Recebi mensagens de Páscoa com coelhos e amêndoas. Também recebi outras com a Paixão e Ressurreição de Cristo. E neste tempo revisitei filmes que me mostram que Ele está vivo: a Paixão de Cristo, de Mel Gibson, o Evangelho segundo Mateus de Pasolini, e O Ato da Primavera, de Manoel de Oliveira.
E mais uma vez me decidi não ficar pelos ovinhos, isto é, o sentido último da Páscoa é o de celebrar Jesus ressuscitado, aqui e agora.
Luís Miguel Cintra considerou O Ato da Primavera como a melhor longa metragem de Oliveira. Foi por casualidade que tudo começou, diz o realizador numa Entrevista por ocasião da estreia do filme no Porto, após ter sido laureado em Paris.
Passava na estrada de Chaves quando viu uma cruzes levantadas num campo. Ficou seduzido e curioso, e disseram-lhe que era o anúncio de um Auto Popular sobre a Paixão de Cristo, que iria ser representado no dia seguinte. Ele ficou para ver. Todo aquele movimento da gente do povo, as suas cores e pureza de falas, era preciso passá-lo para o celuloide e fazer um filme.
O filme revela uma poderosa observação, sublinha o entrevistador, que considera também ser este trabalho uma obra prima, feito do povo para o povo. Realizado para que todos vejam como diz o prólogo d`O Ato da Primavera, para qualquer pecador ver, ou seja, para toda a gente, já que pecadores seremos todos.
A Centralidade de Cristo, que após a morte na cruz “ao terceiro dia ressuscitará”, é uma constante em Oliveira. Foi-o tanto n`O Ato de Primavera tal como no testemunho de maturidade com que presenteou Bento VI no CCB, num discurso proferido em nome da Cultura aquando da visita do Papa ao nosso país.
A maturidade desse discurso ao sucessor de Pedro casa com o filme de 1963 , que terá sido tido em conta para o tão fundamental filme de Pier Paolo Pasolini, Evangelho segundo Mateus (e não segundo São Mateus com é sempre referido) – porque segue à letra o texto do evangelista -, e foi recentemente reconhecido pela Santa Sé como o melhor filme de todos os tempos sobre Jesus, não obstante a anterior apreciação contrária acerca do cineasta italiano, confesso ateu; e noto o facto de, como a Jesus, lhe terem também tirado a vida, assassinado brutalmente em 1975.
Importa reconhecer o pioneirismo de Oliveira neste ponto, em considerar o Cristianismo como um acontecimento e não apenas a memória de uma coisa passada, ou uma mensagem, ou conjunto de valores. Acontecimento na vida dos habitantes da Curalha.
Indico um diálogo inicial entre uns jovens que chegam ao local do Auto, e das filmagens:
«Uma rapariga – Ena pá! Que giro! Não podemos perder isto pá!
Outra rapariga – Ó filha! A vida de Cristo?! Que frete!
A filmografia de Oliveira assenta na certeza da necessidade desse silêncio, para ver o que não podemos perder: o acontecimento, tal como na Curalha. É deste acontecimento que decorrem como de uma mesma fonte todos os filmes do realizador que sabe filmar o invisível. É este silêncio condição de um olhar livre, a ver o que realmente conta.
A atualidade de Oliveira é palpável na cena final deste filme , com a imagem da bomba cruzada com a imagem da Ressureição, capaz de justiça e paz, para todos.
