espera e desespera!