«À justiça o que é da justiça, à política o que é da política.»

A frase – repetida ad nauseam – é de António Costa. Todavia, como é observável, não tem aplicabilidade. O próprio António Costa sucumbiu à sua prosa.

Miguel Albuquerque foi o mais recente político a claudicar à mera suspeita sobre a eventual prática de crimes.

Ora, um suspeito não é um arguido; um arguido não é um acusado; e um acusado não é um condenado. E um condenado só se torna efetivamente condenado quando a sentença condenatória transita em julgado, isto é, quando se torna insuscetível de recurso. É a mais basilar regra do direito penal.

Aqui chegados, encontramos dois cenários que, embora diferentes em termos de estatuto, conduziram ao mesmo epílogo. Se António Costa é suspeito, Albuquerque é arguido.

Pese embora a palavra ou a condição de arguido seja interpretada pela generalidade das pessoas como condição negativa, a verdade é que é meramente um estatuto. Estatuto esse que confere à pessoa vários deveres e, outrossim, vários direitos. E nos direitos consagrados há um que parece ser ignorado na política, o da presunção de inocência.

Não nos esqueçamos que o inquérito (primeira fase de um processo penal), seja ele qual for, em que o dominus é o Ministério Público pode findar com um arquivamento. Daqui resulta que todo o frenesim gerado em torno de um qualquer processo judicial pode resultar em nada.

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Dito isto, há outras variáveis que se colocam tempestiva e paralelamente, como sejam a ética, a opinião pública, a oposição política, as denominadas questões de governabilidade, as condições para o exercício do cargo, a suspeição, entre outras.

Ora, elas ladeiam e concorrem com o processo judicial, mas tendem a vencê-lo. Assim foi com Costa, assim foi com Albuquerque. De outro modo, as variáveis que concorrem com o processo antecipam um resultado, um ato decisório, que neste caso, como se sabe, foi a demissão dos governantes.

Há algo que se impõe escrever. É notório que nos últimos anos o Ministério Público tem mostrado ao país que “não há uma justiça para pobres e outras ara ricos” como abundantemente se considerou no passado e, por outro lado, é absolutamente notória a independência do poder judicial, cumprindo estritamente a Constituição e dando conforto aos portugueses.

Exposta a questão, cumpre questionar se é legitima a judicialização da política. Querendo, de outra forma, se é legítimo que uma mera suspeição, sem acusação, sobre um político é suscetível de inquinar o exercício do cargo para que foi eleito.

Em termos práticos, sim. Em termos teóricos, não.

Em termos práticos, sim, porquanto se tem verificado que qualquer inquérito produz efeitos políticos.

Em termos teóricos direi que não, atento o facto de entender que se na política prevalecesse a preceituada (e não levada a sério) presunção de inocência, esperar-se-ia por maiores desenvolvimentos do processo judicial para, então sim, verificar-se uma decisão.

Todavia e apesar dos pesares, não podemos escamotear a verificação de factores paralelos e já referidos acima que acabam por condicionar sobremaneira a antecipação de uma decisão.

É um busílis. O facto de um político sustar por decisão do inquérito implica que, na verificação desse período – o qual pode ser longo – esteja sob pressão da opinião pública, oposição e média que, em rigor, lhe retiram a pacificação que carece para o exercício do mandato.

E assim, atentos os fatores descritos, renunciando ao cargo, retira sobre si a pressão em que se viu mergulhado. Vide Albuquerque que, após anunciar a decisão demissionária, foi deixado em paz. A partir dali deixámos de ver diretos da Madeira.

Concluindo, a judicialização da política é verificável, palpável, mas lateralmente. São as condições laterais e colaterais que condicionam e determinam uma posição, seja ela por insuportabilidade, por recomendação, por prevalência do “coletivo”, por perca de confiança política, por ausência de pacificação.

Contudo, se se olhar para o processo judicial, ele não produziu efeitos. Não havendo decisão condenatória transitada em julgado, qualquer político é tão inocente quanto o era antes da entrada da queixa ou denúncia. E tanto assim é que, no fim, quiçá, possa ser absolvido.

Em função da conclusão, direi que há uma lateral judicialização da justiça. Ninguém cai por ela, atendendo a que antes dela determinar o que quer que seja, os fatores laterais paralelamente gerados foram – estes sim – conducentes à queda.

É falsa, por isso, a narrativa de que o Ministério Público é o responsável pela queda do governo e crises governativas. Que o Ministério Público causa desconforto, acedo. É o exercício da sua independência verificável que a todos conforta menos aos visados.

Tudo o resto são conclusões infundadas, como procurei demonstrar neste texto, as quais desconsideram o que deveriam considerar, i.e., os fatores laterais, paralelos, oportunos (quiçá oportunistas), as variáveis, as quais, a reboque de um processo judicial em mera fase inicial, determinam antecipada e independentemente daquele, um resultado político.