O PAN (Pessoas, Animais e Natureza), como partido político, resulta de um fenómeno disseminado nas culturas ocidentais contemporâneas, ao qual Portugal não consegue fugir, que radica numa espécie de movimento de consciência social para com os animais, em que o animal é humanizado e investido de plenos direitos.

À medida que nas sociedades mais urbanas, o isolamento, a falta de relações pessoais e o distanciamento da natureza contribuem a que os relacionamentos afetivos entre humanos sejam substituídos pela interação com animais de companhia, cresce também o ativismo animal, que à semelhança de outros ativismos, encontra na causa um sentido de nicho e de autorrealização pessoal.

Não é raro, mas é perturbador, assistirmos a como um evento dramático envolvendo animais, seja ele o incêndio nos abrigos ilegais de Santo Tirso ou o despovoamento das espécies cinegéticas da Herdade da Torre Bela para instalação de um parque de painéis fotovoltaicos, suscita mais indignação do que a morte por abandono e desidratação de dezenas de idosos durante um surto de COVID-19, como o que se verificou no lar de Reguengos de Monsaraz.

O PAN cavalga desde 2015, com relativa astúcia, este fenómeno social e soube até aqui, com ajuda de outros partidos, fazê-lo crescer e atrair outros apoiantes.

Paralelamente ao ativismo animal, o PAN expandiu-se para as áreas do ativismo ecológico, conseguindo atrair algum eleitorado jovem, urbano e desinformado e conseguindo eleger quatro deputados em 2019.

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A narrativa do PAN de diabolização do mundo rural, a sua cruzada contra a atividade pecuária, a agricultura intensiva e a defesa sem limites de uma dimensão ética do bem-estar animal, para lá de toda a evidência científica, assentam todas elas numa profunda ignorância. É nesta ignorância de algum eleitorado que as ideias do PAN vingam e é esta ignorância que o PAN pretende, não só manter, como fazer crescer.

Em regra, qualquer eleitor com espírito crítico, ainda que viva em meio urbano, por sinal e que por força do sistema eleitoral, são as áreas onde se elegem mais deputados, consegue compreender que as atividades ligadas à terra no mundo rural, que vão desde a agricultura à pecuária, passando pela caça, quando exercidas de forma sustentável, contribuem para a fixação de população em áreas desfavorecidas, para a gestão da paisagem e a prevenção de fogos florestais, para a conservação da biodiversidade e para a produção de bens alimentares que não são produzidos no meio urbano.

Mesmo a produção agrícola intensiva com a utilização de pesticidas consegue atingir coeficientes de eficiência que são absolutamente críticos para o equilíbrio entre a sustentabilidade ambiental e o abastecimento alimentar.

Com uma população mundial próxima dos oito mil milhões de pessoas, advogar pela adoção globalizada de agricultura biológica significaria ter de usar muito mais área agrícola que teria que ser ganha à floresta e ainda assim, tudo acabaria numa palavra – fome.

Mas ao PAN interessa esta ignorância e interessa desinformar em nome de uma agenda que não encontra cabimento no mundo real.

Veja-se o recente Projeto de Lei n.º 999-XIV apresentado pelo PAN e aprovado na generalidade com os votos deste e do PS, BE, PEV, IL e das duas deputadas não inscritas, no passado dia 12 de novembro, que cria e regula o estatuto do animal comunitário, banalizando o animal de rua e que pelo meio, expondo como motivo o elevado número de ataques de cães assilvestrados a rebanhos, eles próprios consequência direta e previsível da imposição da Lei n.º 27/2016 que impede o abate de animais nos centros de recolha oficial, vem agora impor aos municípios a construção generalizada de parques de matilhas, onde estes animais, depois de capturados e esterilizados, serão reconvertidos por artes mágicas, em animais comunitários ou, pasme-se, em cães de gado.

De facto, apresentar e discutir uma proposta de tal forma descabida de sentido como esta, não só desprestigia a Assembleia da República, como é ofensiva para o cidadão comum, porque de forma negligente ou não, existe aqui uma tentativa clara de passar um atestado de ignorância ao Parlamento e aos portugueses.

Só num quadro de profunda ignorância e só quem não conhece o processo de aprendizagem e as características necessárias à formação de um cão pastor ou de um cão de gado, poderá sugerir que um cão adulto com caráter assilvestrado se converta num cão pastor ou num cão de gado.

Não sabemos se a ignorância dos deputados do PAN é ingenuidade ou é consciente e premeditada, mas sabemos que esta visão que tentam impor, que oscila entre o mundo imaginário da Disney e o Imagine do John Lennon, já trouxe consigo prejuízos graves para a saúde pública e para a segurança de pessoas e animais, com sinais hoje por demais evidentes.

Agora também, como era espectável, a utopia do PAN chocou de frente com a realidade e com a brutalidade e implacabilidade com que a Natureza nos dá ou nos tira o que semeamos, seja numa pastagem ou numa estufa de frutos vermelhos.

Acontece que aqui foi numa estufa de frutos vermelhos. Soube-se esta semana que a deputada e líder do PAN Inês Sousa Real, possui participação junto com o marido em duas empresas que se dedicam à produção de frutos vermelhos para exportação, com método de produção intensivo em estufas.

Nenhum mal existiria nisto, tal como nenhum mal existiria no negócio imobiliário de Ricardo Robles do BE, não fossem ambos políticos que ativamente se manifestavam contra aquelas práticas e seguissem eles próprios a velha máxima “Bem prega Frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz.”

No caso de Inês Sousa Real e das estufas de frutos vermelhos o contrassenso é particularmente mais doloroso porque, de facto, sem estufa, sem irrigação artificial e sem aquele método de produção intensiva, ela colheria no fim da época, meia dúzia de framboesas raquíticas que pela má aparência tivessem escapado do apetite dos pássaros, esses malvados.

Não há outra forma de o dizer, como não há outra forma de produzir frutos vermelhos. O cenário idílico livre de plástico onde Inês Sousa Real se passeia pelo bosque com uma cesta a colher framboesas e mirtilos não se compadece com um mercado implacável e maioritariamente exportador, onde o retorno económico depende da eficiência e onde as cestas estão nas mãos de mão-de-obra maioritariamente imigrante, que a própria Inês Sousa Real tanto criticou, nas suas incursões pelo ativismo humanista, aquando dos surtos de COVID-19 nas comunidades imigrantes de trabalhadores agrícolas das estufas de Odemira.

Grave não é produzir frutos vermelhos em estufas. Grave é a falta de decência de quem caminha na vida pública e quer fazer acreditar os eleitores de que existe um modo de vida alternativo, mas que nem a própria é capaz de cumprir, porque sabe em primeira mão, que é impossível de cumprir.

Podia ter-se dedicado a outra coisa. A produzir bens alimentares essenciais e a distribuí-los no mercado local, por exemplo. Mas não, frutos vermelhos com nomes pomposos em inglês é muito mais giro. E ainda bem, porque assim ficamos todos esclarecidos.

Diz a própria que em política não vale tudo. Não deveria valer, em primeiro lugar o cinismo de em vez de trabalhar para o bem comum, preocupar-se exclusivamente com a ascensão política e pessoal, nem que para isso tenha que propalar mentiras e cenários utópicos enquanto ataca o modo de vida de milhares de famílias no mundo rural.

O eleitorado do PAN, agora que se vê ele próprio ridicularizado na infinidade de memes e de publicações nas redes sociais, que fazem paródia com infelizes jogos de palavras, ora estufas ora túneis, tem agora uma oportunidade de ouro para, com lucidez, se libertar do jugo da ignorância.

Quanto à deputada Inês Sousa Real, certamente que não terá humildade suficiente para se demitir e arrastará o partido para a irrelevância de onde nunca deveria ter saído, para o bem de todos.