Nos últimos séculos vivemos verdadeiros processos de mudança da sociedade e do mundo. Desde o primeiro momento de industrialização em 1765 com a introdução do carvão, máquinas a vapor e linhas de produção até ao que consideramos ser a terceira revolução industrial com o a introdução da energia atómica, computadores e telecomunicações, que o mundo tem como força de mudança uma nova, mais poderosa, fonte de energia. Mas será este o motor para a próxima revolução industrial? Não acredito…

Acredito que já estamos a viver uma nova revolução industrial, mas, desta vez, tem por base um novo paradigma. Pela primeira vez na história, não é a energia que está a mudar o mundo, mas sim a computação e os computadores. Como Marc Andreessen tão bem sumariou: “o software está a comer o mundo”. É com isto em mente que vos convido a uma viagem filosófica sobre o impacto do software, e mais concretamente da inteligência artificial, no mundo, na sociedade e no mercado de trabalho.

Gosto de definir a inteligência artificial como a capacidade de uma máquina digital executar uma tarefa normalmente associada com seres inteligentes, mais propriamente com a capacidade de ver, atuar, comunicar, inferir e aprender.

De forma a compreendermos como esta tecnologia pode impactar a humanidade, creio que temos de nos refugiar na filosofia, mais propriamente nas escolas de pensamento do dualismo e monismo.

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O dualismo surge na escola de pensamento grega com Platão, Aristóteles e Descartes onde defendem que a mente e o corpo são duas entidades distintas e não idênticas. Platão especula sobre a existência de um mundo de ideias que contém coisas que não existem no mundo real, como por exemplo um círculo perfeito. Um círculo verdadeiramente perfeito nunca existirá no mundo real, mas existe na nossa imaginação.

O monismo, por sua vez, surge com Heraclitus e é desenvolvido vários seculos depois por pensadores como Spinoza e Berkeley, onde defendem que a mente e o corpo são manifestações de uma única entidade. Fundamentalmente, tudo no universo é composto por átomos e tudo está sujeito ao mesmo conjunto de leis da física. Mesmo as nossas emoções e sonhos não passam de sinapses cerebrais e reações químicas. Neste contexto tudo poder ser partido nos seus componentes fundamentais, onde uma cadeira usa os mesmos elementos fundamentais que um ser humano.

Seremos nós, humanos, máquinas, animais ou humanos? Com base nas duas correntes de pensamento podemos inferir que, por um lado, uma máquina se pode comportar como um humano ou por outro, que uma máquina nunca terá acesso o mundo da criatividade e das emoções que tão bem nos caracterizam. Mas, o que tem tudo isto a ver com a inteligência artificial e o seu impacto no mercado de trabalho? Na verdade, tudo!

O monismo defende uma união entre o corpo e a mente, o que me leva a pensar que a inteligência artificial tem a capacidade de deixar a humanidade sem trabalho, tendo o mundo que se reordenar e encontrar novas formas de sustentabilidade física e emocional (falamos sobre um rendimento único universal, por exemplo). Se somos feitos exatamente dos mesmos elementos fundamentais que o resto do universo, há razões sólidas para acreditar que uma máquina pode, um dia, tomar o nosso lugar, sendo em muitos casos melhor do que nós, humanos.

Agora, se observarmos o mesmo problema com uma lente dualista, acredito que nem todos os trabalhos serão tomados pelas máquinas. Como os humanos são fundamentalmente diferentes das máquinas, haverá sempre trabalho que as máquinas não serão capazes de realizar. Assim, existirá sempre um local seguro para a humanidade, onde as máquinas não conseguirão aceder ao nosso mundo mental, abstrato e criativo. Acredito que muitos setores serão transformados pela inteligência artificial (como o setor da indústria, do retalho, dos serviços, entre outros), mas muitos mais serão criados tendo por base a sensibilidade humana.

É com esta dualidade de perspetivas que vos deixo. Com a certeza de que estamos á beira da maior revolução industrial e societária dos últimos séculos. É importante estarmos conscientes sobre esta dualidade de pensamento que moldam as nossas crenças, conversas e previsões sobre o impacto no mundo. Eu, pessoalmente, sou um humanista. Acredito no dualismo e na existência de um mundo criativo, emocional e imaginativo. Apesar da inteligência artificial ir acabar com muitos postos de trabalho, muitos mais serão criados precisamente com base nestas características que fazem de nós humanos.