Já há algum tempo que se anda a falar da importância da participação ativa das nossas comunidades açor-americanas no processo político dos Estados Unidos. Primeiro, pela necessidade de as comunidades terem a sua própria voz dentro do sistema político norte-americano. Segundo, devido à possibilidade de as comunidades serem um lobby dos Açores e de todo o país junto das entidades norte-americanas. Aliás, os discursos e as palestras dos governantes açorianos junto das comunidades têm focado esse aspeto. Há nas comunidades uma consciência política ativa. Começam a florescer indícios de que os próprios luso-americanos (muitos desses açor-americanos) também sentem essa necessidade. Depois de nas últimas décadas se ter procedido a sucessivas campanhas de naturalização, as múltiplas comunidades movimentaram-se para o recenseamento e uma eventual participação no processo democrático através do voto e do ativismo político. Mas a questão que me parece vital é: realisticamente, que influência poderemos ter no processo político dos Estados Unidos da América?
Como se sabe, há dois polos a gerirem a política estadunidense: o dinheiro e os votos. E diga-se de passagem que o primeiro tem ultrapassado o segundo por larga escala. Na presente atmosfera política, onde as campanhas custam milhões de dólares, que influência poderão ter as comunidades de origem portuguesa e açoriana? Num país com cerca de 330 milhões de habitantes que força terá o nosso “milhão e meio”? Sem esquecer que nesse “milhão e meio” está inserida uma boa percentagem da nossa comunidade, emigrada dos Açores na década de sessenta e princípio dos anos setenta, sem qualquer cultura política, e que hoje está bastante envelhecida. Isto para não falar de uma outra percentagem das segundas, terceiras e sucessivas gerações, extremamente assimiladas e já bastante diluídas no mosaico humano estadunidense que ainda teima em ser “melting pot”. E, como é óbvio, gerações sem qualquer correlação direta a alguns dos assuntos mais pertinentes para a comunidade emigrante e a primeira geração.
Daí que sempre fui apologista de nos concentrarmos no poder local. A possibilidade de resultados plausíveis terá sempre outro impacto a nível autárquico ou regional. As comunidades açorianas dos Estados Unidos precisam ter a sua voz nas decisões que diariamente são tomadas nas Câmaras Municipais, nos Concelhos de Condado e nas direções escolares. Com vozes atuantes na política local torna-se mais tratável a solução de políticas tão adequadas como o ensino da língua portuguesa nos estabelecimentos de ensino primário, secundário e até mesmo superior. Porque como se sabe (parece que o poder centralista do ensino em Portugal ainda não o compreendeu), o ensino nos Estados Unidos é descentralizado. Mais, as políticas sociais que afetam diretamente as vizinhanças e os bairros onde a comunidade se integrou são, na sua maioria, executadas a nível municipal.
Considero imprescindível centralizar um maior esforço no poder local. É que se em alguns casos, como em certas áreas de Massachusetts e Rhode Island, a comunidade, numericamente falando, poderá ter uma voz ativa a nível estadual, ou mesmo uma influência decisiva na eleição do deputado daquela zona para o congresso federal, o mesmo não acontece em alguns locais destes mesmos estados, onde as percentagens de residentes de origem açoriana são menores, e noutros da união americana, onde também existem expressivas comunidades de origem portuguesa: o caso da Califórnia, de Nova Iorque, da Florida, de Connecticut e do Havai, por exemplo.
Tudo se baseia no jogo dos números. Daí que utilizarei como exemplo o condado de Tulare, no estado da Califórnia, que tem uma população de cerca de 468 mil habitantes, dos quais, pelos melhores cálculos, cerca de 20 mil são de origem açoriana. Desses, cerca de 7500 vivem na zona da cidade de Tulare, que por seu turno tem uma população de 70 mil habitantes. Obviamente, e é fácil discernir, que o peso político da nossa comunidade nesta zona será muito maior a nível autárquico, onde representamos cerca de 11% da população, do que a nível regional ou nacional onde representamos menos de 5% da população do condado. E tais números repetem-se um pouco por vários estados da união americana.
Há também que se fugir aos guetos políticos e aos votos que supostamente são feitos em nome da ascendência portuguesa. As comunidades da Califórnia, e quiçá um pouco pelos outros estados onde há uma concentração de gente originária do nosso arquipélago, têm exemplos nítidos e inequívocos de que um apelido português não é sinónimo de representar os desejos dos emigrantes e dos seus rebentos. Qualquer movimento de consciencialização política terá de partir do princípio de que as comunidades precisam de agentes políticos que representem os desejos, os programas e as plataformas que lhes são atinentes. E só porque o político gosta de sopas do Espírito Santo e de vinho de cheiro não significa que é um representante fidelíssimo dos programas que afetam as nossas comunidades e as nossas ilhas. Há que ultrapassar esse estigma, fazer sentir às nossas comunidades que o que nos interessa são políticos que compreendam as necessidades das nossas comunidades, que sintam os seus dilemas e os seus anseios, que estejam conscientes da nossa participação política. Se for de origem portuguesa, melhor ainda. Na diáspora portuguesa temos de constituir planos estratégicos, com os interesses da diáspora e de Portugal, e entregá-los aos políticos que nos ouçam e os utilizem nas suas plataformas.
Um outro aspeto que considero fundamental para uma notada participação na vida cívica dos açorianos nos States é a consciencialização política das nossas instituições. Os clubes recreativos, as agremiações culturais, as estruturas sociais das nossas comunidades precisam de ser continuamente alertadas para o processo político. Há que reconhecer a necessidade de que, como associações representativas, em muitos casos, de centenas de famílias, têm por obrigação politizarem-se, não no âmbito político-partidário (aí até estão, infelizmente), mas sim na perspetiva de fornecerem informações úteis aos seus membros. É que qualquer político, particularmente a nível local e regional, terá outros ouvidos quando a voz vem de uma associação que represente trezentas ou quatrocentas famílias.
Há que realizar novos estudos, como os que a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), em colaboração com paróquias e clubes, fez há anos com o objetivo de se conhecer o historial da participação política dos seus membros. Com dados objetivos, as organizações poderão trabalhar para melhorarem, quer o número dos seus membros que não estão recenseados para votar, quer os que estão mas não exercem esse direito, essa obrigação, na minha perspetiva. Mais, tais dados permitem ir junto dos políticos locais, com autoridade, e exigirem-se os direitos que esses cidadãos também têm. E por vezes os números surpreender-nos-ão. O caso da paróquia portuguesa da cidade de Turlock, na Califórnia (e há exemplos de outras paróquias na Costa Leste dos EUA), descobriu que, dos membros recenseados, cerca de 85% exerciam esse direito cívico. E todos nós sabemos que nas democracias modernas seria ótimo se tivéssemos uma abstenção global de apenas 15%.
Escusado será dizer que os candidatos e as entidades políticas daquela zona estarão, a partir de agora, muito mais conscientes dos votantes portugueses desta paróquia e desta zona. O mesmo estudo já foi desencadeado, e com sucesso, em outras zonas da Costa Leste dos Estados Unidos, mas há que utilizar as novas comunidades, as novas tecnologias e a nova consciencialização política para revermos, a partir dos novos números, o resultado do censo dos Estados Unidos de 2020, que se conhecerá em breve, para implantarmos, a partir da comunidade e com as nossas organizações e institutos, uma nova abordagem, partindo desses resultados.
Em jeito de conclusão, poder-se-á afirmar que nas comunidades de origem açoriana dos States há uma outra consciencialização política, inexistente há uma década, e que todas as forças comunitárias, desde os clubes aos agentes culturais, passando pelos órgãos da comunicação social, têm a obrigação de alimentar essa consciência de uma forma harmónica e realista. Para que o processo em curso nas comunidades tenha sucesso terá de ser um movimento terra a terra—grassroots, como dizemos nos Estados Unidos da América. Sem aspirarmos a sermos a força que jamais poderemos ser, porque os números, a cultura política, e o poder económico poderão não o permitir, acho que teremos cada vez mais influência nas pequenas/grandes decisões que são tomadas quotidianamente nas direções escolares, nas comissões de planeamento, nas Câmaras Municipais, nos condados e nas assembleias estaduais. E essas sim são decisões que tocam diretamente as vidas das nossas comunidades açorianas dos Estados Unidos. É que o lobby açoriano e português nos Estados Unidos jamais acontecerá enquanto continuarmos politicamente desconexos, sonhando e alimentando falsos profetas, em ambos os lados do atlântico, contentes da vida porque tivemos um momento de glória.
Na realidade já foi feito algum trabalho. A consistência da California Portuguese-American Coalition (CPAC) neste mega estado da união americana e da PALCUS a nível nacional tem sido importante e têm dado passos decisivos. Há que continuar a construir-se o alicerce da casa política portuguesa em terras do Tio Sam, que não é construído num ano ou dois. É sim um labor continuo e sólido, que não pode ser abalado pelo oportunismo de nenhuma força partidária em Portugal.