É inegável que vivemos em plena era digital. Uma parte significativa das nossas relações, tanto as profissionais como as pessoais, desenvolvem-se num contexto digital. Comunicamos por e-mail, falamos por Skype e reunimos em salas virtuais espalhadas pelo mundo com pessoas com as quais, muito provavelmente, nunca partilharemos mais do que um espaço num ecrã. Esta tendência é transversal a todas as gerações com maior incidência na Geração Z (Millennials) e Geração Alfa suplantada, maioritariamente, pelo acesso facilitado destes às novas tecnologias e dispositivos eletrónicos que lhes permitem uma diversidade de ações através de várias plataformas e aplicativos móveis.

Um dos aspetos em comum destas duas gerações é a preponderância para comunicar e interagir através das redes sociais, onde não se inibem de partilhar aspetos da sua vida privada, interesses, relacionamentos interpessoais amistosos e tantas vezes íntimos. Uma parte significativa destas relações pessoais, surgem e desenvolve-se em ambientes digitais, na intimidade das mensagens privadas nas redes sociais.

Mas toda esta partilha, que é tantas vezes feita sem uma ponderação e cuidada reflexão, tem perigos para os quais não existe ainda contraceção eficaz e para os quais a nossa lei apresenta soluções ineficientes.

Neste contexto veja-se recentemente o caso do futebolista internacional, João Félix, que viu divulgadas por parte de uma médica espanhola, Arancha Zur, mensagens de foro íntimo trocadas entre ambos na rede social Instagram.

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As mensagens foram divulgadas no perfil da médica após esta ter utilizado a ferramenta da aplicação “Instagram Stories”, alegadamente para publicamente denunciar a infidelidade conjugal, visto que na altura o futebolista mantinha um relacionamento com a atriz e modelo Margarida Corceiro.

Independentemente do fundamento ou da moralidade da justificação apresentada, é indiscutível que em causa estão mensagens trocadas no âmbito da esfera mais íntima do jogador.

Embora a lei imponha o dever geral de guardar reserva quanto à intimidade da vida privada, a verdade é que a tecnologia e as plataformas que ocupam este espaço estão desenhadas para incentivar a partilha de conteúdos, até porque, a própria subsistência das redes sociais e destes espaços, depende dessa criação e propagação de conteúdos por parte dos seus utilizadores.

A divulgação de mensagens de teor privado, tal como foi o caso, depende sempre do consentimento expresso dos seus intervenientes sendo apenas excluída a necessidade desse consentimento em casos de exigências de justiça, didáticas, ou caso o cargo que o visado desempenhe o justifique.

Independentemente da intenção da médica de cobrir o seu ato de devassa com vestes de moralidade, enquadrando o seu comportamento como um manifesto contra a infidelidade conjugal, a verdade é que, no presente caso não existia qualquer interesse ou fundamento para a divulgação daquelas mensagens privadas.

Num espaço virtual em que são inseridos dados pessoais e informações que, supostamente, deveriam permanecer no foro privado, acessíveis, única e exclusivamente ao titular dos mesmos, o próprio direito à privacidade encontra-se fragilizado.

Tanto a nossa lei penal como a lei civil preveem penas e responsabilidades para quem, sem consentimento e com a intenção de devassar a vida privada das pessoas designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, lesem esse espaço e esfera de reserva.

A verdade é que nenhuma das soluções tem a capacidade de devolver tudo aquilo que as redes sociais podem causar pelo seu efeito viral, sendo incapazes de impedir ou até mesmo minimizar a disseminação destes conteúdos ilícitos.

Pelo facto de o teor de mensagens privadas poder chegar ao conhecimento de terceiros, deverá haver uma maior consciencialização do cidadão na utilização das redes sociais, sendo crucial uma maior proteção legal que acompanhe a evolução desta utilização e que permita salvaguardar, sem reservas, os direitos de todos nós.