Vivemos num mundo cada vez mais digital, com os computadores e o software a fazerem parte do nosso dia-a-dia e a estabelecer-se como base aceleradora de muitas outras ciências ao longo das últimas décadas. De facto, em retrospetiva, verificamos que múltiplas ciências evoluíram significativamente mais nos últimos 50 a 70 anos do que nos séculos anteriores, precisamente pelo impacto dos computadores e da computação.

A evolução da espécie humana ficou marcada por momentos decisivos e com repercussão na evolução genética do Homem mas, se olharmos para um passado mais recente, os saltos evolucionários que temos dado estão diretamente relacionados com o uso de algo desenvolvido há 2 milhões de anos – o cérebro – e com a nossa capacidade de aplicar o conhecimento para suportar a nossa evolução enquanto seres pensantes e sociais. É, portanto, minha convicção de que só com um conhecimento mais abrangente e inclusivo se conseguirá dar o próximo passo na evolução.

E é aqui que entra o pensamento computacional, o processo de pensamento envolvido na formulação de um problema e na expressão da sua solução de forma a que até mesmo um computador – muito mais limitado nas suas capacidades que um humano –, como muito bem expôs Jeannette Wing, possa realizar as mais variadas tarefas. O pensamento computacional é uma ferramenta extraordinária para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e inclusiva. Não será a única, certamente, mas, utilizando um exemplo recente que pode mostrar o quanto isto é verdade, sem computadores, comunicação digital e pessoas capazes de pensar de forma estruturada e – atrevo-me a dizer – computacional, seria impensável desenvolver vacinas contra a Covid-19 em apenas um ano.

Hoje, com mais pertinência do que nunca, acredito que todas as crianças, desde os seis anos de idade, deveriam aprender computação e pensamento computacional. Mas será que o afirmo por conveniência, egoísmo, corporativismo? Não! É com responsabilidade, como pai e cidadão, com convicção técnica e científica e com humildade que reconheço no pensamento computacional a capacidade de simplificação e atenção ao detalhe que devemos introduzir na aprendizagem das novas gerações. É o processo de decompor um problema complexo num conjunto de passos tão simples, que até uma máquina os consiga entender, que criará nas crianças e jovens uma capacidade melhorada de compreender, simplificar e atuar para resolver qualquer problema com que se deparem na sua vida futura, independentemente da sua área de atuação. Como Margaret Mead dizia, “as crianças devem ser ensinadas a pensar e não o que pensar”.

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Em Portugal, de uma forma geral, há ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito à formação em computação e pensamento computacional, embora considere que esta tem vindo a assumir um papel de extrema relevância. Contudo, existem bons exemplos que podem servir como referência – é o caso da ENSICO, que tem vindo a desenvolver um trabalho que a coloca a par de iniciativas internacionais, como a Computing at School, no Reino Unido e a Code.org , nos EUA.

Ao ensinarmos computação e pensamento computacional às crianças, estamos a prepará-las para atuar em qualquer área, e não tenhamos dúvidas de que isto constitui uma enorme vantagem competitiva para qualquer país. Hoje, a competitividade já não passa por falar inglês ou por disponibilizar computadores nas escolas, mas passa certamente pelo pensamento computacional. Não por ensinar crianças a programar, mas sim que estas compreendam este tipo de pensamento e o saibam aplicar aos mais diversos domínios – desde a Língua, à História e à Química, por exemplo. Esta é mesmo uma questão central: o pensamento computacional vai impactar positiva e exponencialmente qualquer área e não necessariamente apenas as ciências exatas, ou mais concretamente, as “engenharias” (o que quer que isso signifique), como muitos advogam.

Especificamente em relação à futura força de trabalho, pessoas que tragam o pensamento computacional como conhecimento adquirido desde idades mais jovens podem, sem dúvida, contribuir de forma significativa para o desenvolvimento de produtos, serviços, conceitos e criações com impacto real nos indivíduos, quer na sua vertente mais pessoal, quer no local de trabalho. Não faltam, aliás, exemplos do nosso passado recente que mudaram a forma como vivemos a nossa vida – como o Smartphone, a Internet ou as redes sociais -, provando-nos que conhecimento materializado na resolução de problemas e na criação de soluções ao serviço da sociedade tem este poder nas suas mais diversas vertentes.

Com estes valores e conceitos como basilares, acredito que as nossas crianças irão estar muito mais preparadas para enfrentar, compreender e até moldar o mundo que vão encontrar enquanto adultos. Acredito que o nosso futuro comum passa mesmo por uma mudança sem precedentes nas pessoas, na sociedade e na forma como criamos valor, com foco no desenvolvimento de soluções que possam ter um verdadeiro impacto na humanidade.

Desafio-vos a conceber um mundo onde todos tenham os conceitos fundamentais de computação como ferramenta de pensamento. Olhando para a evolução gigantesca que alcançamos nos últimos anos – em particular o impacto que foi operado por pessoas das ciências exatas e engenharias, isto é, aquelas que tiveram acesso a este tipo de pensamento -, imaginem qual o tipo de evolução que a sociedade e o mundo podem vir a ter se generalizarem esta forma mais estruturada de pensar e resolver problemas. Num mundo tomado pelo software e a computação, só assim conseguiremos dar às nossas crianças a capacidade de o compreender, o transformar e o evoluir em benefício da humanidade.